ENTREVISTA: DORGAS – PAPO DE GENTE GRANDE

Bastou um EP. “Verdeja Music”, com três músicas, saiu em 10 de maio de 2010, e chamou atenção de algumas pessoas-chaves no meio da música independente brasileira. Pronto, o Dorgas tinha colocado o pé dentro da cena.

O problema é que isso nem sempre quer dizer alguma coisa. Às vezes, periga ser apenas mais um entre tantos que tentam a sorte no meio musical alternativo tão devastadoramente cruel como o brasileiro, onde o apadrinhamento vale mais do que o talento.

Mas os cariocas do Dorgas, aparentemente, são safos com relação a isso. A banda não faz planos para um futuro que se conta em anos. Quer o agora, quer a diversão do momento – e, claro, quer fazer música, que afinal de contas é o que importa. Até porque um futuro contado em anos tem um peso grande nas costas de quem apresenta na carteira de identidade datas de nascimento que variam de 1988 a 1992.

Gabriel Guerra (voz, teclado, guitarra, 18 anos), Cassius Augusto (baixo, voz, teclado, 22 anos), Eduardo Verdeja (guitarra, 18 anos) e Lucas Freire (bateria, 21 anos) mostram que esse lance de idade é só um detalhe.

É mesmo, basta ouvir pra não se enganar: a música do Dorgas é papo de gente grande. Ou o que dizer do primor do novo single, lançado este mês, “Loxhanxha”? Há quem passe a vida sem ter coragem (ou ousadia) de criar uma música dessas, anti-comercial, anti-hit, anti-compreensão.

Quando o pessoal do Inverness me convidou para ver o show conjunto deles com o Dorgas, no Espaço Zé Presidente, na Vila Madalena, em São Paulo, no dia 17 de fevereiro último, vi a oportunidade de conhecer esse quarteto de perto – que por sinal foi muito mais bem recomendado pelo Inverness do que por todos os termos elogiosos sobre a banda espalhados pela Internet.

Ao vivo, eles conseguiriam reproduzir a profundidade estranho-jazzística que exala do disco? Ou, por outra, como alguém pode criar uma música dessas no Brasil, convivendo com influências natas tão distintas? Ou ainda, é possível compreendê-los?

As respostas estão nessa entrevistona (um bate-papo, é verdade) feita pouco antes deles subirem ao palco.

Floga-se: Quantas vezes vocês já tocaram em São Paulo?

Gabriel Guerra: Zero. É a primeira vez.

Lucas Freire: A banda tem muito pouco tempo, cara. A gente é de final de 2009. Mas começou a rolar mesmo em abril de 2010, quando a gente lançou o “Verejas Music”. Nosso primeiro show foi no final de 2010.

F-se: Por que começar uma banda?

LF: Acho que a pergunta é: “por que fazer música?”.

F-se: É diferente. Fazer música você pode fazer em casa. Quem quer ter uma banda e fazer shows quer mostrar algo.

GG: É que a gente não é uma banda que se posiciona como qualquer banda, de quatro garotos, onde dois tocam guitarra, bateria e baixo…

Cassius Augusto: Nós somos quatro garotos e nós quatro gostamos de música e a gente quer tocar uma coisa que a gente gosta. A gente não tem interesse tão em comum, mas o que a gente toca é interesse de todos.

F-se: E o que é esse interesse? O que a banda de vocês parece? Há uma forte dose de jazz, certo?

GG: Acho que não dá pra confiar muito numa banda que acha que realmente sabe o que tá fazendo. É tudo… Uma pequena mágica.

CA: A falta de um interesse comum é essencial. Não dá pra perguntar um pro outro qual sua banda preferida e achar que o som vai ficar como essa banda preferida. A gente escuta coisas em comum, mas as preferidas são bem diferentes. Isso ajuda, porque quando a gente tá tocando, cada um junta suas influências e vira uma coisa nova.

GG: O grande caminho é o estudo. Você não sabe como vai acabar, isso é a melhor parte de fazer uma canção. Quando a gente começa uma música ela acaba se tornando uma coisa totalmente diferente do que a gente esperava.

LF: A gente nunca sentou e falou “vamos fazer ‘isso'”. É chegar no ensaio e perguntar “o que você tá achando da vida com essa guitarra aí? O que passa pela sua cabeça?”.

