CINCO DISCOS DE RAP DO 1º SEMESTRE DE 2016

Percebi que neste ano não fiz nenhuma resenha de rap aqui pro Floga-se (na verdade, tenho me concentrado em resenhar discos nacionais, e mesmo assim essa concentração não tem dado conta da produtividade nacional nem em 1%) e resolvi ir atrás do tempo perdido e falar sobre alguns discos deste ano que me agradaram bastante. Espero que o leitor possa encontrar algo que goste.

AESOP ROCK – THE IMPOSSIBLE KID
Na primeira faixa de “The Impossible Kid”, Aesop Rock narra um encontro com um corpo que aparentemente está dormindo, mas se aproximando mais, percebe-se que está morto. Sua narrativa ligeiramente abstrata é cortada com as pontas mais cruas da realidade. É realmente tentador fazer comparações dele com outros MC’s, mas vale lembrar que ele é realmente incomparável no que tange os limites expressivos da sua própria língua (ele usa muitas, muitas palavras).

O fato de ninguém no hip hop ter um vocabulário tão extenso não significaria muito se o labirinto por onde Aesop se desdobra em suas rimas não fosse de fato vivenciado por ele. Há uma poesia de plano de fundo em que ele versa brutalmente sobre sentir seu espírito se afastando, os medos materializarem e suas habilidades se deteriorarem. Ele se posiciona com palavras extremamente meticulosas que estão numa cruzada entre a realidade bruta, a complexidade do mundo que ele enxerga e também uma necessidade interior de expressar coisas mais pessoais, praticamente intimistas. É um dialogo de manifestações liricamente atrofiadas e uma claridade plenamente reconhecível. A diferença de alguns dos seus trabalhos anteriores é que aqui ele usa realmente o que vale a pena; e quando alguém com suas extensões gramaticais decide fazer isso, toda arquitetura das letras é voltada para um discurso muito intenso e importante.

Ouça na íntegra:

Ele lançou, já com um extenso corpo de trabalhos anteriores, o que deve ser seu trabalho mais próximo de suas crenças pessoais. Aqui, ele está em seu limite e extrapola a verborragia tão habitual em alguns de seus discos pra revelar sua intimidade no nível mais profundo de sua carreira. Parece que fantasiar sobre sua morte (afinal é um disco com várias canções sobre a morte) não é apenas uma obsessão, mas uma realidade que ele sente muito próxima. Somando com isso: uma sensação obscura de isolamento dos vizinhos, um distanciamento da sua própria vizinhança geográfica. Parece que apesar de ainda armar todos os seus quebra-cabeças líricos, sua honestidade também está mais afiada e talvez nunca estivesse tão evidente. Não há dúvidas de que esse é um sinônimo de seu próprio isolamento na vida pessoal, mas as sobreposições sobre solidão exaltam muitas feridas que voltam à temática anterior de sua obra: as ruas de São Francisco.

Como eu disse: a extensão de suas palavras não fica prejudicada pela nova adesão de sinceridade. Quando ele fala sobre um amigo que morreu, o rapper Camu Tao, ele explica como isso o levou a sentimentos depressivos e avisa sobre os demônios que ainda o seguem em seu recente isolamento (aparentemente, ele foi morar nos bosques), como se a própria São Francisco e suas lembranças fossem a materialização do medo que ele fala sobre em “Rings”. Há poucas dúvidas de que sua cidade fica cravada em todas as suas futuras assinaturas musicais (inclusive, toda a história da literatura é marcada por uma obsessão com as cidades que escritores não visitavam em anos), e em “The Impossible Kid” é como se tudo que o ligasse a São Francisco estivesse à beira de um colapso.

Em uma afirmativa mais baseada em suposições, dá para constatar que em seu isolamento é que ele enfrenta aquelas memórias perturbadoras da sua antiga cidade (seus irmãos sendo ameaçados de morte) com uma estranha junção de imagens realmente fortes e que forçam o ouvinte junto com as batidas abstratas a sentir esse inevitável peso que Aesop lega ao seu disco. É um movimento intenso de examinar seu interior (e às vezes até do seu gato) pra tentar atravessar uma escala social e estabelecer (ou ao menos tentar) qual o ponto em que esses terrores verdadeiramente começam.

Eu disse que é um disco sobre morte, mas talvez seja um disco sobre o relacionamento qual sua proximidade angustiante (na verdade, é exatamente sobre isso). É um tipo de ataque (o confronto com sociedade, com a realidade e com os fantasmas de São Francisco) que parte de ideias simples para serem decompostas em um lirismo que beira o virtuosismo, mas sempre com um atravessamento mais palpável e brutamente real.

