ENTREVISTA: SINGLE PARENTS – BALACLAVA, SEBADOH E ALTERNATIVAS

O mundo não está fácil pros preguiçosos. Mas também não está amigável pros que não conseguem enxergar as mudanças de direção e ainda pensam como se pensava décadas atrás. É cruel a velocidade com que se perde espaço. Isso vale aí pra sua profissão, isso vale pras artes, pra música, que é o que nos importa.

Já falamos aqui sobre os nanomercados, ou como um artista pode fazer pra ganhar um dinheiro sem o apoio do que resta das grandes estruturas de gravadoras, mídia e afins. É difícil, não há regra definida ou um caminho pré-estabelecido. Cada artista tem que fazer o seu, imaginar o seu. Eis um cenário realmente cruel pra quem não tem grana, criatividade, visão ou paciência pra fazer sua criação ganhar o mundo.

O Single Parents, no núcleo criador de Fernando Dotta (guitarrista e vocalista) e Rafael Farah (baterista), tem quase todos os requisitos pra fazer sua arte chegar a mais pessoas, sem depender só do que a maioria hoje acha que basta: a Internet. Não, eles fazem mais. Fizeram a banda – isso qualquer um faz. Não era suficiente. Fizeram o selo Balaclava pra lançar sua própria obra e de bandas “parceiras” – isso é possível a qualquer um com bons contatos ou mesmo só com uma conexão à Internet. Fizeram a produtora Balaclava, pra movimentar as bandas do selo em festas, shows, eventos – e isso não é algo que qualquer um possa fazer, obviamente, é preciso estrutura financeira, ter bons contatos e tino pra negócios, mas é uma boa saída.

Foi a dupla, através da pequena estrutura montada na produtora, a responsável por shows do Mac Demarco e do Sebadoh no Brasil em 2014. Com esses shows, conseguiu que as bandas do cast do selo e a própria Single Parents, abrindo os eventos, tivessem uma promoção destacada em mídias onde nem sempre aportariam só com sua arte ou a boa vontade das editorias responsáveis (na grande maioria, passivas, à espera do que as grandes gravadoras e distribuidoras mandam como “novidade”).

Não discuto qualidade artística. Você aí, leitor, pode achar a banda ruim, é seu direito, claro, e argumentar que fosse ela boa ganharia destaque naturalmente. Ora, santa ingenuidade. Não é bem assim, por certo. Há tanta coisa boa trafegando pelo subterrâneo brasileiro e que (infelizmente e por certo) ficará por lá… Vale discutir é como os cruéis tempos atuais funcionam. E uma das demandas desses tempos atuais é: mexa-se, dê um jeito de fazer sua obra aparecer. Como? Não sei, a regra é individual, a saída é pessoal. Se vira.

Sei que é difícil ler que não há fórmula mágica e mais difícil ainda é saber que tem artista que não tem a menor capacidade de buscar sua própria solução (seja por não querer, seja por não saber, seja por não ter saco pra isso, seja por achar que não é a dele, que ele é artista e artistas não têm tempo pra correr atrás dessas coisas – não importa, sempre há um motivo).

O Single Parents, nessa (longa) entrevista exclusiva, diz que essas atividades extras à sua arte “não atrapalham, apenas atrasam” o processo de criação. Mas isso também é uma escolha. Há perdas e ganhos. A questão é escolher uma forma que dê mais ganhos do que perdas. E mais prazer. Ao tocar com o Sebadoh, banda do coração deles, numa jam inédita e inesquecível na Casa do Mancha, em São Paulo (que o Floga-se filmou na íntegra, amadoristicamente, e cujo vídeo está no meio da entrevista), eles colocaram a “commodity” “prazer” no topo da escala e isso não tem preço pra esses dois. Como se monetiza esse prazer? Como transformar em números o fato dos ídolos deles, o Sebadoh, tocarem as músicas do Single Parents?

