DISCOS (POP) PERDIDOS #8: THE DURUTTI COLUMN – LC

Vincent Gerard Reilly é um inglês de Manchester, que, acredite quase virou jogador profissional de futebol pelo Manchester City (o campeão inglês de 2014 e quatro títulos no total), mas abdicou pra tocar guitarra. A escolha iria se mostrar acertada.

Ele nasceu em agosto de 1953 e vinte e cinco anos depois era o primeiro nome a assinar com um dos selos mais importantes da história, o Factory Records, de Tony Wilson (que teria também OMD, Section 25, Cabaret Voltaire, Happy Mondays, Joy Division, A Certain Ratio e New Order, um time impressionante). Em 1980, lançou seu primeiro disco e aquele que muitos consideram seu melhor trabalho, “The Return Of The Durutti Column”. No ano seguinte, a obra-prima maior, “LC” (saiu como a assinatura FACT-44).

Curioso notar que embora hoje vejamos o Durutti Column como sinônimo de Vini Reilly, não foi ele quem fundou a banda. Essa honra ficou a cargo de Chris Joyce (bateria) e Dave Rowbotham (guitarrista), juntos com o próprio Tony Wilson e seu sócio na Factory, Alan Erasmus. Reilly entrou na formação dias depois, com o vocalista Phil Rainford (ex-colega de Reilly numa banda punk local) e com o baixista Tony Bowers. Todos tinham formação punk e era pra o Durutti Column ser exatamente isso: punk.

Logo após os primeiros shows e antes de gravar o primeiro disco, a banda começou a ruir. Havia durado poucos meses. Rainford foi ser produtor e assina discos da Nico (ela mesma, velvetmaníacos). Joyce e Bowers foram parar no Simply Red (a própria). E Rowbotham acabou como guitarrista de estúdio do selo, trabalhando com a maioria dos artistas, incluindo o Happy Mondays.

Sozinho, Vini Reilly se tornou sinônimo de Durutti Column, carregando o nome nas costas, diretamente pra história.

Durutti Column é um nome que Wilson e Erasmus arrumaram em homenagem a um revolucionário da Guerra Civil Espanhola, travada de 1936 a 1939. Mas é um equívoco de grafia: “durruti” virou “durutti”. O homenageado se chama Buenaventura Durruti Domínguez, morto logo no primeiro ano de batalha, mas desde as duas décadas anteriores, conhecido por suas ações anarquistas e sindicalistas. A “coluna Durruti” foi a mais coesa e conhecida força revolucionária de combate à república local. Era, de fato, um nome bem punk e remete bastante a Joy Division, a divisão de diversão dos nazistas durante a segunda grande guerra.

Mas o Durutti Column não tem nada de punk, a não ser o “faça você mesmo”. Reilly é um guitarrista hábil, ao mesmo tempo econômico e eficaz. John Frusciante já disse que Reilly era o melhor guitarrista do mundo. Seus primeiros discos podem justificar esse pretenso exagero. “LC” incluído aí.

“LC” é a abreviação de “Lotta Continua”, uma organização de extrema esquerda encampada pelo chão de fábrica da Fiat, em Turim, Itália. Reilly realmente compartilhava das ideias revolucionárias contidas no nome escolhido pra banda, afinal. Mas não há nada de político no disco, um exercício de beleza plena, de intenso olhar pra si. Reilly parece ter essa capacidade.

Nele, tocam apenas Reilly, com sua Fender Stratocaster e outros instrumentos, e o fiel companheiro criativo, Bruce Mitchell, na bateria e percussão. A obra foi gravada, ressaltando sua extrema simplicdiade, num gravador caseiro de quatro canais. A produção é do próprio Reilly com colaboração de Stuart Pickering. Martin Hannett, produtor onipresente nas obras da Factory e responsável pelo disco de estreia do DC, acrescentou pouco ao resultado final.

São originalmente dez canções, algumas delas as mais conhecidas da carreira de Reilly. São seus “sucessos”: “Sketch For Dawn 1”, “Jaqueline” e “The Missing Boy”, escrita em homenagem ao declarado fã Ian Curtis, que havia se enforcado um ano antes.

“LC” ajudou a criar uma certa aceitação à ambient music (ou o que os maldosos podem chamar de “música de elevador”), sucesso de crítica que foi – e, claro, fracasso retumbante de vendas.

A capa, de Les Thompson, é um pastel que difere do modernismo que Peter Saville imprimiu como marca à Factory, tornando “LC” ainda mais diferenciado do contexto (ainda hoje).