Ligar “The Impossible Kid” e escutar suas batidas muito doidas é tentar, junto com Aesop, emular a experiência do isolamento e sua inquietação completa. É também um testemunho de seu desenvolvimento enquanto produtor: sintetizadores, linhas de baixo, sons que lembram bits. Talvez esse seja o disco de sua extensa carreira que ele mais acertou o acompanhamento pra suas letras tão detalhadas. Um dos seus álbuns mais atraentes e que convida pra novas ouvidas; e mostra que, mesmo com vinte anos de carreira, ele ainda consegue se expressar através de elementos novos a cada lançamento.

NOTA; 9,0
Lançamento: 29 de abril de 2016
Duração: 48 minutos e 50 segundos
Selo: Rhymesayers Entertainment
Produção: Aesop Rock

DEATH GRIPS – BOTTOMLESS PIT
O anarquismo sonoro do Death Grips revitaliza demonstrações muito corriqueiras à época da Internet (especialmente os memes) e talvez uma estética que não é apropriada à própria galera que mais compartilha o famoso “humor virtual”. Mas um dos grupos mais venerados por esse meio, interessantemente, não compartilha da redução ao nada (ou no máximo os gifs) em demonstrar uma ironia com os procedimentos padrões de música.

Parcialmente pra demonstrar os pontos nulos da ultraglobalização e muito em função de opções sonoras que remetem ao desenvolvimento pós-industrial, o Death Grips é talvez uma das maiores expressões de que “pontos nulos” nesse sistema de produção movimentam uma quantidade considerável de – e não apenas – polêmica e combate com estruturas forjadas (aí, desde a indústria do Tidal, passando pelo Spotify e pelo mercado que é o negócio de shows). Não é, portanto, um chororô contra o sistema vigente ou a exploração de suas ferramentas apenas pra criar intrigas; é a representação de um conceito (que invariavelmente envolve a dissonância musical) que tenta, com seus limites, ser o contraponto de toda produção contemporânea.

Eu não enxergo o Death Grips como um lamento contra a produção de massa ou nem um fenômeno exclusivo da viralização virtual; eles apenas estão em um ponto de tentar alguma voz original dentro dos termos em que sua arte pode ser concebida. Os vocais de Mc Ride, contaminados com raiva, agressividade e sonorizado em meio às estranhas manipulações de Zach Hill, tentam escavar pra algo novo, pra uma produção que vai além do óbvio comum (o que é muito mais difícil em uma época que temos acesso a TODO tipo de música).

Ao contrário do que muitos apontam, eles levam sua sonoridade muito a sério e é nela que se deve concentrar a crítica (ao invés de, como eu fiz no primeiro parágrafo, estabelecer um paralelo com o mundo virtual). Se diversas polêmicas são o que formam metade da fama da banda, tudo bem. Mas ainda resta muita (e bota muita nisso!) música que é produzida com uma dedicação de quem sabe que está construindo um trabalho importante: incluir na cultura digital a sensação sufocante de que somos sugados pelas possibilidades, abstraídos por horas desperdiçadas em uma lavagem cerebral que inevitavelmente nos rendemos.

A interação de “Bottomless Pit” é reunir estranhas associações (como em toda discografia do Death Grips) em um aglomerado sujo, que soa extremamente agressivo e fora de alguma lógica possível. Como em todos seus lançamentos, é uma ameaça radical a qualquer limite de compreensão (e aí eles se associam aos melhores atos do que se convencionou chamar de noise). A reunião de tal agressividade com outros atos localizam o ouvinte em algo de difícil percepção. E aí se pode visualizar a que ponto nós estamos acostumados com uma estrutura muito tradicional de composição musical. Porque as batidas, os sintetizadores e os barulhos são muito bons – é na junção que eles podem desorientar o ouvinte.

Pegue os rifes da faixa que abre o disco ou o ritmo alucinado de “Spikes” (uma das melhores batidas do ano) e podemos sentir uma aplicação série de ideias e de organização de elementos radicalmente contrários. O próprio aparecimento da percussão em um ritmo que contrapõe os sintetizadores quebrados é algo que dá muito trabalho de ser criado. Assim como em “The Powers That B” (2015), as desorientações que cada música conduz o ouvinte são assimiladas paralelamente à aplicação de boas ideias e sonoridades extremamente polidas.

