ÁCIDAS: HIPNOSE

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Estamos hipnotizados. A sociedade que parece pensar sem usar o fígado ou o intestino pra isso está em sono profundo. Ou a gritaria de ranço e ódio é muito mais alta que não nos permite ouvir o bom senso e o pensamento crítico. Olharam nos nossos olhos e nos colocaram pra dormir, enquanto os representantes de bom senso, os cunhados como “progressistas”, não conseguem se organizar minimamente dentro das instituições.

Não, não, não. Há, sim, organização. Há muita gente fazendo o trabalho de formiguinha nas comunidades, nas bases, nos sindicatos, no Congresso Nacional, até mesmo nas redes sociais. Todo mundo tenta dar sua contribuição, seja procurando abrir os olhos de quem se recusa a ver, seja informando, seja divulgando fatos. Mas há o avanço dos crentes na terra plana, há uma imensa massa que acredita no criacionismo e nega a evolução, gente que não acredita em vacinação, gente que acha que a fé, qualquer que seja, cura males, enquanto a ciência é colocada de lado. Estamos cegos, a sociedade está cega.

Woody Allen filmou “Tudo O Que Você Queria Saber Sobre Sexo…” e nas cenas em que ele é um espermatozoide cheio de problemas existenciais imagino uma rebelião dentro do corpo humano: o fígado tentando tomar o lugar do cérebro, o lugar do pensar, do não-raciocinar, do apenas vociferar com ódio. O fígado (ou o intestino ou o estômago) ganha, num motim em que o cérebro se vê vendido. Não há mais problemas existenciais pra se confrontar porque isso é “mimimi”. Agora, é só trabalhar, nada de se divertir, nada de viver a vida.

A hipnose que a sociedade brasileira é essa. Quem ousa se divertir ou é achincalhado pelos neopentecostais, que se assumiram donos da “palavra de deus”, ou é tratando por “vagabundo” num país que não se trabalha por falta de emprego ou se trabalha demais em empregos sem a menor segurança jurídica.

Números. Estamos hipnotizados por números. Números valem mais do que vidas. Ou que felicidade. Felicidade não tem mais valor. Só boletos e contas têm. A vida é só família, trabalho e religião, pra essa gente. Não é, não devia ser. Vida é confronto, é alegria desmedida, é tristeza e frustrações, é bebedeira e contemplação, são drogas e cultivo ao corpo, é amizades novas e amizades desfeitas, paixões fulminantes e amores não correspondidos, é tanto coisa que pensar em apenas família, trabalho e religião parece não fazer a vida valer um pingo de esforço.

Mas porque estamos hipnotizados por esse reducionismo. Talvez por preguiça ou por incompreensão da complexidade que é encarar dia-a-dia. Não há família, trabalho e religião que me faça trocar os quatro dias eufóricos, libertinos, inebriantes e passageiros do Carnaval, por exemplo. Nem que me faça trocar por transar com quem eu quiser, como eu quiser e quantas vezes eu quiser. A felicidade de cada um é a felicidade somente de cada um e não interessa a ninguém. Ah, isso é clichê? Nos dias de hoje não parece, porque é preciso ficar repetindo a todo instante pra essa gentalha que se mete na vida dos outros.

Gentalha que usa a religião pra dizer o que os outros podem e não podem fazer. Pobres dos deuses e dos santos tantos que o homem inventou nesses milênios todos. Gentalha que usa o trabalho como única medida possível. Pobre desses que vivem pequeno. Gentalha que usa a família como bengala pra tudo. E que idealizando uma “família perfeita”, matam filhos gays e batem nas mulheres que ousam ser mais do que esposas.

Uma sociedade hipnotizada por uma estrutura rudimentar de vida. Uma sociedade tão grande e alegre. Tal como já foi o Irã, veja só, antes da revolução aos aiatolás, que transformou o país do que é hoje, em termos sociais. Estamos nos tornando uma ditadura pentecostal? Hipnotizados, vamos acreditando que “não é possível”. Quando formos ver, já foi.

A hipnose que aceito é essa, só essa. Deparei-me com o quarto disco dos chilenos do Föllakzoid, chamado “I” (N.E.: o disco foi lançado em 1º de agosto de 2019). “I” porque o segundo disco se chamou “II” e o terceiro, “III”. Mas o primeiro se chamou “Föllakzoid”. Não importa, divaguei.

“I” é uma hipnose que importa. “A perspectiva criativa da banda sempre foi desaprender o conhecimento narrativo e musical que molda os formatos físico e digital e as concepções disponíveis, visual e musicalmente, a fim de criar uma estrutura métrica espaço-tempo que dissolva os paradigmas autor e narrativo”, diz a banda.

“Convidamos você a se juntar a nós no compartilhamento da experiência de ser liderado por essa forma de arte sonora não racional e sua energia. É também um convite para se conectar mais uma vez com seu mestre interior e sua intuição, apagando a racionalização sistemática que geralmente segue as forças criativas quando percebidas, para guiá-lo nessa simulação holográfica simultânea em que a realidade está enraizada”, pede.

Meu convite é pra que o ouvinte (e você, leitor) se junte a essa experiência hipnótica pra reavaliar a própria forma de ver o entorno. Faça do seu jeito: fechar os olhos e aderir a esse quatro longos temas de mais espaços vazios do que preenchimentos, de mais dúvidas do que certezas, pode ser uma forma de avaliar até mesmo como vivemos. Ter certezas mais do que dúvidas é o passo inicial pra chegar onde essa gentalha quer que cheguemos.

As espirais sonoras são como aprendizados. É preciso ler, ver, ouvir e reler, rever e reouvir pra apreender o que nos querem passar ou o que a vida pode ensinar. Nada do que é importante se consegue de primeira, muito menos conhecimento.

Os redemoinhos que a música do Föllakzoid nos levam (ou nos dragam) hipnotizam, mas não cegam. Alertam. Questionam. Não há só uma batida. Não há só uma dança. Não há só uma interpretação. Não há um só jeito de viver. É só acordar e lutar.

1. I
2. II
3. III
4. IIII

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