Não há medida financeira pra felicidade, pra satisfação de um trabalho bem feito, pra algo que vai ficar na sua própria história. Unir paixão e razão é o que faz a conta fechar, na maioria das vezes. Não põe comida na mesa, mas pode vir a colocar, por que não?

Nesta entrevista, tratamos da criação da Balaclava como selo e produtora e como isso impacta na vida e promoção do Single Parents. E tratamos também do dia a dia do Sebadoh no Brasil: curiosidades da turnê e bastidores.

É um exemplo do que pode ser feito e de como uma banda foi lá e resolveu fazer, sem medo do fracasso, sem medo do sucesso. Uma alternativa que conhecemos melhor agora.

Floga-se: A Balaclava era pra ser só um selo e virou produtora depois ou estava programado?

Rafael Farah: Sim, no começo era só selo mesmo. Mas já tinha um quê de produtora, porque quando a gente começou, era pras bandas lançarem, a gente distribuir, mas a gente tinha umas bandas amigas, com potencial, e surgiu o gerenciamento de carreira, que a gente achou que poderia ajudar. E gerenciamento de carreira entra isso de agenciamento de show, produção e tudo o mais. Já tinha algo enraizado ali.

F-se: A Balaclava é exatamente de quando?

Fernando Dotta: Do disco do Single Parents, o “Unrest” (2012, clique aqui pra conhecer). A gente tinha que lançar por alguém. Até rolou o álbum virtual da Trama (da finada Trama Virtual), Popfuzz (de Maceió), mas a gente achou que precisava fazer o nosso.

F-se: Qual seria a diferença?

FD: A gente via muito selo legal, que tem um casting legal, mas que não movimenta as bandas, na parte do booking, de produção musical. São selos que a gente admira, como a Midsummer. A gente até pensou em lançar pelo (Rodrigo) Lariú (criador do selo Midsummer Madness), ele movimenta a cena, só que a gente tinha o tesão de trabalhar com administração, marketing e acabou levando pra esse lado business de agora.

RF: Na banda, a gente tinha esse lado de tratar de negócios, por mais que houvesse alguém produzindo, com assessor de imprensa, a gente queria fazer junto, participar, a gente tem essa formação.

F-se: Tem muita banda que diz que o negócio delas é “fazer música”. Mas hoje em dia não é só “fazer música”, tem que pensar o negócio, tem que se mexer, porque ninguém mais vai se mexer por você, ainda mais no subterrâneo e no Brasil. Os selos hoje em dia, na maioria dos casos, só lançam o trabalho do artista e “que se dane”, é isso?

FD: Não é descaso. Só não há um acompanhamento, não há gerenciamento de carreira. Não se planeja: vamos fazer uma turnê, daí se lança o single etc., a gente sempre foi metódico com isso. O momento certo de lançar o EP de lados B, algo que pode movimentar, vamos fazer isso, aquilo, vamos fazer um cover do Sebadoh, do Daniel Johnston? Nem sempre é material novo, mas é algo que mantenha a banda ali, em evidência, não sendo esquecida. A gente queria fazer isso também com bandas que a gente admira.

F-se: E tem funcionado?

FD: Tem. Por exemplo, o Terno Rei, que a gente acabou de lançar (o disco “Vigília”), tem tido uma recepção ótima. Os caras são ágeis, não são exatamente do mesmo grupo de bandas que o Single Parents toca, mas tem funcionado. O negócio todo evoluiu das festas da Balaclava e das coletâneas que a gente organizava, pra movimentar a cena aos poucos, colocando bandas nacionais tocando nas festas. Como a gente faria pra promover? Um bom exemplo foi o Terno Rei abrindo pro DJ set do Mac Demarco na Casa do Mancha. Então, as pessoas, hoje em dia, muito por conta de ações como essa, dizem: “já ouvi falar do Terno Rei”. Sair do zero pra isso já é alguma coisa.

F-se: Qual o termômetro pra saber o que deu certo ou não?