As canções soam também como sátiras à medida que seus desenvolvimentos conseguem, à sua maneira, ambientar o ouvinte em uma narrativa sonora que faz lá seu sentido – por exemplo, o caos trazido por elementos abstratos em “80808”, com o vocal cru e rasgado e a repetição incessante de vozes, ao mesmo tempo em que associa máquinas e códigos políticos contra a paz. Nós somos conduzidos por essas lavagens dissonantes e experimentamos os limites de cada gênero que o Death Grips atravessa (e são muitos) até sermos levados à insanidade de rifes e aos barulhos crescentes e a batida frenética da última canção (que seria por si mesma uma ótima música de algum rock de garagem da Califórnia).

Com tudo isso aqui, dá pra ver que cada disco do Death Grips é como um arco dramático de alguma boa série: ou você aceita a narrativa à sua maneira ou simplesmente não liga pra nada aqui. Fica a critério de cada um, é claro. Mas tanto trabalho e tantas ideias diversas de como reunir exposições musicais radicalmente diferentes merece lá seu crédito. E pra mim, muito mais do que isso.

NOTA; 8,5
Lançamento: 6 de maio de 2016
Duração: 39 minutos e 22 segundos
Selo: Harvest
Produção: Death Grips

OPEN MIKE EAGLE + PAUL WHITE – HELLA PERSONAL FILM FESTIVAL
Porque o Mike Eagle, ao invés de disparar frases com raiva, ele conversa conosco tranquilamente enquanto as linhas axiais do mundo se movem em direções desconhecidas. Mesmo as referências que não conseguimos identificar são jogadas pra nós em uma história que conseguimos situar o cenário. É mais um tipo de discussão em que não podemos deixar de ficar impressionados com a habilidade de Eagle fluir entre tópicos aparentemente diferentes e encontrar pontes que ligam assuntos tão diversos. No fim, ele é alguém que consegue te deixar confortável (o clima smooth do álbum ajuda pra caramba nisso) enquanto discorre sobre suas diferentes visões do mundo.

Tudo em “Hella Personal Film Festival” é como um fluxo de consciência informal em que qualquer assunto pode se desdobrar em visões profundas e fluídas sobre qualquer objeto. Neste ponto, Open Mike Eagle se assemelha muito a Aseop Rock – ambos sabem que qualquer coisa é uma abertura pro mundo, pra uma visão de realidade surpreendente e que merece ser expressa. Mas, claro, essa visão mais abrangente de mundo com um flow melódico que pontua todos os samplers agradáveis com pensamentos que surgem abruptamente pra se perder em outro verso. Esse número grande de assuntos, no entanto, soa completamente sincero porque parece que as rimas de Eagle nascem de um debate em alguma mesa de bar.

As conversas entre Eagle e os sons do produtor britânico Paul White colaboram pra persuadir o ouvinte de que estamos em algo que merece mesmo ser escutado (tanto em termos líricos quanto sonoros). Sugestões como figuras pop e também de âmbito revolucionário (Martin Luther King) em locais de movimentação (o presidente Obama em um drone, por exemplo) também expressam claramente a visão fluída (e também cômica) que Eagle tem da realidade. Pra ele, tudo é transitório, e todo trânsito merece ser expresso. São execuções que variam entre tantos assuntos e ainda assim elas não miram uma finalidade específica. Como eu disse, pra Eagle o mundo é uma sucessão de acontecimentos e muitos poucos merecem ser revelados mais do que outros. Os poucos erros do disco infundem essa sensação de causalidade e informalidade que todo o trabalho aparenta. É como se o autor dessas narrativas observasse pequenos filmes (ou contos) em cada acontecimento e desdobrasse neles suas impressões da realidade. Suas escolhas entre palavras inteligentes e certa abertura torna até mesmo os assuntos mais “esquisitos” (e há uma porção deles) em um pensamento que aos poucos vai fazendo sentido.

Às vezes, ele é mais direto e critica como nós não conseguimos nos desassociar dos smartphones e viramos reféns disso. Não há grandes proclamações, mas enquanto White cria ritmos que parecem muito com a transitoriedade dos dias (é um disco sobre trânsitos, no final das contas), Eagle versa sobre estar perdido na casa dos outros, sobre precisar de um mapa e um email para saber que horas deve subir ao palco. Há uma demanda entre a dupla de justificar as ideias de cada canção em uma troca em que produtor e versista constroem o mesmo imagético. Até mesmo os versos repetidos são ambientados em um instrumental breve, que vai à determinado ponto e não tem problema de repetir métodos se achar necessário.