F-se: Então, é basicamente inspiração?

EV: É. Tentativa e erro.

GG: Você não precisa trabalhar o lado consciente da parada. Se eu estiver triste, não preciso sentar e escrever uma frase triste. Automaticamente vai sair assim. É trabalhar mais com os colhões do que com a cabeça.

F-se: E as músicas falam exatamente do quê? Há uma temática recorrente?

GG: A temática é a mesma de qualquer banda de garotos, de adolescentes.

LF: É tipo Restart (risos).

CA: É tipo Restart, só que a gente não tem os cabelos. Nem somos coloridos.

EV: A gente é mais pobre também.

CA: Mas… Sério, são experiências pessoais. A banda fala de experiências pessoais.

LF: As letras do Guerra falam sobre isso. Várias falam sobre a mesma coisa: sexo.

EV: Você sabe sobre o que “Salisme” fala? Pô, a casa vazia, mamãe e papai indo embora…

LF: …É hora de erguer um monumento à… É masturbação, cara!

GG: O mais importante não é sobre o que você escreve, mas como você escreve.

Ouça “Salisme”:

F-se: É sobre o sexo, a falta de sexo ou sobre a frustração do sexo?

GG: É sobre o desejo de sexo. O desejo carnal.

CA: Não sei se eu vou concordar muito com isso (Lucas faz côro). A letra é uma experiência pessoal, é o que passa na cabeça na hora, e se eu escrever sobre masturbação é porque eu pensava na história de um menino solitário… Porque “Salisme” tinha uma letra antes, tinha um vocal que virou flauta, e essa letra é sobre esse menino solitário, apaixonado por uma garota, que foi recusado e ele ficava em casa… trabalhando com ele mesmo…

LF: Como sexo é relacionamento, é muito mais sobre relacionamento do que sobre sexo.

GG: É só romantizar as coisas.

F-se: Afinal de contas, como o Dorgas poderia ser rotulado?

GG: As pessoas acham que a gente é estranho, mas a gente é pop.

EV: Em “Dito Antes” estrutura mais pop não há: é intro, verso, refrão, verso, refrão… Quer mais pop que isso? Essas coisas me irritam um pouco. Pô, são duas guitarras e só porque a gente coloca um delay, um reverb, faz uma música um pouco mais estranha, virou “post-rock“? (fazendo pose, proposital) Tão estranho, tão “outside”… Ah, para com isso!

F-se: Vocês preferem ser chamados de “pop”?

EV: Quase-pop. É isso.

GG: É, a gente não tá tocando da forma mais certinha, então, acabam criando essa ideia de outsider. Mas não é deliberado. A gente é como qualquer banda, só que o resultado é um tanto diferente.

CA: Qualquer banda, em pleno 2011, com pessoas da nossa idade, que ouviram o que a gente escutou, tem a obrigação de fazer uma coisa que não seja extremamente básica, padrão, seguindo um molde. A banda tem uma bagagem que os caras dos anos 80, do vinil, não tinham. Naquela época, era difícil ter acesso a mais coisas. O cara comprava um disco do Jesus & Mary Chain e do The Cure e acabava mesmo fazendo uma coisa gótica.

EV: Conheço uma porrada de pessoas que dizem que gostam de tudo, de rap, rock, de funk, de blues, jazz, aí você vai ouvir o som dessas pessoas, é um rock padrão, quatro por quatro.

LF: Acho que as perguntas que você tá fazendo se resumem a isso: bom, a gente se vê como um bando de moleques que vai fazer um negócio legal, que não tá tocando de sacanagem, mas que não fala “bora fazer uma música assim, com um estilo assim”.

GG: A gente toca pra gente mesmo, na verdade. Assim, abrem-se alas pra fazer o que você quiser.

F-se: O que vocês estão planejando agora?

GG: Vamos ver se gravamos mais dois singles ou um EP inteiro.

EV: Em março, não fazemos shows. Estamos preparando duas músicas novas, trabalhando em estúdio.

F-se: A ideia é lançar um disco inteiro?

GG: Por enquanto, não. A gente quer, mas é algo que precisamos sentar e começar do zero.

EV: O disco não vai ter nenhuma das músicas que a gente tá tocando agora, nem essas duas que tão no “forninho”.

F-se: Vocês consideram o processo de gravação de vocês ágil?

