ENTREVISTA: LOOKING FOR JENNY – CAMINHO ALEATÓRIO

Como não gostar de uma banda que admite estar aprendendo, que não possui técnica nenhuma e que faz música por gostar mesmo? Você pode ter pensado em um bocado de artistas que dizem isso. Mas, veja, com o Looking For Jenny não é só da boca pra fora: faz música por hobby, está naquele limiar entre levar o negócio “mais a sério” ou ficar só na diversão, sabendo que a possibilidade de jamais ganhar dinheiro com isso é bastante provável.

E falar de probabilidade com que quem entende tudo de processos aleatórios, é ensinar o pai-nosso ao vigário. Thiago Werlang (vocal e guitarra) e Otávio (guitarra) estudam Física em São Carlos, interior paulista. Sim, Física. E fazem doutorado. Sim, serão de fato “doutores” em Física. Bruno (baixo) e Benette (bateria) completam a banda e têm profissões sólidas (óbvio, “sólidas” ficou por minha conta).

O Looking For Jenny é isso: um backgound insólito, ao mesmo tempo em que entregam uma música crua, lo-fi literalmente (gravada em equipamentos de baixa fidelidade) e com criatividade acima da média, sempre num processo de criação que beira o aleatório: o que acontecer, aconteceu; a ideia que vier, de onde vier, se aproveita. Se você ainda não ouviu o disco, o Floga-se falou de “Random Walk” aqui. Leia. E baixe.

Dinosaur Jr., Pavement, Sonic Youth… O Looking For Jenny é uma legítima guitar band brasileira. Sabendo tocar ou não, sabendo cantar ou não, querendo levar a sério ou não. Não adianta procurar razões pra gostar. Basta ouvir.

O Looking For Jenny talvez só tenha nascido no país errado pro tipo de música que gosta de fazer. Nos Esteites provavelmente pudesse se dar melhor e até ganhar um troco com suas criações. Então, o caminho da banda está traçado, mas não se sabe onde vai dar. Da mesma forma que não se sabia como chegar até aqui. São mesmos caminhos aleatórios. Num Brasil do apadrinhamento, da música pop de qualidade criativa sofrível, de regionalismos baratos, não há tanto lugar pro Looking For Jenny. Infelizmente.

Aqui no Floga-se, há. Aproveite e divirta-se com essa entrevista feita com o boa-praça Thiago Werlang na mesma sexta-feira em que o Radiohead liberou seu recente “The King Of Limbs”, o que é irônico. Thiago fala sobre o processo divertido e desencanado de criar as músicas, das suas limitações e dificuldades como compositor, de como a Física influencia e muito mais. Tudo na maior tranquilidade. Um papo muito bom.

Só não diz quem diabos é Jenny.

Mas quem se importa com isso? Eu me importo é com a música.

Floga-se: Apresente a banda: quem é quem, o que cada um toca…

Thiago Werlang: Bom, posso começar com uma história curiosa. Originalmente, todos os membros da banda são baixistas. Eu sempre toquei contrabaixo e a primeira guitarra que eu comprei foi ano passado. Os outros membros da banda também. O Otávio, o outro guitarrista, também comprou a primeira guitarra dele ano passado e sempre tocou baixo. O Benette, que é baterista, também comprou a primeira bateria dele ano passado. E o Bruno, que é o baixista, esse continuou no baixo.

F-se: Bom, o Bruno é o que “se deu bem”, né?

Thiago: É, ele continuou na praia dele.

F-se: Todos serem baixistas faz diferença na hora de compor?

