COSMOPOPLITAN #15 – DOT TO DOT BRISTOL

Desde que vim viver em Bristol, há quase quatro meses, aos poucos venho retomando uma vida estável, sabe, coisas como ter um emprego, um endereço fixo, ir a shows.

Achei curioso o Will Robinson ter confirmado presença num evento chamado Dot To Dot, um festival que o caralivro botou como indicação pra mim.

Eu toquei com o Lauro, como Zanin’s Magic Crayon, em eventos organizados por Will na cidade onde ele vive, Nottingham, no Loggerheads em 2009 e de novo em 2010 (dessa vez também com o In Cases, e no Alley Cafe).

Há dez anos Will toca uma produtora faça-você-mesmo com o sugestivo nome I Am Not From London. Eu não conseguia imaginar a ligação dele lá em Nottingham com um festival acontecendo aqui em Bristol.

Depois, vi que o Dot To Dot 2017 aconteceria em Manchester, na sexta-feira, 26 de maio; em Bristol, no dia seguinte; e fechando em Nottingham, no domingo. Comprei o ingresso meio de alegre mesmo; uma venue independente daqui, Stag And Hounds, infelizmente está fechando as portas e um dos últimos eventos era justamente o Dot To Dot (um palco no andar de cima e outro embaixo).

O Dot To Dot teve início em 2005 e tem periodicidade anual, seguindo o formato “microfestival”. O pioneiro nesse formato é o conhecido SXSW, que teve início na década de 1980 em Austin, nos EUA.

Mas apesar de ambos compartilharem o formato microfestival, com shows espalhados em casas de pequeno ou no máximo médio porte (sem telão, banheiro químico e aquelas coisas todas de estádio, de festival de grande porte), o SXSW segue o padrão do ainda mais antigo New Music Seminar de Nova Iorque, com foco no mercado cultural, na indústria do entretenimento (se fosse pra encontrar um herdeiro inglês pro SXSW, esse seria o The Great Escape, de Brighton, que teve início em 2006), enquanto o Dot To Dot segue mais o padrão do festival londrino Camden Crawl, que existiu entre 1995 e 2014, com foco nos shows e inspirado na tradição do pub crawl, isto é, no rolê de bar em bar.

Todos esses festivais impressionam principalmente por duas coisas:
1. Servem de celeiro e vitrine pra bandas, principalmente aquelas iniciantes e/ou pouco conhecidas;
2. Os números envolvidos (tanto pra mais quanto para menos).

Alguns exemplos de artistas que tocaram no Dot To Dot antes de um aumento de reconhecimento (ou durante): Ladytron, Radio 4, The Rakes, British Sea Power, Metronomy, The Horrors, Bloc Party, Glasvegas, Noah And The Whale, Cage The Elephant, Beach House, The Naked And Famous, The Drums, Caribou, Mumford & Sons, Noah & The Whale, The XX, Florence & The Machine, Ed Sheeran, Ellie Goulding, Foals, Friendly Fires, Jake Bugg, Klaxons, The Wytches.

Cada edição do Dot To Dot apresenta shows de mais de cento e cinquenta bandas, com as dezenas de atrações principais tocando nas três cidades, além de dezenas de atrações locais, compondo um dia de festival em cada cidade.

Este ano, em Bristol, foram dezesseis venues (casas com capacidade entre cem e duas mil pessoas), que montaram vinte e um palcos. Cada palco contou com shows de oito bandas em média.

O ingresso custa vinte libras, algo perto de oitenta e cinco reais. Isso: mais de uma centena de shows à disposição pra você escolher, por vinte libras.

Bristol é a décima maior cidade do Reino Unido, um importante centro regional, tem uma população de aproximadamente seiscentas mil pessoas e todo o centro estava movimentado, cheio de gente caminhando para lá e pra cá. Levando em conta que em todas as venues onde eu vi shows havia público de bom pra lotado, chuto que pelo menos três mil pessoas tenham comprado ingresso pro festival aqui em Bristol, mas pode ter sido bem mais…

Pra trocar o ingresso pela pulseira, eu e uma amiga local nos encontramos antes das quatro da tarde na frente do Thekla, um navio cargueiro ancorado no rio Avon, transformado em venue (hospedando eventos desde os anos 1980). E ali mesmo já vimos nosso primeiro show, Vagabon (ouça abaixo o disco de estreia, “Infinite Worlds”, de 2017).

