ENTREVISTA: THE CONCEPT – PATRIMONIO DO SUBMUNDO

Dia 6 de maio de 2012, tipica tarde do outuno paulista: algo me dizia que o dia seria perfeito… Profetizava alguma coisa. Tinha show dos paulistanos THE CONCEPT. Música é sagrado, música é religioso, e quem não encara desta forma…

Conheço a banda há tempos. Sou fã. Acho que tenho direito adquirido de discutir música com os membros da banda, dizer o que está ou não está “mais ou menos” e, por outro lado, o fã aqui exalta, grita, se expõe e vivencia a trajetória deste patrimônio do submundo da música “indie” nacional.

Quer dizer… “Indie o caralho!”, bradava eu lá pelo meio do show do The Concept, no Projeto Ponto Pro Rock. O Concept mexeu fundo nos presentes. Ver uma banda insana, doentia, que entrega a alma a cada canção é algo assustador nos dias de hoje, vide a banalização total do termo “indie”. Com o Concept, o buraco é mais embaixo.

O grupo literalmente queima e arde em chamas, que podem vir do inferno ou não, mas o fato é que Robson, Vagner, Henrique e José destroçam almas, expurgam demônios. Uma banda de guitarras que aniquila qualquer vinculo “indie” que possa ser rotulada. O baixo de Vagner e sua presença que confronta até a própria aparelhagem chocam e excitam. Henrique possuído e abençoado pelos seus mestres da guitarra estilhaça o shoegazer do etéreo ao estado bruto, prestes a entrar em combustão plena. José não tem a menor dó de seu kit e espanca cada peça que o compõe… Fiquei ao menos uns dez minutos presenciando a cena: coitada da bateria!

O fio que conduz a urgência do Concept é Robson Gomes, um guitar hero por excelência, noise, climático, acústico, melodioso. Sua garota, a guitarra, é assim, ele a ama e ela o ama tão loucamente que é quase desesperador o ato insano de não querer agarrar ambos. Um caso de amor que a vida uniu eternamente. Bob canta as dores, os amores, os prazeres, a vida relatada de forma sutil e verdadeira.

Eu não queria que aqueles momentos acabassem nunca, mas por fim o show – sim, o SHOW em letras maiúsculas e garrafais – acabou e minha alma foi salva novamente por décadas e décadas. Confesso, tal e qual anos atrás, esse garoto de 37 anos voltou a ter vontade de ter uma banda…

The Concept me salvou… Então, God Saves The Concept!

Floga-se: Quando vocês começaram muitos que ouvem falar do The Concept mal eram nascidos, contem-nos a história de como tudo começou.

Robson Gomes: O inicio pra mim foi assim: eu estava começando a tocar guitarra e tinha uma banda com o André Semeone. Fariamos nosso primeiro show em uma escola. Precisávamos de uma bateria melhor e fomos pedir ao Vagner e ele disse assim: “tenho uma ideia melhor, vamos montar uma banda…” (ri).

Vagner Sousa: Em um dia de sol de 1991, cheguei ao meu humilde trabalho (ajudante em uma empresa de óleos e lubrificantes maquinários), furtei a parte de cultura do jornal O Estado de São Paulo, levei pro refeitório e antes de trocar de roupa, li uma materia que mudaria a minha vida e desses outros malucos que venho encontrando nesse trajeto de criações e glórias, era a resenha do álbum “Bandwagonesque”, dos escoceses do Teenage Funclub. Lembro-me das comparações com The Birds, Neil Young e principalmente Big Star e também que eles estavam em turnê com o Nirvana. Sem pensar, fui direto do café da manhã pro almoço, andando bem rápido pra Galeria do Rock. Lá chegando, entrei na Velvet, a primeira coisa que eu vi foi o album de capa pink e um saco de dinheiro, não lembro quanto eu paguei, mas pra mim o preço é incalculável. Depois de passar a tarde inteira namorando a capa e o encarte, ao chegar em casa tirei o disco do saquinho, respirei fundo e soltei a agulha… Na veia! A microfonia, distorção e melodia… Assim nasceu The Concept, a primeira música do disco. Ouvi essa música dia após dia, nos dois anos seguintes. Passou pelos meus neurônios sonhadores que se um dia eu montasse uma banda ela se chamaria The Concept.

