CLOUD NOTHINGS EM NOVA IORQUE E WASHINGTON – COMO FOI

O Cloud Nothings é um dos últimos (únicos) refúgios de energia juvenil que ainda conseguimos enxergar em meio a tanta música asséptica entregue aos jovens. Enquanto a maioria quer mesmo assepsia (e ok quanto isso), alguns poucos ainda esperam suar num show de rock, pulando como doidos, esquecendo os problemas lá fora. O trio estadunidense aqui entrega exatamente essa força.

Quando Amanda Mont’Alvão, companheira cerebral e divertida no podcast O Resto É Ruído, avisou que ia de férias aos Esteites e daria uma meia-trava em dois shows da banda (dias 14 e 16 de abril de 2014), pintou a chance do Floga-se publicar aos seus parcos leitores uma visão do impacto dessa energia toda.

Mas Amanda é Amanda, perspicaz, frutífera na percepção, sacou que melhor do que dizer como foram os shows em si, melhor seria elucidar às paixões por cá os motivos pelos quais uma apresentação do Cloud Nothings em nossas terras seria bom pra banda (e também pra nós, obviamente). Não que isso vá acontecer tão breve, mas aqui estão cinco motivos, baseado nos shows que ela viu nos Esteites, pra gente torcer pra que isso aconteça logo.

CINCO MOTIVOS PRA UMA VINDA DO CLOUD NOTHINGS AO BRASIL
Texto e fotos: Amanda Mont’Alvão

Em abril desse ano, o Cloud Nothings levou a turnê do disco “Here And Nowhere Else”, disco de 2014, pra Nova Iorque e Washington, entre outras cidades norte-americanas, e fui ver os shows do Bowery Ballroom (em Nova Iorque) e do Black Cat (em DC). Das duas apresentações, ficou uma grande certeza: uma passagem pelo Brasil faria um bem danado à banda. Vejamos por quê:

1. Muito barulho por tudo
Uma afirmação sobre fidelidade: o trio de Cleveland reproduz, no palco, a aspereza, a pressa, a ofegação e o sufoco despejados nos dois últimos discos, o já citado “Here And Nowhere Else” (2014), e o antecessor, “Attack On Memory” (2012), considerado um divisor de águas na carreira deles. O setlist de “Here…” é executado na íntegra, com escolhas certeiras do disco anterior, como “Wasted Days”, “Fall In” e “Cut You”. O show de Washington, muito superior em termos de som e estrutura, ainda surpreendeu com a inclusão de “No Future/No Past” que, ao vivo, rasga os vestígios de um Cloud Nothings irrelevante dos primeiros discos e os coloca na feliz condição de músicos que agregam um belo e ruidoso caos melódico na segunda década dos anos 2000. Estamos falando de uma época de urgência, onde os problemas urbanos se avolumam e oprimem humanidades e cidadanias ao redor do globo, e esse tempo presente gritado pelo Cloud Nothings, ali no palco, veste bem a carapuça de trilha sonora do nosso dia a dia.

2. Sai a nostalgia, entra a contemporaneidade
Grant Hart, Bob Mould, Afghan Whigs e Sebadoh são artistas/bandas que vieram recentemente para o Brasil com o arriscado compromisso de pagar uma dívida com o público que já ultrapassava décadas – afinal, o País ficou de fora das turnês nos chamados tempos “áureos” dessas bandas. Os juros vieram na forma de altíssimas expectativas, mas os débitos foram quitados com entusiasmo de todos os envolvidos. Um show de uma banda contemporânea, por outro lado, lida com outros tipos de cobrança. Uma delas é a dúvida: são mesmo tudo isso? Podem me dar, no palco, a experiência que tenho ao ouvir as faixas de estúdio? Vão continuar juntos e estimulados criativamente pelos próximos anos? Vão se mostrar relevantes? Pois bem, os dois shows do Cloud Nothings mostraram que essas perguntas são ainda mais definitivas pra se atestar se uma banda é boa ou não. E o trio de Ohio não se intimidou em responder a todas elas.