Thiago: Ah, faz sim (ri). Quando eu fiz graduação aqui em São Carlos, em 2004, 2005, tinha uma outra banda, chamada Lesbian Boys; e nessa banda não tinha baixo. Um amigo meu, o Moazrt, que fez uma viola caipira elétrica, os captadores, tudo, e ele tinha uma outra guitarra, que também quase foi feita toda por ele. E eu comecei a tocar nessa guitarra emprestada dele. Foi aí que eu comecei de fato a tocar guitarra. Então, eu nunca me dediquei mesmo a tocar guitarra, a aprender, e tenho várias limitações técnicas. Isso, de certa forma, acaba limitando um pouco as composições. Mas (na Looking For Jenny), eu faço tudo. Pelo menos, nessas músicas do EP, eu compus todas elas sozinho. Basicamente, eu faço o seguinte: em geral, tenho alguma ideia de melodia, de voz, e a partir daí eu tento achar alguns acordes pra começar a estruturar a música. Depois que eu faço uma base bem simples, pra dar suporte à melodia, eu gravo isso, e só então eu começo a pensar numa segunda guitarra. Depois, penso em linha de baixo e tudo o mais. Eu edito a bateria via midi e uso um plugin lá pra ficar perto do real. Assim, quando mostro uma música pra banda, ela já vem com tudo, com voz, duas guitarras, com baixo e bateria. Acho que é assim porque foi a forma que as coisas aconteceram na banda, e eu tenho dificuldade de desenvolver uma música inteira com a banda.

F-se: E a banda encara isso numa boa?

Thiago: Até o momento, sim, né? (ri, sem jeito)

F-se: Não há influência da banda no produto final?

Thiago: Nesse primeiro CD, depois que eu cheguei com o disco pronto, que eu gravei praticamente sozinho, eu mostrei pra todos e o Bruno, por exemplo, mexeu em algumas linhas de baixo, mudou completamente e acabou compondo em cima. O Otávio também. A “Hapinness” tem várias linhas de guitarra que ele fez. É uma alteração considerável.

F-se: A comparação do som de vocês com o Dinosaur Jr. é óbvia. Você se incomoda com a comparação que se tornou até insistente?

Thiago: De forma alguma! (enfático) Eu não encano com nada que falem da gente. A banda surgiu meio na cagada. Foi no ano passado, comprei a guitarra, e a gente tava tirando uns coveres pra tocar em shows, só que eu nunca gostei muito nem tive paciência pra tirar cover. Então, tô aprendendo a tocar guitarra e assim que saquei três acordes, passei a tentar fazer alguma coisa com eles. Eu nem tinha pretensão de lançar algo, de ter banda, até porque tô no doutorado, com falta de tempo. Era mais uma coisa mais caseira.

F-se: Qual foi o estopim pra tudo começar? Quando vocês deixaram de ter uma banda só por hobby e quiseram compor? Vocês fazem essa diferenciação?

Thiago: É mais ou menos. Acho que toco mais por hobby. Eu gosto de escrever, de tocar, de compor. Por exemplo, se fosse um esquema de só ficar compondo, escrevendo material, só lançando, sem precisar fazer show, pra mim tava legal também.

F-se: E as aspirações da banda, todos vocês estão nessa mesma linha de raciocínio, ou eles pretendem fazer shows, ganhar dinheiro…?

Thiago: Dinheiro eu não sei. A gente não tem essa pretensão. Acho que nenhum tem. Fazer shows, sim.

F-se: Todos têm uma profissão?

Thiago: Sim. Quer dizer, outras pretensões. Eu faço doutorado em Física, aqui em São Carlos. O Otávio também. O Bruno é fiscal da Receita Federal. E o Benette é engenheiro da Petrobrás. Tá todo mundo formado, encaminhado na vida. Fazemos música porque gostamos.

F-se: Vocês são uma college band, então? No sentido literal, se conheceram na faculdade e tals…

Thiago: (ri) Não. É estranho (fazer música na faculdade), porque se você for pegar o pessoal de Física, são pessoas que gostam muito de música, mas é metal ou música clássica. Dificilmente alguém aqui gosta desse tipo de som, principalmente essas guitar bands, Pavement, Dinosaur Jr….

F-se: Essa formação acadêmica de vocês influencia no trabalho musical?

Thiago: Acho que sim. Sempre trabalhei, desde a adolescência, escrevi em fanzines, sempre tive acesso às coisas, às novidades. Dinheiro contava nessas horas. Aí, tem a Internet hoje em dia. Mas não sei até que ponto influencia.

F-se: Vocês quatro gostam das mesmas músicas?

