ENTREVISTA: THE MELANCHOLIC YOUTH OF JESUS – AS IDISSIOCRASSIAS DE UM JESUS LUSO, MELANCÓLICO E OLD SCHOOL

“Sempre senti que em Portugal não tínhamos público… Não perdi sono com isso porque não (…) quero estar a tomar cocktails ou ir a festas com o jet set luso. (…) Não é nossa culpa que malta gótica e indie acham que têm o direito a serem os nossos produtores e managers quando nunca foram convidados para tal (… ) Hey, guys, novidade: não exigi a vossa presença”.

Carlos Sérgio é o cérebro criador do The Melancholic Youth Of Jesus, banda portuguesa cria do pós-punk que namorou o metal, tomou emprestadas referências de Beach Boys, Phil Spector, atravessou décadas entre vais-e-vens, e que não é, avisa o músico, uma válvula de escape pra questões existenciais. Tendo começado à época das fitas-cassete e assistido às inovações tecnológicas, não se empolga com as possibilidades de distribuição de música criadas pela Internet. “Quero voltar atrás ao passado, singles, tipo Motown. Quem gosta, compra”, observa. “Mas as possibilidades são baixas”, admite.

São quatro discos oficiais entre 1994 e 2014 (“Lowveld”, 1994; “One Life Ain’t Enough”, 1999; “Gush”, 2013; e “Slow Motion”, 2014), mais demos, EPs e compilações, todos independentes, com um intervalo entre 1999 e 2003, uma lista extensa de integrantes e uma certa áurea de banda cult adquirida ao longo dos anos. Carlos Sérgio dá de ombros pra isso tudo. Quer fazer o que lhe vier à cabeça, embora não prometa nada. Porque como disse na entrevista a seguir, não está a fim de ser cobrado por ninguém. Se há quem se incomode com a bundamolice que abarca boa parte do rock brasileiro, lá em Portugal tem alguém que tem algumas verdades a dizer. Em bom português.

FLOGA-SE: Eu me lembro de ouvir falar do The Melancholic Youth Of Jesus lá em 1992, 1993, provavelmente em algum programa de rádio mais atento a sons independentes dos EUA e Europa, mas infelizmente a banda nunca esteve entre as mais citadas, pelo menos aqui no Brasil, quando se falava de rock independente europeu. Como foi o princípio da banda, lá no fim dos anos 1990, aí em Portugal? Que cenário musical Portugal apresentava à época?

Carlos Sérgio: Vim para Portugal em 1986, não conhecia o panorama musical – comecei os The Melancholic Youth Of Jesus em 1990 e foi duro, mas lá consegui encontrar pessoas que entendiam as minhas ideias e seguimos, mas sempre mantive-me à margem de Portugal e daquilo que se fazia e ainda hoje se faz em Portugal. Sobre a segunda questão, ainda hoje tento ser o mais anti-mainstream possivel, logo, acho que ao não sermos das primeiras bandas a ser referenciada é natural pois nunca perdemos muito tempo com marketing. No entanto, somos falados em vários pontos do globo.

F-se: Certamente há grupos de fãs do mYoj aqui no Brasil. Ainda mais agora, com a possibilidade de obter informações em tempo real. Mas você disse que chegou em Portugal em 86. Levou com você alguma bagagem musical de sua terra natal que influenciou na criação do mYof?

CS: Vivi numa colônia inglesa, Rodésia (Zimbábue no presente) e sim, a minha bagagem era a música e os hits dos EUA e do Reino Unido. Ouvia Tom Jones, Bonnie Tyler, Police quando era novo, e depois aqueles clássicos como The Carpenters, John Denver, etc. Elvis, Beatles, Rolling Stones, Temptations – no fundo muito girava em torno da música ligeira e pop. Mas comecei a gostar dos The Who – “My Generation” – e nasceu aquele lado rebelde. Pink Floyd…

F-se: Foram o punk e o pós-punk que fizeram você pensar em ter uma banda? Houve algum elemento catalizador que acendeu a chama e fez você pegar uma guitarra e compor algo próprio?