RF: Por enquanto, trabalho de álbum cheio o que a gente fez foi Single Parents, Cabana Café e Terno Rei. Bonifrate a gente lançou, mas o álbum já tinha saído antes por streaming. Medialunas saiu com parceria com outros selos. Então, trabalho intenso mesmo, com pré-lançamento, lançamento e pós-lançamento, foram esses três. E vai um pouco de tudo pra saber: pedidos de shows, matérias que saem, público de shows… No do Terno Rei recente, no CCSP, metade era público que ninguém sabia de onde veio, não eram só amigos e familiares. É um bom sinal. A gente controla também todos os streamings dessas plataformas.

F-se: Ganham alguma coisa com essas plataformas?

RF: Muitíssimo pouco (risos).

FD: Bem pouco. Vale mais pela parceria, de conseguir dar uma exclusividade pra algum deles. O RDio pede, por exemplo, e a gente coloca na home, com uma pequena matéria; inclui a banda numa playlist de lançamentos; e assim as pessoas vão conhecendo.

F-se: Então, pra Balaclava qual a maior plataforma hoje, os blogues, os shows…?

FD: São os shows. Eles têm dado muito resultado porque… Por exemplo, no Mac Demarco, muita gente comprou material de todas as outras bandas do selo nas banquinhas, comprou um monte de coisa que normalmente o pessoal não compra. Teve show (que a Balaclava organizou) que gente vendeu mais aí do que no próprio show do Single Parents. Isso também é uma forma das pessoas conhecerem o trabalho. Tá um caminho bem pé-no-chão até aqui.

F-se: Quando vocês vão ganhar dinheiro com isso? Como banda e como produtora?

RF: Como banda, pelo menos do nosso estilo e tamanho, é conseguindo eventos do SESC, de prefeituras…

FD: …E às vezes editais, que já envolve mais a Balaclava… Convidando gente de fora…

F-se: Vamos chegar lá nessa “gente de fora”. Mas uma banda que chegar pra Balaclava e pedir pra ser gerenciada, pode esperar o quê? Como é essa curadoria?

RF: A gente fala “não” pra muita banda, porque a gente começou pegando banda de fora, as daqui com parceiros, mas desse ano pra frente a gente quer fazer o acompanhamento completo de todas elas, do pré-lançamento ao pós. Tem que fazer bem feito. A gente tem uma assessoria de imprensa, que ajuda bastante, então a gente vai escolher quem trabalhar.

FD: O próximo passo é lançar uma banda de Nova Iorque, fazer um trabalho lá fora também, e Balaclava vai ser o único selo dela, o que vai fazer com que a gente se promova lá nos Estados Unidos e Europa. É começar a não lançar banda só no Brasil.

F-se: Isso tudo atrapalha o Single Parents?

FD: Não é uma questão de atrapalhar. Só atrasa. A gente não lançou material novo desde 2012. Mas tem sido mais positivo, na balança.

RF: A gente ganha força pra caramba em certos pontos, como na divulgação e circulação. A gente consegue um monte de show legal com o selo. A banda tá preparando disco novo, mas esse lançamento não ganharia tanto destaque se não fosse o que fizemos com o selo.

F-se: Vamos falar de “gente de fora”. Como vocês chegaram ao Mac Demarco? Confesso que não o conhecia antes, mas os dois dias de SESC estavam lotados e com a plateia cantando ensandecida junto com a banda. Não me parece o tipo de banda que tá no iPod de vocês.

FD: (rindo) Mas é, a gente ouve bastante coisa que não tem a ver com o Single Parents. A gente tem um gosto bem amplo. E o meu e o do Farah batem bastante. Isso se intensificou quando a gente resolveu fazer o selo e a produtora. Uma das ideias é acompanhar o que acontece lá fora. O Mac Demarco estava se destacando, gostamos do disco, começamos a ir atrás da carreira e eu fui ao festival da Captures Tracks, em Nova Iorque, em agosto de 2013, e começou ali o plano de tentar trazer shows internacionais pra cá.