3. Público como testemunha
O Cloud Nothings é um trio de pós-adolescentes transitando pra fase adulta, o que é diretamente refletido na transformação da sonoridade. São jovens de 20-e-poucos anos, o que significa que estão amadurecendo aos olhos do público, o que não é novidade na música. A diferença é que, agora, essa mudança de fase na vida tem menos privacidade, já que não faltam canais (e câmeras) pra acompanharmos esses traços pessoais como se fôssemos íntimos. No show, esse amadurecimento do Cloud Nothings solta mais pistas e nos faz presenciar a vulnerabilidade de quem ainda está anotando os acertos, e tentando se livrar dos erros. Praticamente um pacto de confiança com o público.

4. Permanência
Os dois últimos discos do Cloud Nothings conquistaram uma respeitável coleção de boas críticas. O curioso é que o tratamento elogioso quase sempre era dirigido ao álbum, e não a uma música ou outra. Estamos em 2014, e o consumo de mp3, ou seja, de música fragmentada e unitária, é muito superior ao de um disco inteiro. Em um momento de exceção à regra, a banda se singulariza ao se firmar com vários exemplos de qualidade, em vez de apenas um grande hit. Ter essa característica dá ao Cloud Nothings o aval pra fazer um show com um setlist aguardado, os deixa à vontade pra improvisar e os protege de tocar pra uma plateia apática que espera apenas “aquela” música.

5. Eu, vocês, eles
A formação no palco é tão econômica quanto no disco: à esquerda, o baixista TJ Duke se alinha com o frontman Dylan Baldi, que toca guitarra. No fundo, Jason Gerycz desce a mão com vontade na bateria, e é ele quem captura nosso olhar durante o show inteiro. Já no fim da primeira música, Jason está banhado em suor, e é nos improvisos de “Wasted Days” e “Pattern Walks” que ele se revela um monstro incansável. Aliás, uma triangulação interessante se forma em “Pattern Walks”, no qual o baixo de TJ inicia uma linha tão áspera quanto cascalho (sem efeitos no pedal, como ele me explicou mais tarde), e a joga no colo de Jason, que a rebate pra Dylan. É a grande música do disco, e o grande momento do show. Mas, à exceção de Jason, Dylan e TJ parecem tímidos e receosos de beijar o céu e voltar à terra firme. Olho ao redor e os americanos que a tudo assistiam – bastante novos em NY, na faixa dos 25-30 em DC – vibram com a textura barulhenta que brota daquele palco, mas ai se fossem brasileiros… Porque é nesse momento que fica claro o fato de que o público do Brasil sabe bem seu papel de combustível, e um show desses por aqui arrancaria do Cloud Nothings qualquer contenção de energia e a capitalizaria na agressividade e no vigor que aquelas músicas mereciam. E a banda, certamente, teria debaixo de si o entusiasmo necessário para espantar o tédio e se enxergar (e se autorizar) como dona absoluta do palco.

Setlist do Bowery Ballroom (Nova Iorque)
14 de abril de 2014

01. Quieter Today
02. Now Hear In
03. Stay Useless
04. Psychic Trauma
05. Giving Into Seeing
06. Fall In
07. Separation
08. Pattern Walks
09. No Thoughts
10. Cut You
11. Just See Fear
12. I’m Not Part Of Me

BIS
11. Wasted Days

Setlist do Black Cat (Washington)
16 de abril de 2014

01. Quieter Today
02. Now Hear In
03. Stay Useless
04. Psychic Trauma
05. Giving Into Seeing
06. Fall In
07. Separation
08. Pattern Walks
09. No Thoughts
10.Cut You
11. Just See Fear
12. I’m Not Part Of Me

BIS
13. No Future/No Past
14. Wasted Days

Assista a “Wasted Days” (em Nova Iorque):

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