Vagabon é o projeto musical formado em Nova Iorque por Lætitia Tamko, uma menina nascida em Camarões. O disco de estreia, “Infinite Worlds”, foi muito bem recebido pela crítica especializada, mas apesar disso a Vagabon não era uma atração de maior destaque no festival. Foi um dos primeiros shows do dia e mesmo assim estava lotado de gente pra ver. Tamko subiu ao palco sozinha, visivelmente apreensiva, suando, explicando como é difícil sair da sua zona de conforto e se mostrar aos outros (era a primeira vez que tocava na Inglaterra). O show todo foi na base da sua voz forte, cantando de olhos fechados, e de seus dedilhados numa Stratocaster, com bases minimais de um pequeno sampler/sequencer em duas ou três das canções. Ela cativou o público.

O segundo show que vimos foi na SWX, venue com um visual danceteria (Ride tem show marcado para novembro, pena que o ingresso é caro, quase trinta libras, ou cento e vinte e seis reais). O quarteto local Lice ainda não lançou disco, tem a formação típica de vocal, guitarra, baixo e bateria e vem sendo rotulado como art-punk, com claras influências (inclusive auto-atribuídas) de The Fall e Birthday Party, além de uma quedinha por backing-gritos do baixista e passagens beirando o hardcore e o peso a la Touch & Go. O show contou com a participação do cornetista Miguel Couto, aka Harry Furniss, que é bastante atuante em Bristol, tanto como músico quanto produtor.

Então nos separamos e enquanto ela ficou na SWX pra ver Cherry Glazerr eu fui pra O2 Academy ver Honeyblood. O duo de garotas de Glasgow (não sei porque cargas d’água eu achava que fosse da Nova Zelândia!) faz um som que mais parece norte-americano. Uma toca guitarra e canta e a outra toca bateria (pacas) e faz backings, em cima do baixo pré-gravado. Aqui, o disco mais recente, de 2016:

De lá fui pra The Fleece pra ver Neon Waltz, mas cheguei cedo e acabei vendo também um pouco do show da RedFaces, de Sheffield. O sexteto Neon Waltz foi a mais grata surpresa do festival pra mim, puta banda boa. São todos garotos vindos de uma vila no extremo norte da Escócia.

Minha próxima parada foi a Hy Brasil, onde minha amiga estava me esperando e juntos vimos o show do Norueguês Sondre Lerche. Ela que tinha me mostrado o som do Lerche mas não gostou do show, aliás havia uma vibe estranha durante o show, como se parte do público estivesse tirando uma da cara dele, esquisito. A disposição do palco também era esquisita. Mas eu gostei do show, ele e a banda são muito talentosos mesmo e o som dele é um pop que me agrada.

Depois fomos ao Bierkeller ver o show das PINS, de Manchester. O quinteto de garotas fez um show excelente, lindo, com uma pegada art-punk e riot grrrl, dancei muito. Esse show foi outra grata surpresa.

Então voltamos à SWX pra ver The Growlers. O lugar estava lotado, com um público de perfil mainstream meio medonho (pelo menos pra mim), mas a banda exalando aquela baita vibe maconheira boa, haha. Dancei gostoso.

Depois do Growlers meu plano era voltar pra casa, mas ela me convenceu a voltar ao Thekla pra vermos Josefin Ohn + The Liberation, da Suécia. Então terminei o festival no mesmo lugar onde comecei. O show começou com o baixo sumido, mas quando o baixista tirou os pedais plugando direto no ampli, rolou. O som era mântrico, com psicodelia e algo de krautrock.

Saldo final? Impressionante, uma baita experiência pra mim.

Todos os palcos que eu vi contavam com equipamento de primeira qualidade e proporcionaram um som de qualidade entre boa e excelente (me refiro a volume, equalização, acústica), e sim, todos os artistas que eu pude ver demonstraram comprometimento e talento. Todos os shows que eu vi começaram e terminaram no horário previsto.

Quem idealizou e organiza o festival é uma produtora chamada DHP Family, que começou suas atividades há mais de trinta anos como proprietária de um pub em Nottingham e hoje pode ser considerada uma empresa grande, controlando várias venues em Nottingham e outras cidades (inclusive em Londres), além de organizar festivais e tours envolvendo milhares de pessoas.

Menos de uma semana depois do festival, já foi anunciada a venda dos ingressos antecipados para a edição de 2018, sempre no formato microfestival. O site oficial do festival você encontra clicando aqui.

Não sei se o Will foi mesmo ao Dot To Dot em Nottingham, talvez ele tenha sido influenciado pela DHP Family pra começar a produzir, talvez não, mas a vida dos envolvidos no universo musical aqui é marcada pelo comprometimento, seja do produtor, do prestador de serviço e do artista, que juntos aos não-produtores, não-prestadores de serviço e não-artistas, são público, proporcionando uma cena, com problemas como não poderia deixar de ser, mas autossustentável.

Ah, acabei não indo na Stag And Hounds, infelizmente, mas são muitas opções de venues, mesmo. Vi e senti tranquilidade e boas vibrações por onde passei, é lindo ver como um evento assim consegue acontecer numa boa.

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