RF: Fizemos uma lista de bandas que gostaríamos de trazer. Daí, começa a falar com produtor, agente, selo. A produtora do Mac a gente já havia conversado tempos atrás, quando a gente fez a turnê lá em 2010. A banda estava disponível e avançou com o interesse do SESC e de outras praças.

F-se: Vocês tomaram prejuízo ou deu certo?

FD e RF (enfáticos): Não, deu lucro!

FD: Deu um lucro legal. Não foi um lucro absurdo, mas valeu muito o trampo.

RF: Nesse primeiro a gente queria ao menos tentar empatar, pra fazer currículo. Então, deu certo. A gente trabalha com o Bruno Mont’Alvão nessa parte internacional e ele tem anos de SESC, tem uma porta aberta. A gente tem outros canais e deu certo.

F-se: A chance de trazer o Sebadoh veio pelo sucesso do Mac Demarco?

FD: Não, o Sebadoh ia ser o primeiro. A gente anunciou antes até.

RF: Não tinha como dar errado. A negociação que se faz com o SESC não depende de bilheteria.

FD: Fora isso, divide-se custo com outras praças. Claro que o SESC nunca vai bancar sozinho uma turnê com dez datas, por exemplo, então se as outras praças dessem problema a gente poderia se complicar.

F-se: Depende muito pouco do público, então, turnês de artistas desse tamanho?

RF: Depende de como você monta a turnê. Na do Mac, só a de Porto Alegre foi em base em bilheteria, e esgotou, então deu certo. E tinha uma conta: se setenta por cento ao menos for ao show, ok, e a gente esperava setenta por cento, no mínimo. Esgotou, então ótimo. Sebadoh a gente tinha mais confiança por ser uma banda grande e pela primeira vez no Brasil.

FD: Tem muita parceria com produtoras, então a gente não assume o risco sozinho.

F-se: Mas vocês colocam dinheiro do bolso, certo? Não há um investidor ajudando…

RF: Sim. Até porque o SESC às vezes cancela, a agenda deles é muito maleável. Pode ser que um mês antes eles digam “olha, vai ter um teatro, que é uma peça superimportante, vou ter que cancelar teu show”. É um risco que se corre. Daí, tem que colocar em prática os planos B, C, D, E… (risos) Mas a gente se planeja, pensando no “se der errado”. Se cancela SESC, a gente pode ir pra uma outra casa de show. É deixar todo mundo de sobreaviso.

FD: Acho que o produtor tem que ter a noção do tamanho do seu público, saber escolher entre alugar e fechar a casa ou combinar bilheteria, depende. É preciso pensar em todo esse planejamento e logística.

F-se: E teve alguma crítica ruim nesses eventos?

RF: Nesses dois, no Mac e no Sebadoh, é bom falar que as bandas adoraram, o público adorou, a imprensa gostou, a mídia amou. A gente não viu nada muito pesado, teve uma coisa ou outra, muito de leve. Há um monitoramento.

F-se: Deu pra perceber que vocês têm uma boa noção do business. Vocês fazem tudo isso pra promover e divulgar a Single Parents, em primeiro lugar?

FD: Bom, nem sempre o Single Parents vai abrir os shows que vamos trazer.

RF: Mas pode ser o Terno Rei, por exemplo. Esse negócio de colocar banda do selo ou parceira pra abrir é importante. Mas não só o Single Parents, que pode se fortalecer, mas não só abrindo show: é ter a Balaclava como um suporte maior.

FD: Em nenhum momento a gente pensou no Single Parents pra abrir pro Mac Demarco. Tem que ser coerente. Tanto que em Porto Alegre quem abriu foi uma banda que não é do selo. A gente não faz nenhum tipo de demanda (às produtoras parceiras) de ter que ser a Single Parents. Com o Sebadoh, nas outras praças fora de São Paulo, era Single Parents mais alguém. A gente se promove nessa história, mas não é o motivo principal pra gente começar a trazer as bandas gringas.

