ENTREVISTA: CUSH – SEM ROSTOS, APENAS A MÚSICA

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“Nosso propósito é que você seja capaz de decidir se gosta ou não da música pela música, e não por quem está envolvido nela”

Não faço a menor ideia de quem disse a frase acima nem quem respondeu a entrevista a seguir. O que sei é que foi algum membro da banda americana CUSH, espécie de supergrupo bissexto formado por gente do independente alternativo cristão, o que quer que isso signifique. E não insisti muito em saber quem era porque seria inútil; a ideia por trás do nome Cush é essa, nada de rosto.

O que sei é que surgiram em 2000 e por ela passou gente como Michael Knott, Eric Campuzano, Andrew Prickett, Wayne Everett e alguns outros de quem, como estes, você provavelmente nunca ouviu falar. Mas acredite, eles e tantos outros formaram um cenário que juntou cristãos, guitarras, espírito adolescente e referências do pós-punk, shoegaze inglês e grungismo na virada dos 80 pros 90 e nos primeiros cinco anos da década retrasada.

“SP3” é o trabalho mais recente do Cush, lançado virtualmente e independente este ano e que fecha (talvez) uma trilogia (se parar neste) de álbuns dedicados à música religiosa de direcionamento cristão evangélico – “SP” vem de “Spirituals”; os EPs anteriores são “SP1” e “SP2” (ambos de 2003). Segundo a banda, a série de EPs conta um pouco da história do que é a música cantada pelos americanos nas igrejas evangélicas desde talvez o início do século 20. Com versões de clássicos do gênero e material próprio inspirado nos cânticos cristãos, o Cush conseguiu, neste último EP, levar as raízes do gospel somadas a Spiritualized, Black Rebel Motorcycle Club e outras contemporaneidades ao púlpito. Ou trazer de dentro das igrejas pra fora coisa que pouca gente imaginaria encontrar em templos evangélicos espalhados pelos EUA.

Antes da triologia, o Cush lançou o primeiro álbum, homônimo, em 2000 pela Northern Records. E além dos EPs “Spirituals”, a banda tem ainda “EP1”, de 2001, e “Live And Rare”, de 2003, também pelo selo. Tudo disponível em streaming no Bandcamp.

Mas eu suspeito que as respostas sejam do baixista Eric Campuzano (ex-Prayer Chain, Lassie Foundation, Starflyer 59 e Charity Empressa).

Floga-se: Por que levaram tanto tempo para gravar e lançar o “SP3”?

Cush: As pessoas envolvidas com o Cush têm estado ocupadas produzindo outras bandas, têm filhos, empregos, tocando em outras bandas e coisas do tipo. Fazer esse álbum levou muito tempo, uma vez que a gente já havia começado (a fazê-lo), porque foi muito difícil escrever as letras, e todos são muito ocupados.

F-se: Quanto tempo vocês levaram escrevendo, gravando e produzindo o EP?

Cush: Esse disco levou quase três anos pra ser feito. Não trabalhamos nele diariamente por esses três anos, e é impossível mensurar exatamente quantas horas ou dias ele nos tomou. Mas uma vez que a gente começou, foram quase três anos.

F-se: O Cush sempre pareceu um trabalho paralelo dos membros da banda, é isso? Fale sobre os projetos em que vocês estiveram envolvidos entre o “SP2” e o “SP3”.

Cush: Todos os que participam do Cush têm outros projetos musicais que são prioridades de cada um. Cush não é a primeira prioridade de ninguém.

F-se: São formações diferentes tocando nos discos “SP1”, “SP2” e “SP3”? Fale um pouco sobre os membros atuais – quem está no disco: São os caras de sempre – Mike Knott, Andy Prickett, Eric Capuzano, Wayne Everett? Quem é a cantora?

Cush: Cada disco do Cush traz gente diferente tocando. Alguns poucos são os mesmos, mas há sempre gente nova também. Não há informações sobre os integrantes da banda no site ou no Bandcamp, apenas uma biografia com uma pequena explicação sobre o conceito do grupo. É intencional, imagino. O Cush é misterioso de propósito. É nosso propósito que você seja capaz de decidir se gosta ou não da música baseado apenas exclusivamente na música e não em quem está envolvido produzindo-a.