Henrique Daniel: Pra mim, a história começa há uns dez anos, quando comecei na cena rock do Itaim (bairro de São Paulo) e o The Concept sempre foi a minha banda favorita. Eu ficava extremamente empolgado e impressionado com os shows, e isso me motivou a continuar tocando. Portanto o Concept foi fundamental na minha formação musical.

F-se: Quais são as influências da banda?
RG: Velvet Underground, Stooges, Ride, Jesus & Mary Chain, Spiritualized.

VS: Ride, Jesus, Velvet, Spiritualized, Teenage Fanclub, MC5, The Stooges, Ramones, Joy Division, My Bloody Valentine, Pin Ups.

HD: Jesus & Mary Chain, Ride, Stone Roses, Spiritualized, Velvet e Stooges, Joy Division e tudo que tenha muita guitarra e alma.

F-se: Qual o sentimento de tocar ao vivo?
RG: É uma mistura de amor e fúria, é como fazer amor e atirar nos inimigos ao mesmo. Na verdade, é o unico momento da minha vida onde não se passa absolutamente nada na cabeça, é so uma grande entrega.

VS: Eu tenho dois momentos de realização e felicidade nessa vida, um deles é quando divido esses momentos com a minha família, namorada, amigos, cachorrinhos; o outro momento de existir e de estar é subir ao palco, plugar tudo, apagar as luzes fechar os olhos e encontrar esses caras em outro sentimento.

HD: Tocar ao vivo é um estado de espirito, é algo que transcende qualquer coisa, é uma entrega, é uma das melhores coisas do mundo, um dos únicos momentos que absolutamente tudo faz sentido.

F-se: Como é o processo de criação das canções?
RG: É um processo meio mágico. Alguém aparece com a ideia e seguimos juntos… Só determinamos as passagens e alguns arranjos principais, todo o resto é expontâneo e quando isso acontece, logo em seguida o ensaio acaba… É como se ficássemos exauridos pela força da nova música. Não temos pudor de falar se ficou uma bosta ou se é uma obra de arte e, quando acertamos, percebo que todos ficam muito satisfeitos e nos iluminamos um pouco mais.

VS: Outras vezes o Bob traz uma ideia e já vamos direto pro refrão.

HD: Geralmente nasce de um rife ou letra de alguém, e ai todos contribuem com seus arranjos e ideias, é tranquilo, e o legal é que primeira vez que tocamos a música ela dura uns 20 minutos diretos e só depois agente vai podando (rs).

F-se: Porque o Concept em determinado momento “acabou”?
RG: A banda cansou, foram tantos shows, tantos singles, a gravadora Volume 1 deixou a gente na mão, foi um momento tenso e as brigas começaram a se tornar inevitáveis, a ponto da banda sucumbir depois de praticamente quatorze anos de atividades intensas… Eu e o Vagner, principalmente, brigamos feio, de não nos falarmos por quatro anos. Esse período de hibernação do Concept pra mim foi importantíssimo, pois estavamos disponíveis demais e de repente a banda não existia… Algumas pessoas começaram a nos valorizar e por isso hoje em dia fazemos poucas apresentações… Só as que valem a pena serem feitas. Antes tocávamos em qualquer pulgueiro que tivesse uma tomada e algumas cervejas.

VS: O Concept não acabou, explodiu. Eu e o Bob nos desentendemos e foi cada um pro seu lado. E o resto foi pelos ares…

F-se: Qual a motivação no recente retorno?
RG: Acho que o Vagner irá concordar… O ponto chave do retorno foi a morte de um dos maiores amigos e fãs do Concept, o Leandro, que também era meu cunhado e foi devastador… Isso reaproximou eu e o Vagner. O Leandro repetia quase que toda semana pra mim que o The Concept voltaria por sua causa… Então, pra mim, essencialmente a volta ao Concept é uma homenagem a ele e uma ode à vida!

VS: A volta foi rápida e indolor, já que devíamos isso pra uma pessoa muito especial, que desejou o retorno como o último ato de sua vida. Sentamos, conversamos e a partir daí, foi só voltar aos ensaios. Quando aconteceu, ficou inevitável, tamanho é o poder de cada canção dessa história. E principalmente pela alegria de estarmos tocando juntos novamente.