RF: Se a gente não tivesse a banda, teria o selo. Se não tivesse o selo, teria a produtora (sorrindo). A gente tem tesão de fazer tudo isso. Fazer shows, trazer bandas que a gente gosta e rolar bem como rolou é motivo de orgulho, é um trabalho (pra ficar) pra vida.

FD: É sempre bom estar em contato com outras pessoas, outras experiências musicas, essas pessoas te chamam pra fazer outros projetos. Esse é considerado o primeiro ano de fato da Balaclava. A gente tá satisfeito, por ora. A gente tá crescendo rápido.

F-se: Vocês são fãs do Sebadoh. Como surgiu a ideia de tocar com eles na Casa do Mancha, num show-celebração?

RF: A gente gosta muito da ideia de fazer shows-surpresa, em cima da hora, sem aviso (esse show no Mancha foi anunciado um dia antes, mas com o nome de The Crystal Gypsies ). A gente já fez com o Yuck, com o Mac Demarco, são bandas de muita demanda, que a gente sabe que vai ter gente querendo ver, que vai ser uma festa legal. A ideia é que as pessoas saibam que a Balaclava vai fazer alguma coisa quando a banda estiver aqui. O Sebadoh topou na hora (que a gente falou), foi incrível. A gente conseguiu o primeiro contato com a banda com o Roger (Paul Mason), produtor do disco do Single Parents, ele já tinha trabalhado com o Jason (Loewenstein, baixista, guitarrista e vocalista do Sebadoh) e colocou a gente em contato com a banda, mas de cara não foi grande coisa, foi só uma apresentação. Daí, um dia a gente gravou uma versão de “Careful” e divulgamos. O Jason viu, curtiu e postou na página do Sebadoh. Foi a deixa pra reativar aquele contato. Foi quando a gente já tinha a produtora e fomos falar com ele, mas já era um contato direto, então não era uma produtora que entra em contato com uma banda sem saber a história, eles já conheciam a gente. Então, eles toparam vir pro Brasil e na jam também toparam na hora.

FD: A gente fechou o show na Casa do Mancha uns cinco dias antes (do show acontecer), e conversando com eles aqui no Brasil já, vendo que tinha uma brecha na agenda, fechamos um setlist, o que eles gostariam de tocar, o que a gente gostaria de ouvir, fomos fazendo na raça. Aí, na noite anterior, a gente foi ao Mancha e ensaiou todos juntos. Inclusive as músicas do Single Parents. O Jason se dedicou em tirar nossas músicas, em fazer um negócio dele. Achei lindo demais! Ele não tocou o que a gente toca, ele fez do jeito dele! Eu até parava de tocar quando ele tocava.

Veja o ensaio de Sebadoh + Single Parenst, também conhecidos como The Crystal Gypsies:

F-se: Como foi a montagem da turnê do Sebadoh por aqui?

FD: Não foi muito fácil, porque foi uma turnê longa. Fechou primeiro as cabeças: São Paulo, Recife, Rio e Cataguazes. Depois disso, era preencher o resto. Foi bom anunciar bem antes, porque todas as outras cidades interessadas vieram procurar, teve tempo suficiente pra negociar. As datas já saíram do acordo detalhadas. A única foi a do Red Bull Station, em São Paulo, que era pra ser um show solo do Lou (Barlow, vocalista e guitarrista), daí surgiu o convite do (festival) In-Edit, que veio por conta de uma parceria da Balaclava, e esse show extra acabou ficando Sebadoh. Daí, a gente só anunciou depois do SESC pra não tirar público do SESC.

RF: Quando a gente fez o primeiro esboço de agenda, tinha duas semanas em mente, e imaginou uns days off… Pô, os caras não são mais moleques, né? A gente mandou pra eles uma programação com quatro days off em duas semanas e meia e os caras reclamaram: “Fernando, Rafael, nós preferimos shows ao invés de folgas, tirem essas folgas daí” (risos).