É uma obra contestadora nesse sentido: um faça-você-mesmo não agressivo e, por isso, talvez, mais incômodo. Agressividade é uma commodity que o rock assimilou bem em sua história – e, com o passar dos tempos, virou fonte de inspiração publicitária. “LC”, pela sua leveza e background, permanece por não oferecer certezas, mas sensações e impressões. É uma música contemplativa (o dream pop agradece).

Brian Eno certa vez disse que “LC” era um dos seus “discos favoritos de todos os tempos”. Morrissey, fã assumido, o chamou pra substituir Johnny Marr no seu lado esquerdo, em seu disco de estreia solo, “Viva Hate”, de 1988 (ele aceitou e participa brilhantemente do disco). Elizabeth Fraser, do Cocteau Twins, é outra a morrer de amores por ele. Milhares de fãs pelo mundo se não corroboram com tal afirmação, ao menos reverenciam a importância de Reilly. Em 2012, após sofrer seguidos derrames cerebrais, Vini ficou impedido fisicamente de tocar sua guitarra. O sobrinho do Reilly foi às redes sociais pedir ajuda aos fãs pra suprir as necessidades básicas do tio, como alimentação, por exemplo. Rapidamente, levantou cinco mil euros.

O músico agradeceu, via BBC: “estou nesta situação por culpa do sistema de segurança social que demorou dezoito meses pra processar o meu pedido de apoio por doença. Sinto-me emocionado porque nunca tive de pedir dinheiro emprestado a ninguém, mas vou aceitar este dinheiro, proveniente de pessoas que não conheço mas que parecem gostar da minha música”. Depois disso, recusou todo e qualquer donativo.

Seu disco mais recente é “Chronicle”, de 2011. Como os anteriores, não vendeu nada, e quase não lhe rende royalties, mesmo num país que costuma pagar com rigor os donos dos direitos musicais. Mas Reilly ainda pode tocar, mesmo que limitadamente, sua guitarra. Continua fazendo shows aqui e ali. Um novo disco pode surgir por aí.

A sua luta continua.

Aqui, pra você ouvir na íntegra:

O disco chegou a ser lançado no Brasil pela finada Stiletto, em 1986. Está fora de catálogo e não há versão nacional em CD. Mas lá fora é relativamente fácil achar a obra nos novos formatos, incluindo o CD duplo, com muitos extras.

The Durutti Column em “LC” é:
Vini Reilly (guitarra, outros instrumentos, vocais)
Bruce Mitchell (bateria e percussão)

Álbum – LC
Lançamento – 1º de novembro de 1981
Gravadora – Factory Records
Tempo total – 41 minutos e 15 segundos (versão original)
Produção – Vini Reilly (com Stuart Pickering)

Lado A
1. Sketch For Dawn 1
2. Portrait For Frazier
3. Jaqueline
4. Messidor
5. Sketch For Dawn 2

Lado B
1. Never Known
2. The Act Committed
3. Detail For Paul
4. The Missing Boy
5. The Sweet Cheat Gone

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2 comentários

  1. Excelente artigo. Cheguei a comprar a versão brasileira em vinil de “LC” e houve uma época em que redatores de fanzines de São Paulo e Brasília vendiam fitas com gravações de material oficial e pirata por reembolso postal ou coisa semelhante. Uma vez comprei uma fita com uma apresentação pirata de Nico, supostamente gravada ao vivo em estúdio numa daquelas ilhas da Espanha, talvez em Tenerife (mas não tenho certeza, já que há mais de uma década não possuo mais essa fita) na qual havia participação de Vini Reilly na guitarra em várias músicas; era o repertório do disco “Camera obscura”, como se fosse uma versão acústica, um pouco mais suja e dava pra ouvir vozes, risos ou conversas o tempo todo, e havia umas músicas instrumentais sem título, nas quais eram tocadas aquele órgão característico da Nico e uma guitarra bem acústica. Nunca pude confirmar se era realmente Vini Reilly nessa gravação… E nunca vi uma versão desse material em CD…

  2. Coincidência, comprei essa mesma edição nacional esses dias no ECAZ, mesmo sabendo que eu já tive esse vinil (e ainda devo ter, em algum lugar na casa da minha mãe, acho).
    Um dos discos de que mais gostei em minha vida.
    A Stilleto lançou vários discos legais nessa época, com distribuição da Eldorado.
    Maior honra ter visto um show do Durutti Column, emocionante.

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