REVISITANDO: THE NOSEBLEEDS – AIN’T BIN TO NO MUSIC SCHOOL (1977)

Quando o movimento punk deu as caras nos jornais e ouvidos da molecada, em 1976, Steven Patrick Morrissey tinha dezessete anos e era uma espécie de garoto-problema pros pais. Não que fosse um arruaceiro que enchia a cara, se drogava por aí e arrumava brigas com os outros e tretas com a polícia, mas porque era um sujeito muito calado e petulante, além de sonhador e um tanto preguiçoso. Trabalhar nesses empregos “burgueses” não fazia a cabeça dele, mesmo assim, foi bater ponto no fisco inglês, embora não estivesse muito se lixando pra essas bobagens de assiduidade, eficiência, trabalho em equipe e respeito hierárquico.

Morrissey era um garoto fechado que achava que o mundo não era muito moldado pra ele. Quem leu o (cansativo) livro de Tony Fletcher, “The Smiths – A Light That Never Goes Out”, ou qualquer outra biografia menos ambiciosa do grupo ou do cantor, sabe que nessa época Morrissey tinha ímpetos suicidas, embora nenhuma coragem pra levar ao cabo tais intenções, além de uma mãe que tinha uma paciência gigante.

“Fui suicida por anos e anos. É constrangedor dizer isso, mas é verdade. Realmente cheguei a um ponto em que estava tão furioso e, ao mesmo tempo, era muito ambicioso e estava preparado pra tentar com muito, mas muito afinco”, disse, numa entrevista à City Life, em 1984.

“Vida. Com toda a sua monotonia, vale a pena evitar. É a fábrica pro pai, e a cozinha pra mãe. Sãos as discussões na mesa de jantar. As crianças desaparecidas nas páginas dos jornais. E no meio de tudo isso, uma sensação de que as coisas estão lentamente se despedaçando. É melhor escolher um outro disco, tomar todas as pílulas ou esperar que algo aconteça? É melhor apagar as luzes, ficar sob as cobertas, até o sono convidá-lo pra um mundo que você sempre quis? Seria um mundo melhor do que o que está na nossa frente?”, pergunta Morrissey, ou o personagem-Morrissey, na abertura do filme “England Is Mine”, de Mark Gill, exatamente sobre essa fase pré-Smiths do cantor.

Não há na película lançada em 2017 uma única canção dos Smiths. É uma cinebiografia não-autorizada e por isso livre pra mostrar um jovem Morrissey presunçoso, confuso, antissocial e sem perspectiva nenhuma de futuro, sempre à espera que o mundo venha até ele. Era um garoto fã de Oscar Wilde, Patti Smith (cujo show ele foi ver em 1976, em Nova Iorque, no lançamento de “Heroes”), Roxy Music e, principalmente, New York Dolls. Ou seja, diferia quase que totalmente dos jovens britânicos, explodindo suas espinhas na fúria punk.

Na sua viagem a Nova Iorque, Morrissey ficou decepcionado por achar todo mundo cidade estaria falando dos Dolls, mas as conversas naquele versão giravam em torno apenas dos Ramones e Morrissey não via lá grande coisa no quarteto.

Foi justamente essa preferência pelos Dolls e sua amizade com Linder Sterling (leia mais sobre ela aqui) que o colocou num circuito de músicos iniciantes do subterrâneo de Manchester e de outros cantos da Inglaterra que apareciam na cidade pra se apresentar.

Linder e Morrissey se conheceram durante a passagem de som do show dos Sex Pistols em dezembro de 1976. Morrissey foi a esse show pra ver o Johnny Thunders & The Heartbreakers, que tinha dois ex-New York Dolls, Thunders e Jerry Nolan (além de Richard Hell, do Television). Também abririam pros Pistols, naquele dia, o The Damned e o The Clash.

Tony Fletcher conta que Morrissey tentou falar com seus ídolos, mas foi rejeitado. Ele “se entendeu melhor com um outro integrante de outra banda de abertura daquela noite, Mick Jones, do The Clash, com quem falara por telefone no começo do ano em resposta a um anúncio nos classificados dos jornais de música à procura de um cantor, posição que acabou ficando com Joe Strummer”. Não é possível sequer imaginar Morrissey cantando num proto-The Clash, mas serve pra mostrar que embora arredio, ele estava circulando no lugar certo, entre as pessoas certas.

Morrissey não perdia um show nas redondezas e não eram shows quaisquer: The Clash, The Slits, Ramones, Talking Heads, Buzzcocks, The Jam e até mesmo a Warsaw, que viria a ser o Joy Division.

Mas entre publicar anúncios procurando uma banda onde pudesse cantar e responder a anúncios procurando vocalistas, Morrissey deu mesmo sorte na sua primeira experiência. “A persistência musical dele foi compensada no final de 1977”, escreve Fletcher, “quando tanto o vocalista, Ed Garrity, quanto o guitarrista, Vini Reilly, abandonaram o segundo grupo punk mais notório de Wythenshawe (cidade da grande Manchester), Ed Banger And The Nosebleeds, deixando pra trás um baixista, um baterista e uma banda local muito conhecida”.