FD: Embora pareça que não, por conta dos shows anunciados em cima da hora, nada surgiu aqui, foi tudo planejado com muita antecedência.

F-se: Com a rede de contatos, produtores e casas, surgida com a turnê, vocês se decepcionaram com alguém?

FD: A chance era grande, mas deu tudo certo. Foram vários contatos, várias casas, mas foi tudo ponta firme. Até porque o Bruno já tinha trabalhado com alguns deles e isso diminui o risco.

F-se: O Sebadoh chegou ao Brasil em 19 de abril de 2014. Chegou e fez o quê?

RF: No primeiro dia foi dia de comer comida baiana. Levamos os caras pra comer comida baiana, no Sotero, em São Paulo, na Santa Cecília.

FD: Eles comeram vatapá, carne de sol… Bom é que nesse dia não tinha show, então dava pra estragar os caras (risos), porque depois ia ficar só no “light”, comidinha de SESC. Eles não são naturebas. Só o Jason é vegetariano.

RF: Depois, Lou Barlow até postou uma foto dele deitado no sofá, com a legenda “resultado do Brasil”, que ele comeu pra caralho, carne na manteiga, dez quilos a mais e, tipo, “melhor turnê da vida”.

FD: Pior mesmo foi o Beach Fossils, que foi comer comidinha indiana no dia de um dos shows no SESC. Um deles ficou branco, malzão (risos). A gente foi tomar umas com eles depois e nem tinha condições. Com relação a esse tipo de coisa, com o Sebadoh, a gente tomou cuidado.

F-se: Eles tomam todas ainda?

FD: Tomam normal, nada exagerado.

RF: Das duas bandas, a gente não sabia muito o que esperar, né? Os caras são meio doidões, será que eles mandam alguma coisa mais pesada, saca? Mas, não, totalmente na boa. Estão todos beirando os cinquenta no Sebadoh.

FD: Não têm frescura com hotel, no hotel, nada. São mais reservados, claro, que o Mac Demarco, que são uma banda de moleques de vinte, vinte e três anos, que foram no samba, foram tomar cachaça no Estadão (famoso ponto noturno pra comer e beber, no centro da cidade) à três da manhã, essas coisas, nada de putaria.

F-se: O Sebadoh tem alguma preparação especial antes do show, algo que vocês tenham notado?

RF: Nada demais. Só o Lou faz um aquecimento de voz, fica um tempinho ali meio na dele. Nenhum deles pede pra ninguém sair (do camarim), mas rola uma boa concentração ali.

FD: Tem muita afinação de guitarra também, então o Lou fica ali tocando pra ele um pouco, na dele.

F-se: Por que teve uma diferença tão grande de duração dos shows no SESC? No primeiro dia eles tocaram por mais de duas horas e no segundo, bem menos.

FD: Foi por conta do horário do SESC. Tem horário pra fechar.

RF: No primeiro show, domingo, eles acabaram extrapolando bem. Depois, ainda teve uma sessão de autógrafo, então era pro SESC fechar às nove da noite e fechou às onze. Passou muito. O SESC pediu, então pra enxugar na segunda-feira. Pelo Sebadoh, eles tocam até cansar, montam o setlist na hora e vão. Mas se você falar que é uma hora de set, eles vão tocar uma hora de set, numa boa. Eles gerenciam bem isso, como toda banda.

F-se: Eles são bem profissionais, sossegados ou estrelas?