CS: A minha primeira guitarra é mais antiga que eu – herdei-a do meu pai, que é músico – estive sempre rodeado de música – acho que foi talvez a partir do ponto que ouvi “Close To Me”, do The Cure, que senti algo – uma chamada – afinal havia vida além de Wham e George Michael.

F-se: Qual o ponto de partida pro mYoj?

CS: Francamente, não me recordo – ia a muitas festas de amigos meus que eram surfistas – acho que Beach Boys e Cramps foram coisas que me divertiam – um certo romantismo de se ir até a praia nas nossas motos e tocar guitarra de madrugada, tinha 15 anos, pensar que nunca queria ser como os adultos.

F-se: E nunca precisar trabalhar em um escritório.

CS: Ou numa bomba de gasolina e ser fodido pelo governo.

F-se: Bem pensado. Me parece que, como aconteceu no Brasil, quando o fim da ditadura militar viu nascer um cenário de música pop e rock, Portugal também viu isso acontecer ao fim de um governo ditatorial. Você já disse que chegou em Portugal em 86, mas de alguma maneira a cena rock portuguesa dos anos 1980 chegou até o teu trabalho à frente do mYoj?

CS: A música portuguesa naquela altura era difícil de digerir… Atualmente é intragável…

F-se: Nem mesmo no circuito independente, tanto à época quanto agora, existem bandas e artistas que te pareçam interessantes?

CS: Nada que possa imaginar. Entretanto, vivi doze anos no Reino Unido e não me posso queixar de falta de escolha.

F-se: Atualmente gosto muito do Malcontent e da Pega Monstro, duas bandas aí de Portugal. Ainda sobre os primeiros dias do mYoj, você se lembra dos primeiros concertos? Imagino que conseguiam atrair fãs de pós-punk, pela estética que adotaram.

CS: As pessoas não gostavam de nós e ainda hoje muito menos… Surgiu um público mais afeito ao metal na era do “Lowveld”, mas sempre senti que em Portugal não tínhamos público… Não perdi o sono com isso porque não leio os jornais nem sigo os noticiários e nem quero estar a tomar cocktails ou ir a festas com o jet set luso.

F-se: Entendo. E essa sua postura em algum momento atrapalhou os planos pra banda? De algum modo isso impediu, por exemplo, que a banda tocasse em festivais ou dividisse o palco com outras bandas portuguesas?

CS: Toquei em muitos festivais e conheci muitos músicos nacionais – atualmente a minha lista de amigos e gente interessante é muito reduzida. Se a minha postura condicionou a banda – claro que sim – mas nunca escondi isso.

F-se: Você falou que com o “Lowveld” houve uma aproximação de fãs de heavy metal. Há um vídeo da apresentação da banda feito em Póvoa de Varzim em 1993 em que fica clara a influência do metal, sobretudo no modo como o guitarrista João Rodrigues toca. Entretanto, por algum motivo, ao assistir o vídeo fiquei com a impressão de que ele parecia inadequado à estética da banda, que sempre me soou pós-punk. Essa aproximação com o metal foi intencional? Li também críticas em sites portugueses que apontavam pra isso.

CS: O que as pessoas dizem e pensam não podemos controlar – se o João estava fora do contexto, a resposta é não. Entretanto, viramos uma banda jazz, de modo consentido, cada qual fazia o que queria, agora não é nossa culpa que a malta gótica e indie acham que tem o direito a serem os nossos produtores e managers quando nunca foram convidados pra tal…

Show completo no Bar D. Galante, em 1993:

F-se: Na época do João na banda, havia críticas quanto ao modo que ele tocava?

CS: Havia mais elogios que críticas e sou fã do João a par de todos os que se encontravam na banda, logo, estávamos mais virados pros aspectos internos e o fato é que o “Lowveld” ainda hoje é um álbum procurado.

F-se: Ainda sobre a estética da banda, não tenho como deixar de perguntar se a escolha do nome, The Melancholic Youth Of jesus, foi influenciada pelo Jesus And Mary Chain, já que me parece ser a banda inglesa uma das suas influências, assim como de um número imenso de bandas que surgiu a partir de 1985, com o lançamento de “Psychocandy”.

CS: Não gosto do Jesus And Mary Chain como muitos assumem e o nome foi retirado do filme “Life Of Brian” (“A Vida De Brian”), do Monty Python, e a “A Última Tentação De Cristo”, de (Martin) Scorcese.