Thiago: Olha, é estranho isso. Acho que não. Quem gosta do som que o Looking For Jenny acaba fazendo, da fonte onde vem a inspiração, acho que só eu. O Otávio gosta muito de Ramones, punk, hardcore, muito Beatles também… Ele gosta de Pavement também, mas não tem na veia, por assim dizer. O Benette gosta mais de um esquema sossegado – e de Beatles. É estranho, porque… A coisa foi assim: eu tenho essas músicas, e o pessoal disse “vamos tocar?”, vamos e não teve um planejamento de composição… Tem umas bandas que eu escuto que acho que eles nem conhecem. Mas não é isso que influencia. Agora que a gente tá tirando umas coveres é que essas diferenças de gosto começam a aparecer mais.

F-se: Você já disse que gosta de Yuck, Las Robertas etc., que são bandas bastante novas. Onde você procura informação para conhecer essas novidades?

Thiago: Ah, acho que como todo mundo: blogues, sites, por aí na Internet.

F-se: Você concorda que a música, hoje, depende muito menos de grandes veículos? E como o Looking For Jenny se promove, se é que vocês fazem isso?

Thiago: Concordo. Mas a gente não faz muito isso de se promover. Quando eu lancei a primeira versão do disco, sem a Transfusão, o EP tinha só seis músicas e a gravação era bem mais precária. Mandei pra alguns blogues que costumava ler. E um deles foi pro Lê (Almeida, da Transfusão Noise Records), que gostou bastante e falou que queria lançar. Aí, gravei mais duas músicas e refiz o resto com um microfone um pouco melhor, porque tava bem precário mesmo, eles masterizaram e saiu o disco. Então, a divulgação básica foi isso: mandei e-mails.

F-se: E as mídias sociais?

Thiago: Pra você ver o relaxo total… A única coisa que eu uso é o Facebook. Eu não tenho Twitter. Da banda, quem cuida do Twitter é o Bruno. É, pensando bem, a parte de divulgação da banda é um relaxo (risos)! Sem dúvida, seria mais inteligente da nossa parte usar essas mídias. Com certeza daria resultado.

F-se: Então, repetindo, vocês ainda encaram mesmo tudo como um hobby?

Thiago: É, acho que sim. Ou é um hobby ou é um trabalho muito desleixado (risadas). Sério, é que querendo ou não a Física é a minha carreira, a minha profissão, a minha prioridade. Por outro lado, eu gosto de compor. Bastante. Mas não tenho a preocupação de consolidar carreira, nem de ser sustentado por isso. As pretensões da banda também são lo-fi (risos).

F-se: E esse nome da banda, como surgiu?

Thiago: Foi o Otávio que sugeriu. Não sei de onde ele tirou isso. Ele disse certa vez que seria legal o nome ser uma expressão, uma frase, algo do tipo. E ele falou essa, todo mundo gostou e dissemos: “vamos assumir”. O nome do EP (“Random Walk”) tem mais explicação do que o nome da banda e o nome da banda acaba se justificando pelo nome do EP. As temáticas da músicas foram coisas assim… Surgiram despretensiosamente. A “Clowns In Flames” surgiu do nada. Eu e o Otávio estávamos no restaurante da universidade e ele falou que não gostava de palhaços. Aí, eu disse: vamos fazer uma música disso. E pronto. Lógico que com esse mote de fundo, as letras acabam surgindo com metáforas de outras coisas. Mas o pontapé inicial é assim. Do nada. “Squeezed Light”, que quer dizer “luz comprimida”, é um tema que eu estudei no meu mestrado. Aí, eu tava em casa escutando Built To Spill e tem uma música deles chamada “Bad Light” (do disco “Keep It Like A Secret”, de 1999). Pô, o cara faz uma música sobre bad light, vou fazer então sobre squeezed light (risos). “Do You Need More Fuzz” veio assim: eu tenho tanto pedal de fuzz, eu só comprava pedal de fuzz, umas coisas podres, feitas em lata de sardinha, bem 100% lo-fi mesmo. E minha namorada começou a se indignar: “pô, você quer comprar mais um pedal, você já não tem um monte?”. Aí, fiz uma música sobre isso. E essas coisas inspiraram o nome do álbum: é muita coisa aleatória. São coisas que vão surgindo. O nome da banda foi assim também. Tem uma música nova que eu tô fazendo, que se chama “Car Crash”, que veio de uma notícia que eu tava lendo sobre uma mulher que sofria de ansiedade, teve um acidente de carro por isso, e ficou paraplégica por isso. O fato acabou dando motivação para ela superar a ansiedade e querer continuar vivendo. Então, surgem temas de qualquer lugar.

