OS DISCOS DA VIDA: TRATAK

“Segundo a Wikipedia, ‘tratak’ é um termo em sânscrito, que significa lágrima. Difundido também como técnica de meditação, compreende em fixar o olhar em algum objeto sem piscar, favorecendo a prática”. É o que diz o release de apresentação da banda, que na verdade é “de um homem só”.

Tratak é um dos projetos mais curiosos que surgiram em 2012 (e acabou sendo uma das revelações do ano, segundo votação do Floga-se). O disco “Agora Eu Sou O Silêncio” é obra de Matheus Barsotti, baterista de formação, e é uma mistura surpreendente de ruídos e MPB, em bem elaboradas composições.

É um disco que demole barreiras entre a música popular brasileira tratada jocosamente pelos formadores de opinião da imprensa alternativa, que torce o nariz pro “indie sambinha”, e o experimentalismo. Barsotti aproximou os dois mundos e foi bem-sucedido.

Mas o embrião desse sucesso está aqui, pelo menos em grande parte, nessa lista de “Os Discos Da Vida” de Barsotti. Há, é bom notar, uma maioria de discos nacionais, mas ao contrário do que se imagina, não há só MPB. O cérebro do Tratak é bastante eclético e tem uma amplitude interessante – inclusive temporal (basta ver as datas dos discos escolhidos).

É possível entender como a mistura do Tratak se deu: há samba, há pop, há experimentações, há metal, há punk… Tudo isso molda o Tratak de “Agora Eu Sou O Silêncio”. Sem preconceitos, sem barreiras. E melhor: com textos e pequenas histórias divertidas pra descrever essas escolhas.

Sim, a gente continua aprendendo. Até o fim, até se tornar silêncio.

MATHEUS BARSOTTI

“Quando recebi o convite pra escrever nesta coluna, fiquei muito empolgado e me identifiquei imediatamente com o conceito ‘você escolhe dez discos que acredita mudaram sua vida de alguma forma (não os ‘melhores de todos os tempos’, mas aqueles que de alguma forma moldaram seu gosto ou sua personalidade’). Isso caiu como uma luva pra questão que sempre me incomodou nas listas de melhores do ano, do século e por aí vai. Fui convidado em 2012 pra contribuir com uma dessas listas de melhores do ano, e ao analisar a tarefa me senti completamente sem base para fazê-la, pois acho quase impossível afirmar que uma expressão artística é melhor que outra de forma pontual. Mas escrever sobre os discos da minha vida, aí sim, fez sentido. Achei que seria simples, mas confesso que a escolha dos dez foi torturante, tantos discos importantes na minha formação que não cabiam na bendita lista. Risquei, então, de cara, Tchaikovsky e Raschmaninoff, pois não têm um disco específico, e sim a obra é que fez tanta diferença. Com muito desgosto acabei cortando também, Ramones, Milton Banana e Piazzolla. Enfim, os dez…”.

Sepultura – “Roots” (1996)
Esse disco pra mim é um daqueles que independente do estilo musical individual, todos deveriam ouvir, e quando terminar, dar o play novamente. Ouvi pela primeira vez quando tinha quinze anos e o disco já tinha seus oito anos e desde então o ouço periodicamente. Esse disco é perfeito musicalmente do início ao fim. A questão percussiva é encantadora. Sim, é essa a definição que essa obra-prima do metal tem pra mim. Musicalmente encantadora. Não importa o que você ouça, esse disco é indispensável a meu ver pra formação musical de qualquer um. Sempre surpreende. Foi talvez o primeiro contato com o metal, e desde então não achei até hoje nada assim, tão… encantador.

Ouça o disco na íntegra:

Caetano Veloso – “Fina Estampa” (1994)
A obra do Caetano pra mim beira a perfeição, e considerando o fato de que nada é perfeito, é com certeza uma das preferidas. Tão amado e tão criticado, pra mim é um grande mestre. O cara que tem o dom de se reinventar, de questionar, trilhar novos caminhos sem medo e ser jovem sempre. Posso dizer que foi, sim, um grande exemplo de como a arte não precisa de justificativa, ela apenas é. Livre, independente de tudo e de todos, é como deve ser. Apenas arte. Sendo assim, difícil demais falar de um disco só quando se tem “Araçá Azul”, “Transa”, “Zii&Zie” e o mais que magnífico “Circuladô”. Mas pelo “Fina Estampa” tenho um carinho especial. Foi esta obra que me despertou o interesse pela música flamenca e que me trouxe admiração pela língua espanhola. E ainda tem o fato de que tenho uma lembrança peculiar, pois em 2010 fiz um mochilão pela Europa, meio sem destino, e sempre contando com a boa vontade de alguém que me desse teto. Depois de dois meses longe de casa, numa tarde de verão estava caminhando numa praia no sul da Espanha e passei por uma pequena choupana que estava tocando o bendito. Ali, já com aquele sentimento de saudade de casa, cansado e com uma vista inesquecível eu sentei e o ouvi de cabo a rabo. E me senti em casa, como se estivesse no meu quarto, na minha cama e não completamente duro, sem um teto pra dormir e derretendo sob aquele sol de 50 graus.