F-se: Aqui no Brasil, quando bandas apareceram, no início dos anos 1990, com letras em inglês, houve críticas duras a muitas delas. A maior parte delas era acusada de ter uma certa frustração por ter nascido no Brasil e não no Reino Unido ou nos EUA. A reposta das bandas em boa parte dos casos era de que a ideia era tornar o som algo mais universal. E quanto ao mYoj, havia algum outro interesse em compor em inglês além do estético?

CS: Inglês é a minha primeira língua, falo inglês com os meus irmãos. Penso em inglês, o que achas? Orgulho-me de saber que falo português.

F-se: No fim dos anos 1990 você foi morar em Londres, é isso? Ao voltar a Portugal, retomou o trabalho com a banda. O que essa pausa acrescentou à sua ideia pro conceito do mYoj?

CS: Vivi um ano em Dublim onde não tive vontade de ser musico e dozew anos no Reino Unido onde aprendi muito… O que é que isso acrescentou ao mYoj? Gostaria de mandar se foder muita gente e pedir desculpas aos que acreditam na banda ou em mim…

F-se: Por motivos especiais? Algo relacionado a alguma espécie de crítica quanto ao seu trabalho na banda?

CS: Não. Tenho de aceitar com humildade que não gosto de ser abordado, não gosto que saiba que as pessoas avaliam-me com base na imagem que criaram de mim. Por vezes um olá e falar de coisas que nos aproximam vale mais do que aturar gente tediosa e deprimente que acha que é o meu dever só porque aparecem voluntariamente a um concerto… Hey, guys, novidade: não exigi a vossa presença, por isso…

F-se: Isso inclui também a ideia de dar entrevistas e falar do seu trabalho como músico? Existem artistas ou integrantes de bandas que não gostam de dar entrevista, e até entendo que alguns não gostem, embora eu entenda também que isso seja parte de ser um artista ou músico, ou alguém que produz qualquer outro tipo de arte.

CS: Já eu não – até aqui falamos de mim e zero da minha música.

F-se: É que entendo que falar da música de alguém é falar da pessoa também (não quanto a fofocas, são coisas diferentes), porque não consigo separar a arte do artista. Há algum disco do mYoj que você entenda como mais representativo do que você pretende pra banda desde que a criou? Particularmente, gosto muito do Gush.

CS: Adoro “Gush”, é o álbum que eu queria fazer.

F-se: Parece ser um disco excelente de ser executado ao vivo. Você pode falar como foi o processo de composição pra esse disco, as gravações?

CS: Adoro “Gush” e adorei andar a trocar de metrô em Londres a tocar o “Gush” varias vezes na mesma noite, mas faz parte do passado e não irei repetir a experiência. É um disco que eu ouço com prazer – não vendeu muito, mas foi um gozo tremendo. Foi um regresso às origens.

F-se: Quanto ao primeiro disco, o que deu início aos primeiros registros da banda, você se lembra do período de composição e gravação? É sempre uma experiência única, pra uma banda iniciante, entrar em estúdio pela primeira vez, não?

CS: Sinceramente não sou uma pessoa romantica – entrei e saí – done.

F-se: Ao longo desses anos com a banda, você adotou algum método pra compor? Preferia o isolamento pra pensar em músicas novas, o estúdio, com os demais integrantes, pra incluir novas ideias às suas, qual o modo te parecia mais eficaz?

CS: Boa Pergunta. Acho que gostei da ideia de ter de apresentar uma canção em vinte e quatro horas e estar sob pressão.

F-se: E em algum momento percebeu que essa pressão te direcionava pra algum caminho? Algo mais tenso, mais acelerado, pesado…

CS: Acho que não. Faz-me ser mais objetivo.

F-se: Lendo textos que tentam narrar as fases do mYoj, eu fico com a impressão que a banda é um projeto bastante seu, pessoal, até por conta da troca de músicos. Você entende que sua música reflete essa ideia, do músico com um projeto bem definido que o leva adiante por muitos anos?