Não se pode dizer que White não sabe o que está fazendo; ele vai ao funk dos anos 70 pra capturar o humor que a elaboração lírica de Eagle necessita. É realmente “gentil” a maneira que os instrumentos são tocados e as batidas realizadas. White deixa tudo realmente mais simples e a sensação de intimidade que é criada por seus mecanismos sonoros flui durante todo o disco. Não há como não ser atraído por tal clima e por rimas tão precisas que Eagle aborda assuntos como o racismo e as paranoias sociais.

Faz sentido essa reunião e a dupla mira os mesmos pontos com seus mecanismos diferentes. Mesmo que os caminhos anteriores circulassem por terrenos não tão comuns (em termos estéticos), eles atingiam mais ou menos a mesma audiência. A fricção de “Hella Personal Film Festival” entre tantos temas consegue manter seu curso porque apesar de toda a variação, há certa unidade temática não especificada que mantém tudo reunido. Afinal, as posições de Eagle e White já são estabelecidas e eles só tinham a ganhar com tal colaboração. E é no diálogo entre diferenças e similaridades que eles compuseram um álbum que talvez não atingisse tantos temas (soando tão uniforme) na carreira solo de algum deles.

NOTA; 8,0
Lançamento: 25 de março de 2016
Duração: 45 minutos e 32 segundos
Selo: Mello Music Group
Produção: Paul White

DÄLEK – ASPHALT FOR EDEN
O retorno do Dälek era muito esperado no hip hop independente e sabemos o porquê: poucos projetos atualmente no rap se preocupam em passar uma mensagem realmente subversiva que combata os elementos de opressão estruturados. É claro, desde o “Raising Hell”, do Run-D.M.C. (1986), que a contestação ganhou uma veia firme no hip hop, mas quase sempre com um discurso atrelado às subversões de exterioridades, dos poderes mais claros (polícia, governo, sociedade). Mas parece que desde lá até atos intermediários como o Blackalicious, nenhum grupo conseguiu manejar tanto as raízes do hip hop com discursos verdadeiramente tão insurretos quanto o Dälek.

A extensão dos recursos mais tradicionais em bandas de noise rock em bases que ficam estendidas e prolongadas (é quase um dream pop bem feito, sério) mostra o quão disposto a investir em seus recursos o projeto está. Talvez precisássemos até de uma explicação mais técnica, mas vamos tentar: em seus trabalhos anteriores, havia uma abertura em que os sons da guitarra eram devidamente esticados sendo sobrepostos por ruídos industriais e batidas ligadas ao primeiro movimento do hip hop. Não há dúvidas de que eles extrapolam as barreiras do rap enquanto a agressividade e até as batidas mais tradicionais estão imersos nesse ambiente onírico (dá pra puxar nomes como Tim Hecker ou Boards Of Canada, por exemplo).

O desempenho clássico (a mistura entre hip hop e várias outras influências) é mantido e não é com surpresa nenhuma que testemunhamos outro nascer de um disco que anda por vários terrenos e ainda assim se mantém fiel às raízes não apenas do rap, mas de toda a história do projeto. E puxar toda a história do projeto e ainda assim criar um álbum que não soe datado, nesse caso em específico, é muito difícil. É impressionante como mesmo estando habituado a discografia do Dälek, a imersão em “Asphalt For Eden” não deixa de surpreender com a saturação sonora, a influência do trip hop e os expressivos contornos dos sintetizadores.

Se não há o mesmo dinamismo agressivo dos outros trabalhos, há uma ambientação mais filtrada em que a repetição (tanto de barulhos quanto de batidas) leva a criação de o que muito se parece com uma distopia (é como se o terreno que trafegamos fosse deserto). Também toda coleção de canções aqui optam por uma abordagem minimalista não só dos elementos mais barulhentos como também da música eletrônica. Talvez essa opção por uma estética mais delicada que os outros discos (no entanto o flow do rap continua com aquela urgência e velocidade agressiva de New Jersey) seja o caminho que o projeto quer assumir: os elementos ainda estão combinados, só que há tempo suficiente pra eles se desenvolverem sem soar abrupto ou confuso.

Uma das coisas que mais atraem nesse disco é como o controle da dupla sobre seus artifícios parece ser extremamente polido. Ainda assim, há abertura suficiente pra subjetividade do ouvinte e também o desenvolvimento das sonoridades. Os vocais entram sob uma nuvem sonora (uma combinação detalhada de diversas abordagens eletrônicas) pra não deixar dúvida que a principal fonte de inspiração do projeto vem do hip hop. Mas de uma maneira diferente dos outros álbuns: há uma formulação mais calma ao invés daquelas sequências de golpes que os outros trabalhos incitavam.