F-se: Também não há informações sobre as gravações, sobre quem produziu ou outros dados sobre a banda. É este o conceito do Cush: sem rostos, apenas a música?

Cush: É exatamente isso: sem rostos, apenas a música.

F-se: Você credita o conceito artístico do Cush, ou parte dele, a Mike Knott e as experiências dele como um artista, não apenas como músico mas também como pintor? Ele usou uma máscara durante um dos concertos do Cush em uma edição do festival Cornerstone. Aquilo foi o símbolo da ideia de uma banda sem rosto – o vocalista escondendo seu próprio rosto atrás de uma máscara?

Cush: O show a que você se refere era na verdade da banda do Mike Knott, Lifesavers Underground. Quando o Cush tocou no Cornerstone em 2000 com o Mike Knott no vocal, ele não usou máscara. Knott foi muito importante pro Cush, e nos ajudou a começar forte com ótimas músicas e um excelente som em estúdio. Ele foi muito legal em trabalhar com todo mundo e ser parte do time. Foi divertido tê-lo envolvido (na banda).

F-se: Fale sobre as motivações que levaram aos spirituals: essas gravações são como um retorno aos anos 90, quando havia boas bandas cristãs gravando bons discos?

Cush: “SP3” é a conclusão da série espiritual do Cush. Existem mais discos do Cush sendo trabalhados. Estamos apenas tentando trazer à tona algumas ideias em que estivemos trabalhando por muito tempo.

F-se: E a recepção a “SP3”? Vocês costumam ler as críticas sobre a banda?

Cush: Não lemos críticas. Recebemos alguns e-mails ocasionalmente que nos informam que nossa música está atingindo as pessoas. Adoramos receber esses e-mails.

F-se: Existem referências claras aos anos 90 na música do Cush: a atmosfera, as guitarras, as camadas. Isso está mais óbvio no “SP3”, mas não de um modo antiquado. Alguns aspectos da música me lembram também nomes como Spacemen 3, Spiritualized, algo da fase “Mercury”, do Prayer Chain, ou mesmo de grupos psicodélicos dos anos 60.

Cush: Essas bandas que você citou sempre foram influências no som do Cush.

F-se: “SP3” soa diferente dos EPs anteriores em diversos aspectos. O conceito das músicas com temas extraídos da Bíblia está ali, mas nos EPs anteriores as músicas soam mais limpas, com menos efeitos e climas. Quais ideias separam os álbuns?

Cush: Esse álbum tem uma sonoridade específica propositalmente. “SP1” soa bastante antigo, como o começo do século 20, e “SP2” soa mais como o meio do século 20. “SP3” soa supostamente como o fim do século 20.

Ouça “SP1″na íntegra:

F-se: Você vê “SP3” como um progresso a partir dos EPs anteriores?

Cush: “SP1” e “SP2” são compostos por músicas escritas por outras pessoas. São apenas coleções de spirituals clássicos, antigos. “SP3” foi escrito por nós (exceto uma música). Foi muito difícil tentar escrever novas músicas espirituais e, no fim das contas, ele soa como um disco do Cush, em vez de (soar como) novos spirituals, clássicos. Mas as letras contam histórias específicas, sobre aspectos muito específicos do cristianismo. Então, é definitivamente um progresso pra nós. É improvável que seja um progresso pro gênero da música espiritual. Porém, seria demais se fosse.

F-se: Vocês já estão trabalhando em um disco?

Cush: As músicas pro próximo disco do Cush já foram escolhidas e o trabalho já começou (bem devagar). Tem uma sonoridade diferente em algumas músicas e algo familiar em outras.

F-se: Vocês estiveram envolvidos com música cristã durante os anos 90. Acredito que vieram os dias em que a cena se transformou em uma indústria gigantesca. Talvez os anos 90 possam ser classificados como o principal momento pra bandas cristãs alternativas como o Prayer Chain, The Choir, Starflyer 59, Lassie Foundation e outros semelhantes. Quais as lembranças que você tem daquele período? Acredita que aquela era a geração certa de bandas no tempo certo por ter acontecido junto da explosão do rock alternativo, por estarem todas no mesmo ambiente, recebendo as mesmas informações, assistindo à queda da indústria do disco e dos velhos popstars?