Ouça “Cucurrucucu Paloma”:

Radiohead – “Ok Computer” (1997)
Escolher dentro da obra do Radiohead um preferido é algo que tento fazer há tempo. E a opinião muda constantemente. Ouvir o “OK Computer”, “In Rainbows”, “Kid A”, “King Of Limbs”, é sempre surpreendente. Sempre ouço algo novo, aquele detalhe que mesmo depois de anos ouvindo ainda não havia notado. Essa é a grande lição do Radiohead, as várias camadas sonoras, as ambiências e tudo junto trabalhando em perfeita sintonia. Sou completamente apaixonado pelas trocas rítmicas, pelas guitarras tortas, e voz do Thom Yorke. E como não ser? O “OK Computer” é uma aula de tudo isso, do bom rock, do conceito, da abstração sonora, e de uma voz que canta a tristeza e a melancolia com uma sensibilidade ímpar. Sempre me envolveu. A preferida? “Exit Music (For A Film)”… Lembro-me de que quando vi ao vivo foi impossível não chorar. É linda demais, é boa demais. E esse posto de preferida é muito complicado num disco onde se tem “Paranoid Android”.

Ouça “Exit Music (For A Film)”:

Mars Volta – “Frances The Mute” (2005)
Lembro de ter ouvido Mars Volta muitas vezes antes de realmente entender o que aqueles dois “loucos” e gênios amo mesmo tempo, queriam dizer. E confesso que até entender ficava revoltado com o fim do At The Drive In. O “Frances The Mute” é o responsável pela imensa admiração que tenho hoje pelo Mars Volta, que muito contribuiu na minha forma de compor e principalmente arranjar. Quebrou de uma vez por todas em mim aquele paradigma de que não se pode começar com MPB, depois ter uma ponte clássica, um metal e um flamenco. Devo ao Mars Volta esse entendimento de que a expressão musical é livre. Livre para expressar o que deve expressar. Não importa se muitos não compreendam. Por fim, acho que acaba transparecendo muito no Tratak essa expressão despreocupada com limitações estéticas, mas baseadas num conceito geral. Um disco, uma história, cada canção um capítulo. Devo muito, muito mesmo, ao Mars Volta.

Ouça “Miranda That Ghost Just Isn’t Holy Anymore”:

Phillip Glass – “Koyaanisqatsi” (1982)
Minha formação musical é erudita, e até meados de 2005 eu nunca tinha ouvido falar do Philip Glass. Foi numa seção às três da manhã (no noitão do HSBC Cultural, na Consolação) que eu levei esse tapa na cara que é a trilha do “Koyanisqatsi”. Por fim, até hoje não cheguei à conclusão do que foi o maior divisor de águas, o filme, que é composto apenas por imagens, ou a trilha. Cheguei em casa cansado e não consegui dormir, aquela música se instalou de uma forma desconcertante. Quebrou toda a estética clássica que me permeava. Sou admirador confesso do trabalho do Philip Glass, e tive o prazer de vê-lo tocando na Sala São Paulo, mas com ele também uma grande frustração. Naquele mesmo mochilão em 2010, quando estava em Praga, consegui lugar pra acampar num campo de golfe fora da cidade, e passei dias lá isolado. E devido a essa ideia idiota de me isolar num campo de golfe não descobri que a orquestra nacional da República Tcheca iria junto dele, o mestre Glass, apresentar o “Koyaanisqatsi” ao vivo, e de graça! Parece bobagem, mas até hoje fico com raiva de mim mesmo por ter me isolado naquele maldito campo de golfe.

Ouça “The Grid”:

Ratos de Porão – “Crucificados Pelo Sistema” (1984)
Tá certo que existem os Ramones, e que estes, por sua vez, são essenciais pra toda e qualquer pessoa (minha mãe, inclusive, pediu pra eu gravar Ramones pra ela, achando que era Beatles, e quando descobriu que não era continuou achando o máximo), mas ainda assim o “Crucificados Pelo Sistema” é, sim, um dos discos nacionais mais significativos. De forma simples e objetiva. As letras são um tapa na cara de todos, e música em si, com toda a agressividade que o punk traz… Acho que não tenho as palavras certas pra expressar a minha admiração pelo Ratos De Porão que com certeza é uma das bandas brasileiras mais bacanas. Esse disco vive no meu carro, e a namorada, os amigos, o pai ou seja lá quem for que estiver de carona sempre pede pra trocar. Eu apenas aumento o volume.