F-se: Qual a influência de bandas como o Pin Ups, Killing Chainsaw, Second Come pra banda? Vocês são fãs da cena nacional? Quais bandas novas vocês indicariam?
RG: Quando montamos o Concept, me lembro de ter ido a um show do Pin Ups com o Vagner, em sua formação classica e, ao meu ver, a única… Foi um divisor de águas. Sou muito fã de Luis Gustavo e eles estavam ótimos nesse show. Vi Second Come uma vez no Jurassico Urbania, assim como killing Chainsaw, Low Dream, Sonic Disruptor. Atualmente ouço da cena nacional The John Candy, Set The Settings, Drama Beat na atual formação. Não posso afirmar que a cena está fraca, pois não existe cena! Houve uma época que poderia se dizer isso, mas acabou, graças ao provincianismo.

HD: As melhores coisas da cena nacional estão no underground. E o underground é questão de garimpo.

VS: Lembro de uma apresentação do Pin Ups, no Cais da Praça Rooselt, eles em cima do palco detonando, cantando em inglês, a galera chamando a Ale de gostosa, e ela xingando em bom português. Isso entrou na minha cabeça e abriu a minha mente pra fazer rock. Já as outras bandas nós conhecemos na estrada e acompanhamos até hoje.

Ouça na íntegra o EP “Reconstruction”, lançado em maio de 2011:

F-se: Quais os planos pro futuro?
RG: “Unknow Pop”, nosso novo disco que está sendo gravado; “The Best Of Junkie Years”, que deve sair pela Pisces; fazer bons shows e quem sabe fazer alguns shows fora do Brasil. Hoje já há uma possibilidade não tão remota, e futuramente (ter) nosso próprio estúdio…

HD: O novo disco, “Unknow Pop”, está pra sair. Pretendemos fazer shows legais aqui, e quem sabe fora do país, seria muito legal e hoje em dia há mais possibilidades.

VS: Terminar e lançar o novo disco e uma coletânea, gravar alguns videos e tocar em qualquer parte do mundo que nos ofereça estrutura.

F-se: Algo a mais que vocês gostariam de dizer?
RG: Nunca fomos bonzinhos!

HD: Nunca fomos bonzinhos²!

VS: Quero dizer que estamos vivendo e participando de um grande momento pro rock independente. Quero aqui agradecer a você, Renato Malizia, ao seu trabalho maravilhoso de mostrar as mais infinitas bandas, agradecer ao pessoal do Ponto pro Rock e Espaço Walden, por acreditarem e pela imensa contribuição pela “cena” rock e dizer que ela está aqui e só depende de união e profissionalismo, trabalho sério e qualidade pra nos realizar como músicos e artistas. Conto com vocês, Plazma, Polite, Blemish, Elevadores, The John Candy, Loomer, Modulares, André Girard, Magic Crayon, The Cleners, Twinepines, Drama Beat, Hierofante Púrpura, Piecies, Set The Setting e todos que estão de cabeça erguida nesse barco shoegazer.

Ouça “Truth Telegram”, lançado em 2002:

Essa entrevista foi publicada originalmente no site The Blog That Celebrates Itself, dia 7 de maio de 2012, por Renato Malizia, e foi editada nesse espaço por Fernando Augusto Lopes pra se adaptar ao Floga-se.

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Comentários

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4 comentários

  1. Ainda bem que The Concept voltou… hehe

    Quando conheci o Vagner, a banda já não existia, mas já tinha ouvido falar e mantemos contato desde então.

    Comprei com ele e a ROXY a camiseta do Ramones pra minha filha que na época estava para nascer.

    Falando dele, é um cara batalhador, profissional, mais do que apaixonado por música e tudo o que o rodeia.

    Aquele baixo vermelho virou história nas mãos dele, acredito que poderia ser inserido neste POST… hehe

    Parabéns pela matéria Fernando e aos Concepts…
    Vamo quebrar tudo essa budega!! haha

    Rodrigo/The Cleaners

  2. Man o Vagnão é um guerreiro mesmo, na boa merece tudo de bom por ser uma pessoa que sempre corre pelo lado certo, humilde e amigo de todo mundo.
    E o batera Gugu sempre de poucas palavras, quieto mas quando toca deixa a galera boquiaberta é oque mais gosto de ver na banda.
    Parabéns!

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