Cush: Alguns de nós que estiveram envolvidos na cena da música cristã alternativa nos anos 90 tiveram sorte de surgirem juntos em um período muito divertido. Todos fizemos um monte de shows juntos, viajamos juntos e trabalhamos nos discos uns dos outros. Agora, olhando pra trás, aquilo foi um tempo especial, completamente único. Impossível de ser sustentado e improvável que aconteça novamente.

Ouça “SP2″na íntegra:

F-se: Qual o impacto da morte de Gene Eugene nessas bandas? Qual a influencia dele, com o Adam Again, Lost Dogs e como produtor? Como ele ajudou a construir conceitos estéticos que deram a essas bandas força suficiente pra desenvolver carreiras sólidas e lançar discos tão bons quanto os lançados à época?

Cush: Gene foi muito importante pra todos nós. Ele compôs música da maior qualidade com a banda dele e nos inspirou a fazer a melhor música que a gente pudesse. Ele foi o principal produtor do primeiro álbum do Cush e morreu enquanto trabalhava no álbum. Foi muito doloroso e ele ainda faz falta hoje. Os discos dele com o Adam Again foram alguns dos melhores daquele período. Ele tinha um estúdio excelente, onde a gente gravou o Cush e muitos outros discos. Ele era um grande cantor, e escreveu letras espetaculares. Tivemos muita sorte de tê-lo por perto e aprender com ele.

F-se: Olhando de longe, é como se durante os 90, bandas e o início dos anos 2000, bandas como vocês, o SF59, Lassie Foundation, Velour 100 e mesmo o Prayer Chain (ou os grupos da Terceira Onda da Música Cristã, citando o autor John T.Thompson, do livro “Raised By Wolves”), poderiam tocar as carreiras tanto na cena cristã quanto na regular se quisessem. Isso continua acontecendo nos EUA hoje? Você viveu isso no passado? Também à distância, é como se temas religiosos e posicionamentos a partir de um ponto de vista religioso são hoje mais controversos do que jamais foram, não apenas nos EUA, mas ao redor do mundo, Brasil incluído. Como essa realidade afeta artistas como o Cush? Você sente um clima diferente depois de lançar um disco de temática cristã como “SP3”? Acha que artistas que assumem sua fé enfrentam mais dificuldades de circular nos dois ambientes hoje do que no passado?

Cush: Voltando no tempo, as bandas (cristãs) estavam tentando se manter artisticamente (em qualidade) com o resto do mundo da música, tentando se encaixar na imensa indústria musical. Algumas das bandas cristãs foram capazes disso, e a maioria não. Hoje, a maior parte da música cristã está bem satisfeita em apenas aparecer pras pessoas que vão às grandes igrejas e (as bandas) têm como objetivo o louvor e a adoração (e o entretenimento), mais do que explorar os limites da arte. Não todas, mas a maioria. A verdade é: o Cush não está muito por dentro do que está acontecendo musicalmente com o mundo da música cristã hoje. Fizemos esse disco independente, e o único objetivo foi apresentar ideias, e trabalhar nas músicas com essas ideias. Temos nossas influências musicais e nenhuma delas são artistas conhecidos como cristãos. A esperança é que esse álbum seja bom o suficiente pra que qualquer um ouça e decida se gosta dele. As letras são escritas de modo que a gente espera que seja interessante pra qualquer pessoa, e ainda mais pras pessoas que se interessam pelas ideias apresentadas por Jesus Cristo, uma vez que as ideias dele são temas das músicas. Os Estados Unidos têm uma sustentação forte pro cenário da música de louvor, adoração e entretenimento, mas não pra bandas que apresentam ideias desafiadoras e música sobre o cristianismo.

F-se: Além do Cush, o que vocês estão fazendo agora na música?

Cush: Se você prestar atenção na Northern Records, vai ver o que a maioria dos membros do Cush estão fazendo musicalmente.

Ouça na íntegra o “SP3”:

1. The Gift Of Hope And Fear
2. Hands Of Fire
3. All My Eyes Knew
4. The Drug That You Can Never Take
5. For The First Time
6. Nothing For You Here
7. Of Ages

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