4 DISCOS: PHANTOM POSSE, THE CHARLATANS, JAIR NAVES, A PLACE TO BURY STRANGERS

PHANTOM POSSE – “NOME”

Eric Littmann, ou Phantom Power, ou Steve Sobs, é a mente que guia o coletivo nova-iorquino Phantom Posse, banda de apoio do agora famoso rapper ILoveMakonnen (o cara que Drake amou por conta dessa música). “Home” é o seu terceiro disco, sucedendo “Let’s Rally Mixtape Vol. 1”, de 2012, e “Separate Ways”, de 2013. Mas esqueça o rap. “Home” está em outra.

Tanto que a participação de Makonnen é pequena, apenas versa em quatro canções. Um bom paralelo pra esse disco é o trabalho que o Teenage Fanclub fez com Jad Fair em 2002, “Words Of Wisdom And Hope” (ouça “I’m Stranded”), embora Littmann seja um tanto mais experimental e angustiado (ouça a ambient “Rising”, uma das duas únicas que não tem participação de ninguém).

No entanto, há um vasto leque percorrido pelo artista durante a obra: chillwave (“Separate Ways”), smooth jazz (na Sadeniana “Blue Diamonds”), dream pop (“The Road Is My Home”, com Makonnen, “Isometric” e “Can’t Wait To Get Up”) e indie pop (“Story City”).

Ao contrário do que se pode pensar, há uma unidade de pensamento. Littmann busca em sua obra uma classe, um estilo refinado, e por vezes parece até empolado demais. Mas ele alcança seu intuito: “Home” é um disco classudo. Pequeno, mas classudo.

Já é algo pra quem atuava como coadjuvante do amigo mais famoso.

NOTA: 8,0
Lançamento: 13 de janeiro de 2015
Duração: 48 minutos e 46 segundos
Selo: Independente
Produção: Eric Littmann
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THE CHARLATANS – “MODERN NATURE”

Lá se vão quatorze anos desde “Wonderland”, o disco de 2001 que livrou definitivamente o Charlatans da pecha de britpop. Nesse meio tempo, vieram “Up At The Lake” (2004), “Simpatico” (2006), “You Cross My Path” (2008) e “Who We Touch” (2010). Desses, apenas o primeiro estava à altura de “Wonderland”, embora os outros oferecessem algumas canções inspiradas, como “Blackened Blue Eyes”, que abre “Simpatico”. Até que veio “Modern Nature”.

O Charlatans percebeu a tempo que nunca ia ser um Oasis ou um Blur em termos de popularidade, mas comeu pelas beiradas, conquistou uma boa base de seguidores e seguiu a vida sem grandes sobressaltos, fazendo discos irregulares com músicas empolgantes. “Wonderland”, porém, foi um caso a parte: é um disco mais regular, com pouquíssimos temas esquecíveis.

“Modern Nature” está no mesmo patamar porque mostra uma série de canções leves, baseada em teclas e não em guitarras, como se via nos três discos anteriores. Aqui está uma banda mais solta, bem mais satisfeita com seu lugar na história e curtindo uma posição de respeito (que garante participações preciosas como as de Sean O’Hagan, ex-Stereolab, e de Jim Paterson, Dexys Midnight Runners).

Há quem possa dizer que se acomodar não é a melhor saída. De fato, ousadias são sempre mais bem-vindas, mas o Charlatans precisava ainda passar por uma via mais pop e “ensolarada”, como em “Modern Nature”. Canções como “So Oh” e “Come Home Baby” são irresistíveis pra se largar no ócio; “In The Tall Grass” tem um olhar sessentista com teclas a la Doors; “Emilie” é uma baladinha sacana; e “Trouble Understanding” é como se Marvin Gaye tivesse se revigorado e modernizado (não, a voz de Tim Burgess não tem a sensualidade de Gaye, longe disso, mas o clima é envolvente).

Vale lembrar que esse é o primeiro trabalho sem o baterista Jon Brookes, morto de câncer em 2013. Só mesmo a maturidade pra encarar um momento como esse de cabeça erguida e olhando pra frente.

Não se pode afirmar por quanto tempo dura o encanto de “Modern Nature”. A banda não parece muito preocupada com isso. O negócio é curtir o momento.

NOTA: 7,0
Lançamento: 25 de janeiro de 2015
Duração: 46 minutos e 50 segundos
Selo: BMG Chrysalis
Produção: Jim Spencer e The Charlatans
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JAIR NAVES – “TROVÕES A ME ATINGIR”

Depois de “E Você Se Sente Numa Cela Escura, Planejando A Sua Fuga, Cavando O Chão Com As Próprias Unhas”, de 2012, Jair Naves enfrentou a tormenta de tentar se superar e levou dois anos e meio pra concluir “Trovões A Me Atingir”, conquista realizada graças aos fãs em financiamento coletivo.

Se um artista da envergadura criativa de Jair precisa apelar por esse tipo de expediente, é porque as gravadoras faliram mesmo. “Trovões A Me Atingir” era pra ter nascido em berço de ouro de uma grande patrocinadora, com grande investimento de produção e de divulgação.