Ouça “Do You Need More Fuzz”:
Looking for Jenny – Do you need more Fuzz by transfusaonoiserecords

F-se: Compor em inglês. Como foi essa escolha? No disco tem algumas coisas em português que destoam…

Thiago: Meu inglês não é fluente. É que eu tenho dificuldade em compor uma melodia e ajustar um vocal com letra em português. Eu tenho umas cinco músicas gravadas com vocal em português que eu não consigo escutar mais. As músicas que entraram no EP, “Ballad For Ed” e “Por Enquanto”, são as duas únicas que eu gravei e que ainda consigo escutar.

F-se: Não causa estranheza, por exemplo, na “Ballad For Ed”, a letra vir em inglês e de repente aparecer um português lá no meio? Dá um choque? O que as pessoas falam disso?

Thiago: A maioria das pessoas prefere as músicas em inglês. É quase um consenso. Algumas poucas elogiaram em português. No caso da “Ballad For Ed”, ela iria entrar em português de qualquer jeito! Porque a história dela é boa demais! O processo de composição dela foi diferente de todas as outras. Eu escrevi a letra sem ter melodia, sem ter nada na cabeça. Eu tava em Cuiabá, sem guitarra, não tinha nada. Peguei uma letra do Ed Motta na Internet e comecei a escrever em cima. Quando eu cheguei em casa, pus na cabeça que eu ia encaixar uma música na letra de qualquer maneira, sem mudar nada: “vou dar um jeito”. Fui testando, num improviso, com meu computador, e saiu. Virou a balada pro Ed Motta.

F-se: Os títulos das letras refletem uma certa melancolia. Procede?

Thiago: Ah, sim… Sempre fui muito ansioso. Ansiedade é um tema em tudo pra mim. Sempre escrevo sobre. É um negócio que atrapalha demais a minha vida, que tenho dificuldade em lidar, então acaba sendo um tema recorrente. “Everyday Is The Same” acaba sendo sobre isso. “Hapinness”, de certa forma, também. É um assunto que gosto.

F-se: Mas você se enxerga como um “depressivo”?

Thiago: Não! (risos) Longe disso! Aí é que tá. É muito estranho, porque não sou de levar muito a sério as coisas, mesmo quando acabo abordando temas mais pessoais ou introspectivos. Sempre tento colocar um tanto de senso de humor nas músicas.

F-se: Você ouve alguma banda nacional?

Thiago: Sim. Uma banda que gosto bastante é o Superguidis, principalmente o primeiro disco dos caras. É uma das poucas que consegue fazer um rock em português e manter um caráter não tão regional. Gosto muito do Lê Almeida também, que constrói boas melodias, bem interessantes, em português. Não há nenhuma pretensão de incorporar influências de música nacional na minha criação.

F-se: O que a banda anda fazendo no momento?

Thiago: Agora a banda anda ensaiando com frequência. Vamos tentar fazer uns shows. A gente tá procurando fazer algo local. O Bruno, que conhece mais gente, tá procurando. Vamos tentar o Grito do Rock, com a Transfusão…

F-se: Vídeoclipe?

Thiago: Estamos com ideias, mas nada ainda…

F-se: Trabalhos futuros? Disco novo?

Thiago: Tem um EP novo pra sair até o meio do ano. Eu vou fazendo músicas… Tenho cinco praticamente prontas. Mas foi muito espontânea a criação, foi muito rápido como as músicas saíram, então preciso ouvir de novo, vou mexer nelas mais um pouco. Quero pegar umas seis, sete músicas no máximo, trabalhá-las bem, e lançar um EP em 2011, no segundo semestre.

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