RESENHA: JUJS – MINI COLETÂNEA DE DEMOS DA JUJS

A ênfase no cotidiano parece ser o ponto forte deste curto EP (não sei ao certo se é EP), com apenas quatro minutos e meio. É por conta do traço forte dos momentos e as divagações sobre eles – e de como cada momento simboliza uma engrenagem que é feita de passado e uma ausência de “estar-aí”. Os pequenos relatos desta coletânea (acho que coletânea faz mais sentido do que EP) reúnem momentos específicos – o despertar, a saída de uma aula – e uma longa divagação sobre o fim de uma amizade (ou o fim da fantasia de certa fase da vida – a adolescência).

O cotidiano abre uma ruptura; abre uma narrativa disseminada, estabilizada em signos (a planta que brota, os encontros desconfortáveis), que recolhe projeções de um passado inacabado gerando rancores inevitáveis (ao ponto que é possível questionar; na primeira canção, “hello, mariah”, ela está bem por causa da amiga ou ela representa na amiga a sensação de bem estar que lhe invade? Na segunda canção, “carta aberta”, ela está mal por causa do fim da amizade ou o fato de ela estar mal que lhe faz atribuir a uma amizade fracassada tanto rancor?). Há outros temas que percorrem a coletânea, mas tem-se aqui uma encruzilhada perturbadora de momentos realmente importantes e um eu-lírico tentando registrar o fenômeno destas importâncias.

A ênfase está no trânsito do cotidiano e Jujs sabe que registrar os movimentos que lhe são habituais exige muito mais que descrições racionais. E por isso ela invade as cenas que conta pra tentar diagnosticar a origem de cada fenômeno, mesmo sabendo que isto é nitidamente impossível. Falta de conhecimento, falta de explicação ou falta de um “si-próprio” perfeitamente configurado – a coletânea trata sobre a ausência constante, a ausência que é mais presente do que tudo que é passageiro. A ausência (a sensação dela) está incrustada em Jujs – a ausência das duas amigas nas duas primeiras faixas e a ausência de uma autoentidade na canção que encerra a coletânea. A complexidade da falta irrompe no cotidiano e é justamente neste rasgo profundo que todas as canções transitam.

A origem de cada fenômeno não é somente nos atos mais terrenos e nem em toda uma personalidade forjada em interações. Jujs desconfia que há uma transparência esquecida pela performance do excesso e cava fundo pra encontrar alguma essência que tenha uma vibração impossível de ignorar. O indivíduo nesta coletânea é mais uma dispersão absurda de resquícios do que qualquer soma “de momentos”. Sentimentos intensos latejam, vibrações contrastantes interagem – a coletânea é o registro deste caos interno. Cada momento gera uma inquietação que invade paralelamente passado e presente; empresta-se pensamentos atuais a um “eu esquecido” e toda projeção abstrata de identidade tem que ser renovada. Porque Jujs sabe que identidade é ilusão que ela cava em busca de um núcleo tão inverossímil quanto concreto.

Jujs é Júlia Tiengo Zumerle, de Vitória, Espírito Santo. Esse é o primeiro trabalho dela – duas canções de 2015, uma de 2016. É um trabalho que remete ao Vítor Brauer, da Lupe De Lupe, com seu spoken word, mas remete também a um diário próprio, daqueles que a gente guarda a sete chaves. É, de certa forma, um diário. É preciso ter coragem pra se abrir, um artista é antes de tudo um corajoso, mostrando as entranhas das suas loucuras, preocupações, medos e tais sentimentos. O apuro com que escrevo sobre ela (ou tento escrever) tem por onde: Jujs é minha namorada também (o que isso impede em transpor credibilidade pra essa análise, caro leitor, só depende de você). A breve coletânea de Jujs deve falar por si.

1. hello, mariah
2. carta aberta
3. comunicação organizacional

NOTA: 6,5
Lançamento: 6 de novembro de 2016
Duração: 4 minutos e 32 segundos
Selo: Independente
Produção: Jujs

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