Teria sido um golpe de mestre de qualquer gravadora. “Trovões A Me Atingir” tem apelo pop de alto teor. Serve pra tocar em novela, serve gerar credibilidade.

Mas o problema de Jair não reside aí. Ele é um autor e poeta e músico, não é homem de negócios. E, vendendo de antemão sua obra, antes de estar pronta, se colocou em dívida com os fãs que apostaram nele. A responsabilidade aumentou. “Dentro de mim, um incêndio / Uma guerra em que ninguém pode intervir / Minha própria cabeça a prêmio / Heroico é o simples ato de existir”, ele canta em “Incêndios (O Clarão De Bombas A Explodir)”. É difícil ganhar a respeitabilidade que conseguiu com o disco anterior e manter-se em pé, num negócio como esse de alto risco.

A solução, mesmo que involuntária, foi se aproximar dos carinhos fáceis da música popular. Não é uma decisão reprovável. Até porque a disposição do disco tenta remediar. Começa com a urgente “Resvala”, mostra coragem em “5/4 (Trovões Vêm Me Atingir)” (“frente a um grande acervo / de desilusões e erros / quem não se encolheria em meu lugar?”), acelera e grita com “Em Concreto”, pra então esperar os afetos com as pop “B.”, com, Bárbara Eugênia, com o single “Prece Atendida”, e com a bela MPB “Deixe/Force”.

O disco, que o próprio artista avisa ser “sobre paixões, transformações, percalços, provações, renascimento”, é um trabalho que parece ter lhe tirado um peso dos ombros: agradou aos fãs-investidores, manteve-o em alta conta com a crítica, sedimentou de vez sua posição como um dos melhores poetas em português da atualidade, e ainda, de quebra e possivelmente, expurgou seus fantasmas pessoais através de belas letras.

Jair Naves saiu mais forte da tempestade.

NOTA: 8,0
Lançamento: 3 de fevereiro de 2015
Duração: 44 minutos e 05 segundos
Selo: Independente
Produção: Jair Naves e banda
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A PLACE TO BURY STRANGERS – “TRANSFIXIATION”

O A Place To Bury Stranges é o melhor nome a ligar o soturno do pós-punk com a implicância do noise. E “Transfixiation”, o quarto disco do trio nova-iorquino, é seu trabalho mais perfeito nesse sentido.

O disco é um delírio macabro tremendo. Climas pesados com guitarras cortantes, incomodando ruidosas, sem dó. “Supermaster” é como se o Bauhaus encontrasse o Sonic Youth ou o Pere Ubu, pra se ter uma ideia. “Straight” segue na inevitável comparação com o Jesus & Mary Chain, embora bem mais crua; “Love High” é como se Kevin Shields tivesse dado uma força e uma acelerada ao Dead Can Dance; “What We Don’t See” é um pop-pós-punk oitentista; “Now It’s Over” é eletrônica e cavernosa; e por aí segue a boiada, até as ensurdecedoras “We’ve Come So Far” e “I’m So Clean”.

O que se destaca em “Transfixiation” é o entendimento da banda de que não é preciso deixar o ouvinte com os ouvidos apitando o tempo inteiro pra se apresentar ruidosa. Há muitos ruídos, soando moto-serras (“Deeper”, por exemplo), sem serem estridentes. O ruído é instrumental, não um fim. Está a serviço do lúgubre, tornam o clima mais soturno. São como bater de portas e janelas numa noite escura, sem energia elétrica, quando você fica apreensivo tentando entender se há alguém ali com você, quando você pensava estar sozinho. Pense na tensão que a instrumental “Lower Zone” causa.

Esse é o primeiro trabalho com o novo baterista Robi Gonzalez, no lugar de Jay Space. Mas, como sempre, o disco tem como protagonista os pedais de Ackermann e de Jonathan Smith, com seu baixo torturante.

Não é uma obra pra todos os ouvidos e nem pra todos os momentos. Esse é o grande problema e a grande virtude ao mesmo tempo do A Place To Bury Strangers: sem fazer concessões, prefere incomodar a ceder a pedidos de trégua. É um problema porque é preciso fôlego pra encarar audições seguidas de suas obras (com o ótimo “Worship”, de 2012, foi assim), é preciso parcimônia ao ouvinte. E é uma virtude porque é de patadas na porta que a música como arte provocativa sobrevive.

NOTA: 8,5
Lançamento: 17 de fevereiro de 2015
Duração: 39 minutos e 20 segundos
Selo: Dead Oceans
Produção: Oliver Ackermann
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Comentários

comentários

Um comentário

  1. Particularmente achei esse trabalho do A Place To Bury Strangers razoável. O “Exploding Head” faz um passeio mais consistente pelo noise, shoegaze e post-punk sem demasia. Embora seja difícil falar em “demasia” quando se trata de sonoridades poderosas.

    Sobre o Jair Naves…pude reouvir o primeiro disco após estar encantado com o Trovões a Me Atingir e realmente há uma diferença ali. Pode ter perdido a visceralidade em alguns momentos, mas ganhou quando usa o pop a seu favor como uma novidade atraente para ele mesmo.

    Boa Fernando!

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