FD: A gente brinca que tá até mal acostumado aqui na produtora. A gente pegou duas bandas muito fáceis de trabalhar. Mac Demarco e o Sebadoh são muito tranquilos, sem brincadeirinhas na hora de passar o som, muito focados, vão lá e fazem o que têm que fazer, sem clima tenso, sem estresse. O Sebadoh entende bem as diferenças de palco também. O palco do Abril Pro Rock (em Recife) é totalmente diferente do Mancha, por exemplo. Não teve esse negócio de “eu só vou tocar lá se tiver uma mínima estrutura e tal”. A gente só garantiu que teria o backline e um clima descontraído. Na verdade, pras duas bandas foi assim. A gente sabe que podem vir pela frente artistas que exigem mais de tudo, de camarim, de hotel etc, mas até agora ok. Uma curiosidade foi o Mac Demarco querer um fliperama no camarim. Como a gente conhece os caras, conheceu a produtora, tinha essa liberdade de saber que era uma tiração de sarro. Lógico, a gente coloca, o cara não reclama, mas a gente sabia que não era sério. A gente colocou no Mancha, um dia a gente ia colocar, só pra agradar, e ganhamos pontos com o Mac Demarco com isso. O Sebadoh não tem nenhuma exigência grande, só comida, bebida e uma opção vegetariana pro Jason.

RF: A gente sabe que no Brasil mesmo tem banda que só viaja com aquela equipe que é três vezes o tamanho da banda, e dificulta pra caramba o produtor. Mas a gente nunca trabalhou diretamente com banda brasileira assim.

FD: A gente entendeu que nessa turnê Sebadoh e Single Parents, no Nordeste, não é fácil pagar a passagem de quatro (integrantes do) Single Parents, que é só um show de abertura, já que a produção pode pegar uma banda local. Tudo é negociável e é legal trabalhar com produtores com essa mentalidade maleável. Até a banda internacional tem que ter essa mentalidade de que não é superstar

F-se: Embora pareça ser, né, com tanta gente babando ovo… A fila pra pegar autógrafo depois do show do SESC diz muito da adoração – merecida, diga-se – com o Sebadoh.

RF: Veja o Mac Demarco. Até pra gente surpreendeu o quanto as pessoas conhecem e gostam dele. Depois a gente ficou sabendo que tem um fã-clube grande do cara. Não fazia ideia. O Sebadoh é diferente: é uma banda que pelo menos todo mundo já ouviu falar. Era até esperado, mas eles não são estrelas.

FD: Se fosse pelo Sebadoh, esses momentos de autógrafos não teriam só vinte minutos, como a gente chegou a sugerir. Por eles, ia em frente. Esse carinho que tem aqui no Brasil e essa atenção, com toda a divulgação, não é uma coisa normal pra eles no Estados Unidos. Eles comentaram que a cobertura de foto, vídeo, imprensa aqui é comparável com o começo da banda, lá na Sub Pop, quando explodiu o Sebadoh. Então, eles não vão reclamar mesmo. Até porque eles não levam lá uma vida fácil de músico: eles têm aluguel pra pagar, filhos pra sustentar, por aí, não dá pra viver tranquilaço com a grana que a banda recebe.

Veja o ensaio de Sebadoh + Single Parenst, também conhecidos como The Crystal Gypsies:

F-se: Como foi a relação de vocês todos com a estrutura das casas por onde passaram?

FD: O Sebadoh tem uma preocupação de como está o som. Eles vão ver como é a montagem.

RF: O lance do lo-fi é isso: tem que acertar muito bem na sua baixa fidelidade, pra sair legal. É uma ciência, não é por acaso.

FD: Assim como o shoegaze, né? Fazer barulho por fazer barulho… Não é por aí. Não é só colocar uma guitarra alta e inaudível, que eu sou o Kevin Shields. Há uma preocupação com a estética do som. No Single Parents também essa preocupação tá crescendo. É um passo diferente, nem é uma evolução, é um passo pra profissionalização. Acho legal também quem faz o tosco, tosco, mas tem que saber ser tosco.

F-se: Como foi cair na estrada com eles?

RF: A gente viajou de tudo: van, avião, ônibus… Fomos de São Paulo pro Rio. Do Rio pra Recife, no dia seguinte. Dia seguinte de novo, volta pro Rio e já pega o ônibus pra Cataguazes. Três shows, três cidades em três dias. Pra Cataguazes foi de ônibus.