Eddie Garrity era o roadie da banda mais famosa do pedaço, a Slaughter & The Dogs, quando resolveu montar a sua própria. A banda surgiu após um dos notórios quebra-paus que aconteciam nos shows punks, e ela tinha um time e tanto (ou de membros que viriam a ser importantes nomes do meio musical): Ed Banger (vocal), Pete Crookes (baixo e vocal – depois do Durutti Column), Philip “Toby” Tomanov (bateria – depois Durutti Column, Blue Orchid, Primal Scream e até mesmo Ludus, banda que Linder formou) e Vinny Reilly (guitarra – depois o dono do Durutti Column).

Foi essa a formação que gravou o único single dessa fase da banda, a fase mais curiosa e relevante por revelar tantos nomes pra tantas outras bandas. O single é “Ain’t Bin To No Music School”, com “Fascist Pigs” no lado B, lançado pela Rabid Records. A produção é assinada por Vini Faal, um promotor de shows em pubs.

O Nosebleeds começou sua vida anos antes, com o nome de Wild Ram. Eddie Garrity era uma bomba no palco, transformando qualquer apresentação em algo realmente violento, o que contrastava visivelmente com a figura franzina e frágil do jovem Reilly. “Ed Banger costumava confrontar e provocar a plateia até um limite que sempre havia gente esperando a banda do lado de fora pra sair na porrada”, escreve Johnny Rogan, no livro “Morrissey & Marr: The Severed Alliance”, de 1992.

Reilly disse a Rogan, no mesmo livro, que guarda lembranças carinhosas sobre o curto período de existência do Nosebleeds: “aqueles caras eram muito legais comigo e me ensinaram um bocado sobre a vida. Eles eram duros e Vince (Vini Faal) era o mais duro de todos. Eles eram absolutamente selvagens. Morrissey acabar envolvido nisso deu um nó na minha cabeça”.

Morrissey entrou nessa de um jeito inesperado. Pro lugar de Reilly, Crookes e Tomanov chamaram Billy Duffy, que era um dos guitarristas mais respeitados da engatinhante cena punk de Manchester. Foi Duffy que insistiu aos dois pra chamar Morrissey pro lugar de Garrity, o que definitivamente era o oposto em comportamento e presença de palco, até porque Morrissey jamais havia pisado num palco pra se apresentar a quem quer que seja.

“O processo de teste pra vaga, de ser escolhido e de, então, gradualmente, compor algumas músicas junto de Duffy foi lento”, escreveu Fletcher. “Mas no dia 8 de maio de 1978 o sonho de Morrissey de liderar uma banda decolou quando os novos Nosebleeds abriram o show do novo grupo de Howard Devoto (o “ficante” de Linder), Magazine, e de John Cooper Clarke, no Ritz. O show não foi gravado, infelizmente. Os Nosebleeds supostamente fizeram um cover de ‘Give Him A Great Big Kiss’, do Shangri-Las, em homenagem ao New York Dolls, além de tocarem uma música de um projeto paralelo dos Dolls e incluírem as primeiras letras de Morrissey apresentadas publicamente, entre elas improváveis candidatas a músicas dos Smiths como ‘(I Think) I’m Ready For The Electric Chair’ e ‘Toytown Massacre’. Embora, em retrospecto, isso não pareça um presságio de grandeza, o jornalista Paul Morley (…) mostrou-se extremamente entusiasmado nas resenhas sobre os shows (…) pra NME. Depois de cautelosamente citar o Joy Division por seu ‘apelo ambíguo’, ele apostou suas fichas no Nosebleeds”.

Foi Morley que fez Morrissey ler pela primeira vez seu nome na NME sem ser na seção de cartas dos leitores. O autor chamou o vocalista de “um líder com carisma (…) que pelo menos está ciente de que o rock’n’roll tem a ver com magia e inspiração”. Mas leu o seu nome errado, já que o jornalista grafou como “Steven Morrison”.

Com essa repercussão, logo chegou um convite de Londres, que empolgou Morrissey e Duffy. Mas na hora agá, Duffy lhe deu a primeira decepção da carreira musical: Londres queria só ele por lá, nada de Morrissey.

Enquanto Billy Duffy foi tocar no Theatre Of Hate até conhecer Ian Astbury pra formar o Death Cult, que viraria em 1984 o The Cult, Morrissey permaneceu em Manchester cada vez mais recluso, solitário, depressivo e decepcionado (Linder já havia também se mudado pra Londres). Dessa frustração até finalmente voltar à esperança de ter uma banda levou um tempo, o suficiente pra ele tomar vergonha na cara e finalmente ligar pra Johnny Marr, um amigo de Duffy, e aceitar o convite de tocarem juntos.

“England Is Mine”, por sinal, termina de maneira soberba, ao toque dessa campainha. O resto é história. Mas ela – como a do Durutti Column e a do The Cult – começam com um single e uma banda que durou tanto quanto um rastilho de pólvora.

Ed Banger & The Nosebleeds voltaram em 2013, com Banger, Crooke (guitarra e baixo), Brian “Mad Muffet” Grantham (bateria), Steve Wilson (baixo) e Al Crosby (guitarra), e já lançaram dois discos, “Kicking Off” (2013) e “New York City” (2016). A banda segue na ativa, excursionando e preparando mais um álbum.

Há, porém, quem diga que não era necessário. O nome Nosebleeds já fez bem o suficiente pela música.

LADO A
Ain’t Bin To No Music School

Lado B
Fascist Pigs

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