FLEET FOXES – SHORE

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Sim, em 7 de outubro de 2020, é possível que todo mundo já tenha ouvido o disco-surpresa do Fleet Foxes, “Shore”, lançado de supetão em 22 de setembro (são duas semanas de diferença). Mas a questão é se as pessoas “ouviram” mesmo ou só se surpreenderam e passaram pro próximo lançamento de um outro artista.

O disco anterior da banda, “Crack-Up”, é de 2017. Lá se vão três anos de um trabalho bastante elogiado.

Como a própria banda informa, “‘Shore’ foi gravado antes e durante a quarentena em Nova Iorque, Paris, Los Angeles e Long Island de setembro de 2018 até setembro de 2020. As quinze canções, cinquenta e cinco minutos, foram inicialmente inspiradas pelos heróis musicais do vocalista Robin Pecknold, como Arthur Russell, Nina Simone, Sam Cooke, Emahoy Tsegué-Maryam Guebrou e outros que, em sua experiência, celebraram a vida diante da morte”.

“Eu vejo ‘Shore’ como um lugar seguro à beira de algo incerto, olhando pras ondas de Whitman recitando ‘morte'”, comentou Pecknold no texto informativo oficial do disco. “Tentado pela aventura do desconhecido, ao mesmo tempo, você está saboreando o conforto do terreno estável abaixo de você. Essa foi a mentalidade que encontrei, o combustível que encontrei, pra fazer este álbum”.

Parece, então, um disco premonitório. Falar de celebração da vida diante da morte em tempo de pandemia, com mais de 1,05 milhão de pessoas mortas por um vírus que surpreendeu a todos, é um tanto quanto corajoso, já que a vida praticamente virou uma roleta-russa.

Cansadas de ficar trancadas em casa e tentando retomar o mais fielmente possível a vida que tinham pré-pandemia, muitas pessoas simplesmente se arriscam e gerenciam riscos. Viver virou gerenciar riscos.

Whitman talvez recitasse “risco” e, então, “morte”. Ou, então, “ufa, não foi dessa vez”.

É como sair pra um bar vazio. Isso é colocar uma bala no revólver, com cinco espaços vazios. Ir pra um bar cheio de gente, sem área aberta e circulação de ar, é colocar seis balas no revólver, uma chance bem perto da certeza de ser contaminado.

Mas o que ele descreve a seguir é ainda mais preocupante.

“Desde o sucesso inesperado do primeiro álbum do Fleet Foxes, há mais de uma década, passei mais tempo do que fico feliz em admitir em um estado de constante preocupação e ansiedade. Preocupado com o que devo fazer, como será recebido, preocupado com os movimentos de outros artistas, meu lugar entre eles, preocupado com minha voz cantando e saúde mental em longas turnês”, ele escreveu.

“Nunca me permiti aproveitar este processo tanto quanto poderia, ou tanto quanto deveria. Tive muita sorte de muitas maneiras em minha vida, muita sorte de nascer com as sementes dos talentos que cultivei e de ter tido tantas experiências irreais. Talvez com sorte possa enfrentar a culpa, às vezes. Sei que recebi bem as dificuldades onde quer que eu pudesse encontrá-las, reais ou imaginárias, como uma forma de moderar inconscientemente toda essa sorte irreal que tive”, continuou.

“Em fevereiro de 2020, eu estava novamente consumido pela preocupação e ansiedade sobre este álbum e como iria terminá-lo. Mas desde março, com uma pandemia saindo do controle, vivendo em um estado falido, assistindo e participando de uma onda de protestos e marchas contra a injustiça sistêmica, a maior parte da minha ansiedade em torno do álbum desapareceu. Parecia tão pequeno em comparação com o que estávamos todos experimentando juntos. Em seu lugar veio uma gratidão, uma alegria por ter tempo e recursos pra se dedicar à produção de som e uma perspectiva diferente sobre o quão importante ou não essa música era no grande esquema das coisas”, seguiu.

Então, Pecknold se viu diante do grande privilégio que possui como artista: “a música é ao mesmo tempo a coisa menos essencial e a mais essencial. Não precisamos de música pra viver, mas eu não poderia imaginar a vida sem ela”.

Comparar problemas nunca é um processo adequado de “cura”, mas a gente se acostuma a fazer isso. “Tenho muitos problemas, mas, pô, tem tanta gente passaando fome e sem ter nem mesmo onde dormir ou tomar banho que seja, do que estou reclamando?”, é uma forma costumeira de aplacar a própria dor.

“Tornou-se um grande presente não carregar mais nenhuma preocupação ou ansiedade pelo álbum”, continuou Pecknold. “Não diante de tudo o que está acontecendo. Uma turnê pode demorar um ano, as carreiras musicais podem não ser o que eram antes. Pode ser, mas a música continua sendo essencial. Essa reformulação foi outro golpe de sorte inesperado do qual fui o destinatário indigno. Pude assumir o volante completamente e ver o álbum passar muito melhor do que imaginava, com a ajuda de tantos colaboradores incríveis, seguros e sortudos em um novo estado de espírito”.

“Shore” é, assim, mais do que um disco – muito bom, por sinal, como os três anteriores: é uma pequena demonstração de que nossas inseguranças são medidas por uma regra bem pessoal (claro), mas que podem ser mitigadas pelo simples ato de inverter a visão e focar em certos privilégios.

Não precisamos de forma alguma rasgar nossas preocupações porque outras pessoas estão em pior situação. Sempre vai ter alguém numa situação pior. Mas precisamos tentar equilibrar as coisas. Nossos problemas são tratáveis (veja só, há profissionais pra isso), assim como nossas angústias, inseguranças, dores e tudo o mais.

Não sabe fazer música? Algum talento a gente sempre tem. Sobreviver, nos dias de hoje, pode ser um deles.

O disco teve engenharia de gravação e produção de Beatriz Artola.

Em “Going-to-the-Sun Road”, há um trecho em português, cantado por Tim Bernardes.

O time que participa junto com Pecknold, que tocou todos os outros instrumentos, é grande: Homer Steinweiss, Joshua Jaeger e Christopher Bear (bateria), Andy Clausen, Riley Mulherkar, Willem de Koch e Chloe Rowlands (sopros), Michael Bloch (guitarra) e Uwade Akhere, Meara O’Reilly, Georgiana Leithauser, Frederika Leithauser, Juliet Butters e Faye Butters (vocais de apoio).

Pecknold, enfim, deve estar tranquilo.

01. Wading In Waist-High Water
02. Sunblind (clique aqui pra ver o vídeo)
03. Can I Believe You (clique aqui pra ver o vídeo)
04. Jara
05. Featherweight
06. A Long Way Past The Past
07. For A Week Or Two
08. Maestranza
09. Young Man’s Game
10. I’m Not My Season
11. Quiet Air / Gioia
12. Going-to-the-Sun Road
13. Thymia
14. Cradling Mother, Cradling Woman
15. Shore

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