F-se: Que deve ter sido a mais legal, né? Porque dá pra ir conversando…

RF: Foi legal. A gente foi parando, comendo na estrada, cachoeira… Paramos numa Cachoeira! Fomos àquelas cidadezinhas históricas de Minas Gerais, fizemos turismo mesmo. Eles amaram essa parte da viagem. O Lou falou antes da viagem que essa era a experiência que ele mais queria ter na turnê inteira pelo Brasil, a viagem de ônibus. Cataguazes é uma cidade que respira arte. É cinema e música. É histórica. Hoje em dia, a cidade tem grana pra isso. O teatro que a gente tocou lá é CEMIG e tals. O lugar é sensacional, a estrutura é absurda. E o público tem molecada, gente mais velha… É um pessoal mais aberto, com predisposição pra gostar até.

FD: Foi o lugar que a gente mais vendeu merchandising, foi legal… Agora, a gente fez questão de no dia seguinte do show em Cataguazes ter um day off, justamente pra visitar as cidadezinhas, entrar em lojinhas, comprar cachaça, almoçar um negócio diferente… Dali, a gente foi pra São Paulo, de ônibus, super cansativo.


Foto: Alisson Louback (roubada dessa matéria)

F-se: Em São Paulo, então, teve o clipe…

FD: Isso, pra “Love You Here”. O lançamento depende da gravadora deles, de muita coisa, é pra ser o vídeo oficial da música. A direção é do Ricardo Spencer. Foi gravado no (edifício) Copan, eles alugaram um apartamento e filmaram durante a manhã. Tinha uma grande equipe lá. Essa mesma equipe depois foi pra Red Bull gravar a session que fizemos lá pra Balaclava.

RF: No dia do Red Bull foi foda porque rolou um protesto na porta. Foi tenso. Eles sabiam que o Brasil tá passando por essas turbulências. A gente viu só o baterista um pouco tenso. Mas o Lou e o Jason estavam tranquilos. A gente contextualizou antes.

F-se: Tem alguma curiosidade dessa aventura de vocês, algo meio “Revista Caras”?

FD: Não e nem acho que é por aí. O lado mais valioso que a gente achava era no almoço ou na van, a gente podia trocar ideia e falar das antigas, de como eles conhecem o Elliott Smith, por exemplo, a contar como é tal pessoal, o Kevin Shields, “como ele é? Ele é tão preocupado (com o som)?”, essas coisas. O Lou contou que o Kevin Shields tem essa paranoia de como tá o som, mas no backstage ele é sossegado, fuma um, normal. O Lou contou como foi quando num show do Sebadoh que estavam o Elliott Smith e o Jeff Buckley assistindo. Ele e o Elliott Smith eram muito próximos. Isso é legal.

RF: Tinha umas amenidades, como o quando o Jason falava do porco de estimação dele… Os filhos, essas coisas. Totalmente não planejado. eles são bem reservados, os três. Não soltavam muita coisa pessoal. Mas tinha bastante papo. (pausa) Bom, teve um dia do SESC que a cachaça derrubou o Lou. Levaram pra ele uma dessas cachaças de estrada, que você compra na estrada, daí ele tomou uns shots e falava “nem é tão forte assim” (risos). Passou um tempo, ele estava capengando, apagou.

F-se: Qual foi o maior erro da turnê pra vocês?

FD: Não ter esticado. Não ter feito uns dez (shows como o do) Mancha (risos).

RF: Os bastidores a gente deveria ter filmado mais. Se não é alguém dedicado pra filmar, e a gente tiver que fazer, corta o barato. São erros pequenos.

F-se: O que vocês aprenderam de mais valioso nessa experiência?

RF: Como produtora, muita coisa, todo o procedimento de organização, muita coisa pra gente melhorar pros próximos.

FD: Acho que é fazer as coisas pé-no-chão. Ter a ambição, mas ir com calma, com o selo, com a produtora, com a banda. Ir com calma, porque as coisas vão ter resultado na hora certa.

Veja na integra o show Sebadoh + Single Parents na Casa do Mancha:

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