O alvo lírico continua sendo todas as estruturas totalitárias do mundo. Enquanto essa veia política permanece forte, as letras são construídas mais findadas no interior de alguém que procura alguma humanidade no sistema vigente. Mas apesar da complexidade e certo desânimo que as pessoas possam ter com esse mundo brutalizado, a áurea dessa vez do Dälek é de alguém que quer um confronto pra uma finalidade mais pacífica, digamos.

É uma esfera mais humana, então, que a volta do Dälek mira. E podemos muito bem entender assim, porque todo o detalhamento sonoro e as rimas em busca de algo além do concreto criam uma condição em que possa haver humanidade. Ainda que esse conceito esteja se perdendo ou sequer existiu.

NOTA; 7,5
Lançamento: 22 de abril de 2016
Duração: 38 minutos e 06 segundos
Selo: Profound Lore Records
Produção: Mike Mare e Will Brooks

ODDISEE – THE ODD TAPE
A interação das batidas sempre foi algo que fascinou Oddisee e apenas quando vê necessidade de colocar letras ele coloca. A verdade é que a maioria das vezes não precisa e seu instrumental se organiza em estruturas que carregam muita coisa. Ele se apoia nos ritmos cativantes da era de ouro do hip hop e busca em influências de jazz e funk direcionamentos que guiem suas batidas. Usando tudo isso, pode-se falar que ele joga com o jogo ganho e é realmente devida à sua apuração de ouvidos que todo o dinamismo de “The Odd Tape” traz ao ouvinte tudo o que Oddisee deseja. A reunião de segmentos no disco mostra a harmonia certa pra cada movimento; os saxofones, o piano e outros instrumentos sempre andam em sintonia com as batidas.

As sessões apresentam raramente uma passagem mal colocada (eu não consegui identificar nenhuma) e é em transições lentas que insinuam um ambiente que “The Odd Tape” se estabelece. Todo o instrumental do álbum soa como alguém em um dia de folga, naqueles dias que tudo está bem e apenas queremos relaxar. Aliás, é um ótimo disco pra isso (não que eu tenha conseguido porque eu fiquei muito fascinado com as transições e alguns solos – o de bateria em “No Sugar No Cream”, por exemplo). Os próprios títulos das canções parecem uma piada com atos estereotipados como “relaxamento”.

Se o álbum segue alguma linha narrativa, é uma história esparsa em que atos não lineares encontram no descanso um ponto em comum – e, consequentemente, sonoridades que remetem a isso. O que se passa pelos nossos ouvidos, então, é um desfile de barulhos realmente apelativos que nos orientam, sempre de uma maneira cativante. Os momentos variam entre uma jam que parece muito estar sendo desenvolvida ao vivo, lentamente; e também entre momentos mais rápidos que insinuam uma profusão de ideias.

As diversidades “temáticas” do disco acontecem e são divididas em dois polos: das faixas que têm um desenvolvimento lento e “preguiçoso” às faixas que beiram com fronteiras de gênero, que são mais ideias colocadas do que um progresso restrito. Talvez a explicação soe um pouco confusa, mas há canções em que o fôlego não reside na ambiência criada, e sim na introdução de novidades em curto espaço de tempo.

No fim, é evidente que o álbum conta com vários recursos pra tentar abordar sensações similares, e é essa vastidão que mais chama a atenção. Uma sensação não precisa das mesmas evocações pra se materializar. Oddisee deixa os momentos mais excitantes em sequência das músicas mais leves, e é entre esses polos que toda “The Odd Tape” tem seus melhores momentos (e é cheio deles). Todas as transições têm o mérito de não soarem forçadas e evidenciam uma habilidade nata do produtor.

Entre peças que se sobrepõe em uma intenção mais lúdica e movimentos lineares e progressivos, Oddisee realiza outro álbum que estabelece um padrão alto de qualidade em sua discografia. Com consequentes mudanças, principalmente no minuto final das canções, “The Odd Tape” é uma marca autoral de quem sabe o que vem fazendo há anos. Ao final do disco, parece que nós conseguimos atravessar essa quase uma hora e saímos com algo vigor restabelecido.

NOTA; 7,0
Lançamento: 13 de maio de 2016
Duração: 55 minutos e 09 segundos
Selo: Mello Music Group
Produção: Oddisee

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