EV: Depende. A gente entrou pra gravar o single e ia ser só “Loxhanxha”. Demorou pra caralho, várias faixas, uma parada totalmente detalhada, aí o Pedrinho (Garcia, que gravou e mixou o single) voltou do banheiro e viu eu e o Guerra tocando “Dito Antes”, meio de bobeira… Ele chegou, olhou, ouviu e falou: “vamos gravar”. Ele colocou o teclado em cima, a voz em cima e a gente… Chorou (abre um sorriso). É assim, tem os dois lados.

Ouça “Dito Antes”:

F-se: Vocês conseguem enxergar o Dorgas daqui a trinta anos?

EV: Acho que sim.

LF: Não veja porque não.

CA: Não vejo porque não, mas acho isso uma besteira pra uma banda que nunca teve essa espécie de planejamento desde o início.

EV: Sou meio contra ficar pensando nessas coisas. Pô tenho dezoito anos. Não sei se vou ser músico ou vou fazer faculdade. Não vou pensar nisso agora. É uma discussão inútil.

LF: É muito de disposição e oportunidades.

GG: A gente vai levando até quando achar que a banda é relevante pra gente.

CA: Quando a gente não gostar mais do que tá fazendo, quando não achar que a banda é mais relevante pra gente, ela acaba. Pô, bota isso num tempo menor, sabe? Como eu posso ver o Dorgas daqui a… dois anos? Cara, a gente tem um ano de banda, as coisas não estão sedimentadas ainda! Não faço a menor ideia! Provavelmente… Não sei!

LF: Existir vai. Mas como… Não faço a menor ideia.

F-se: Como o Dorgas está no mercado de “música alternativa”?

(silêncio de alguns segundos: todos pensam…)

LF:  O que é legal é que tá tudo muito mais global, né? Qualquer pessoa pode ouvir a nossa música em qualquer lugar.

CA: No Rio é meio fraco, rola uma espécie de competição…

LF: … Fazem um festival, que cria uma animosidade entre as bandas e mais do que isso, entre os fãs das bandas. É uma cena totalmente morta.

F-se: Em São Paulo é melhor?

GG: Melhor, sim…

LF: Lá no Rio não existe isso aqui (um lugar como o Espaço Zé Presidente e outros): “ei, vocês são uma banda do Rio de Janeiro… vem tocar aqui”. Não existe. Lá (no RJ), os caras pensam no prejuízo que vão tomar. Além do mais, o espaço pra alternativo no Rio é mínimo.

GG: Pra gente fazer nossos shows, tem que fazer um esforço do caralho pra tocar.

F-se: As bandas se ajudam?

LF: Pouco.

EV: Muito pouco. Jamais como o Inverness ajudou e ajuda a gente. O Inverness é foda (repete duas vezes, ressaltando).

GG: Tem uma panelinha ainda. A gente sabe qual é, não é mistério pra ninguém. Aí, tem que entrar na panelinha… Não dá.

F-se: Como vocês se promovem?

LF: Começamos agora. É um lance que tem que levantar a bunda da cadeira e correr atrás: mídias sociais, blogues… Com o primeiro EP, fizemos uma resenha meia-boca lá, mandamos pra um amigo, que mandou pro outro até que caiu na Trama Virtual e pronto… O Twitter é uma ferramenta do caralho, mas a gente usa pouco.

GG: A gente não conhecia ninguém. Hoje conhecemos muito mais gente, fica melhor. Mas, na boa, esse lance da Trama deve ter sido por causa do nome da banda (risos).

EV: Tem o Facebook. A gente publica as coisas lá, porque se você não interage, as pessoas não vêem o que você faz, ninguém vai atrás. A banda tem que publicar.

LF: Tem o Melody Box, uma rede social voltada pra música. É um MySpace mais interativo, pra bandas, fãs e profissionais. Tá na fase beta. Tem um lance de pontuação, que vai promovendo as bandas. A galera é bem atenciosa. Tem um potencial bom.

GG: É um negócio que ajuda a unir quem faz música, sabe?

F-se: Gostariam de dizer mais alguma coisa?

EV: Estamos muito felizes de tocar aqui em São Paulo.

LF: Estamos muito felizes de tocar!

O Floga-se fez um vídeo do Dorgas tocando “Salisme” (ou quase toda ela…):

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