A MORTE DE LEONARD COHEN

“Espero viver pra sempre”, disse Leonard Cohen numa estrevista recente à revista New Yorker. Ele havia acabado de lançar “You Want It Darker”, seu décimo quarto disco da carreira (veja aqui). Ninguém vive pra sempre e essa é, em alguns casos, uma realidade dolorida, esmagadora.

Todos perdemos alguém da família, em algum momento. Precisamos nos acostumar com a dor. É do jogo, ok. Poucas morte vêm de supetão. A de Cohen, nesse dia 7 de novembro de 2016, foi inesperada. Com 82 anos, talvez não fosse, é da natureza. Mas foi.

Leonard Norman Cohen nasceu em Montreal, Canadá, dia a 21 de setembro de 1934. Com nove anos, já teve que lidar com a morte – no caso, a do seu pai. Coube à mãe guiá-lo na vida. Foi ela quem o incentivou a escrever, a criar, a poetizar. O primeiro livro foi “Let Us Compare Mythologies”, de 1956. Foi morar na Grécia (de 1964 a 1965) e escreveu outros. Todos fracassaram em vendas, o que gerou mais frustração.

Bob Dylan o inspirou e, ao mudar pra Nova Iorque, nasceu a voz que embalou muitas histórias. O primeiro disco, “Songs Of Leonard Cohen”, de 1967, tinha “Suzanne”, “Winter Lady”, “So Long, Marianne”, e encaixava-se perfeitamente à época.

Ele entrou nessa por dinheiro. Achava que assim suas poesias poderiam ser ouvidas. Foram. Muito.

Foram, inclusive, nos lugares mais insuspeitos.

Em São Paulo, tinha uma casa (na verdade, não sei se ainda existe) de moças inclinadas ao prazer. Chamava-se “Musa’s”. Ficava no Ipiranga, ao lado do Parque da Independência.

Nunca fui de bordéis. Não por uma questão religiosa (sou ateu, afinal) ou de caráter (nunca tive algum, admito), mas financeira e de fôlego. Explico: meu pai não foi daqueles pais que levam os filhos ao bordel pra primeira vez e tals. Ele não gastaria dinheiro com essas coisas. Preferia gastar com uísque. Eu e meus irmãos tivemos que nos virar nessa modalidade, de modo que ter dinheiro pra isso não era fácil. Além do mais, sou daqueles que não vê muita empolgação no sexo pago – embora, sabemos, o gratuito sempre seja mais caro.

Mas foi no Musa’s que ouvi Leonard Cohen pela primeira vez. Foi “Suzanne” a canção – que só fui descobrir depois. É uma música bem triste, como se sabe. Não é o ideal pro ambiente. Sempre achei que puteiros deveriam tocar Donna Summer ou, se quiserem dar uma aura de requinte, um Frank Sinatra, um Nat King Cole. O Musa’s tocava às vezes o Sinatra, pelo o que eu me lembro. Mas não sei porque cargas tocou “Suzanne” daquela vez e, bem, eu não era frequentador assíduo, longe disso, não sei se era recorrente – se houver algum frequentador a ler isso, que me elucide a questão.

Naquele ambiente que pra muitos é de profunda tristeza, Leonard Cohen soou com sua voz que ainda não era um vozeirão. Ela ganhou essa rouquidão já no seu retorno à música no começo desse novo século. A volta, ironia das ironias nesse caso, aconteceu por um rasgo no coração, por causa de uma mulher.

Kelley Lynch foi sua amante e empresária por dezessete anos. Foi ela que passou a perna nele, roubando sua fortuna e o deixando sem nada. Acabou sentenciada a dezoito meses de prisão e o legado do seu golpe foi forçar Cohen a voltar a lançar discos, tarefa que ele havia desistido desde “The Future”, de 1992. “Ten New Songs”, o trabalho que ele lançou em 2001, mais uma vez pra ganhar uma grana (como havia sido quando resolveu cantar, lá nos anos 60), foi apenas um passo. A trinca que veio na década seguinte acabou sendo imbatível, um dos pontos altos de toda sua carreira: “Old Ideas” (2012), “Popular Problems” (2014) e “You Want It Darker” (2016). O vozeirão rouco está aqui.

Ouvir Cohen num puteiro hoje em dia me parece bem apropriado – confesso que não vou a um há pelo menos uns vinte anos – e pode ser bem educativo. Apesar de não ser um ambiente pra romantismos e sentimentalismos (há quem vá discordar e é pra essa pessoa que dirijo meu afago e compreensão), é um lugar de profundo isolamento, de solidão. Leonard Cohen era o artista da solidão. A solitude parece estar em cada nota e verso. Nesse sentido, ele se encontra com a morte, que é o único ato em vida que a pessoa deve realizar sozinha.

Leonard Cohen se calou e deixa uma sensação de que essa solidão – em puteiros, em corações rasgados, que pode estar presente em cada esquina – é uma dádiva. É uma reverência a si mesmo. Aleluia.

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