CS: Recebo mensagens de pessoas que entendem as coisas à sua maneira – uns até pensam que perco tempo com as líricas da banda, quando na realidade procuro encontrar palavras que encaixam. Poético? Nem pensar! Sou músico e as minhas líricas apenas satisfazem um objetivo – a personagem e não aquilo que sou realmente…

F-se: Posso pensar que não há nada biográfico em suas letras então.

CS: Nada seria mais longe da verdade – não me vejo nas líricas do mYoj pois não sou eu.

F-se: Você trabalha em algo novo do mYoj atualmente? Tem planos pra um próximo disco, uma nova excursão por Portugal e países vizinhos, se for possível?

CS: Não posso confirmar, pois existem ofertas mas estou a fazer tudo pra dificultar e frustrar essas oportunidades. A chance de se ouvir um novo disco ou ver um concerto? Baixas, pois, por uma questão de integridade estou a diminuir a hipótese disso acontecer. Mas por trinta milhões de Euros repenso a minha integridade artística e até canto em cima de uma tenda de circo.

F-se: Mas hoje gravar está mais simples. É possível gravar um disco inteiro em casa e distribuir pro mundo em instantes. Essas possibilidades vindas com a tecnologia te animam?

CS: Tenho um estúdio e uma gravadora – anima-me essa hipótese? Pelo contrário! Afasta-me mais do desejo de querer interagir com cibernautas que acham que sou empregado deles.

F-se: Você prefere lançar um disco novo, caso venha a fazê-lo, do modo convencional, com um disco físico e vendas em lojas ou online, é isso?

CS: Sobre edições, quero voltar atrás ao passado, singles, tipo Motown. Quem gosta, compra, mas as possibilidades são baixas, logo, não pagando pelo estúdio – é um risco que vale a pena, pois sou colecionador e acho que somos uma banda pra gente atenta e que gosta de colecionar.

F-se: Também prefiro o disco, a coisa física, a relação do ouvinte com uma obra completa, com música, encarte, fotos, informações etc.. Com a Internet, no meu caso, eu ouço uma banda hoje e me esqueço dela semana que vem, mas é uma característica minha. Já que você tem esse foco, pensa em um dia relançar seus discos pela sua editora ou em alguma compilação do que você entende ser o seu melhor material e lançar em CD ou vinil?

CS: Por esse motivo – seres colecionador – estou apenas, e saliento apenas, disponível pra falar com blogues e entusiastas, pois, os media mainstream esbarram na minha indiferença, e, gosto do old skool, onde há entusiasmo e muito coração e as coisas fazem-me apenas porque existe a vontade de se fazer a diferença.

F-se: Enquanto falávamos, estava ouvindo algumas faixas do mYogenic sessions. Esse material foi gravado ao vivo? É muito bom… Como foram gravadas essas músicas?

CS: Estava a montar o meu estúdio, logo entrava às 8:00h e às 12:00h, tinha três temas gravados – era essa a ideia. Algumas vezes sabia o que queria, mas o grosso foi fruto da pressão.

F-se: Você estabelece prazos pra si, é isso? Parece que funciona muito bem.

CS: Em linhas gerais, sim. Gosto do desafio, mas tem de haver coordenação. Mas componho rapidamente.

F-se: O que você tem escutado de música atualmente. Você citou o modelo da Motown de lançamentos. Música negra, as girl groups, os grupos vocais, os artistas da gravadora american estão entre os seus preferidos? Algum artista ou banda atual te agrada?

CS: Não existe o atual. Felizmente tenho uma formação musical rica e diversificada – tenho heróis hoje, mas amanhã tenho outros – desde Hermeto Pascoal a Stockhausen. Existe o meu gira discos e hoje vai de Can a 13th Floor Elevators, passando pelo “Crimson And Clover”, dos Shondells ou a versão Joan Jett. Estou sempre a descobrir algo – mal de mim pensar que tenho algo a ensinar – sou apenas um fã ou um groupie e digo isto honestamente.

Filipe Albuquerque é guitarrista da banda Duelectrum e tem um blogue (infelizmente inativo) no Bem Paraná, chamado “Blog Vox”, onde esta entrevista foi originalmente publicada, em 13 de novembro de 2015. A publicação no Floga-se foi autorizada pelo autor.

Fotos: Patricia Ferreira, pra Tracker Magazine

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