Ouça “Que Vergonha”:

Sean Lennon – “Friendly Fire” (2006)
Taí um daqueles que não é apenas musicalmente bom. Esse disco narrou uma das épocas mais felizes, o começo da vida em São Paulo, os novos amigos, a nova namorada, os mil e um lugares pra descobrir, as bandas, os shows, e por fim o Thiago Germano, na época produtor da Margot, que me viu com o disco (edição especial), pediu emprestado e não me devolveu até hoje. E olha que eu fui atrás. Fiz de tudo pra recuperar o bendito (que foi junto com um raríssimo do Nico Nicolaiewsky, por sinal). Um dia, ele me disse que esse disco era mais dele que meu, pois ele já estava em posse do disco há mais tempo que eu. Thiago Germano, fica aqui um pedido sincero: devolve o meu disco, por favor! Sério… Gosto muito desse disco, sem ele não rola lembrar com carinho dos momentos bons, pois ao fim sempre lembro que você NÃO ME DEVOLVEU O DISCO! Forte abraço pro grande amigo Thiago Germano. Ps: e que fique claro que não há ironia alguma. Eu realmente lembro do Thiago Germano como um cara massa, tão massa que poderia ficar com um outro disco, afinal isso às vezes acontece. Mas o “Friendly Fire”… Foi como se apossar de um pedaço muito importante da minha vida. Devolve aê, Thiago…

Ouça: “Dead Meat”:

Cartola – “Cartola” (1974)
O verdadeiro poeta. Um verdadeiro brasileiro, daqueles que não desistem mesmo. Cartola teve sua arte reconhecida, e a chance de gravar um disco se não me engano após os 60! Quer melhor exemplo de perseverança do que isso? Por fim, ele cantou os amores, os brasileiros de verdade, e a cultura de um país tão belo. Sou apaixonado pela poesia e pelo samba do Cartola. E acho que nem há como ser diferente tendo a frente “Tive Sim”, “O sol Nascerá”, “Alvorada” e até “O Mundo É Um Moinho” que o Cazuza fez o favor de estragar. A voz, a musicalidade e a poesia do Cartola são uma grande aula, e merecem de forma plena eterna admiração. Sempre me emociona.

Ouça “Tive Sim”:

Moreno + 2 – “Máquina De Escrever Música” (2001)
Ouvi pela primeira vez esse disco logo após o lançamento e foi um divisor de águas na minha formação musical. Quem me mostrou foi um velho amigo, o Filpe Starke, que curiosamente mesmo não sendo músico, sempre me apresentou bons discos. Bom gosto tem esse cara. Só sei que ouvi o CD que ele me emprestou e precisei comprar um também. É um daqueles discos que os anos passam e nunca pararam de tocar. De cabo a rabo uma aula de música brasileira. Música brasileira que não soa “coxinha”. Musica brasileira contemporânea de verdade. Um disco com personalidade pontual. Lindo. Do início ao fim. Não tem uma letra, um som, nada nesse disco é algo que não mereça o posto de um disco da vida. Está aí um sonho. Ter a honra de ter um disco produzido pelo Moreno.

Ouça “Sertão”:

Chico Science & Nação Zumbi – “Afrociberdelia” (1996)
Esse foi a verdadeira aula. Apresentado pelo meu mestre e professor de bateria, Duda Kasler, lembro-me que esse disco foi base de muitas aulas. Os meses passavam e as aulas giravam sempre em torno deste. Foi este disco que me ensinou a entender muitos instrumentos percussivos. Foi esse disco que me ensinou a tocar alfaia, djembé, conga, caixa. Bateria mesmo não rolou porque o Pupilo é muito monstro, aí quando chegou nesta questão rolou um impasse. Chico Science e Nação Zumbi realmente mudaram muita coisa. A música soava nova, as letras colavam, e todos aqueles caras fazendo aquele som. Tudo sempre fez muito sentido. O manguebeat merece respeito pois é simplesmente genial. Devo muito a esse disco, por isso muito me emocionou tocar alfaia no Recife com a Labirinto, e também me orgulha ouvir o “Agora Eu Sou O Silêncio” e ficar prestando atenção em todas as camadas percussivas que passeiam pelo disco. Acho que sobre a minha música tá aí uma das influências mais significativas. Chico Science & Nação Zumbi, “Afrociberdelia”, obra-prima sem sombra de dúvida.

Ouça “Manguetown”:

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Anthony Fantano”.

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