FLORIAN SCHNEIDER: DA FLAUTA AO ELETRÔNICO, DOS BEATS E BITS À ALMA

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Florian Schneider-Esleben, um dos fundadores do Kraftwerk, junto com Ralf Hütter, morreu nessa quarta-feira, 6 de maio de 2020. Tinha 73 anos. Complicações do câncer foram a causa.

Ele nasceu em 7 de abril de 1947, em Düsseldorf, na Alemanha. Com 21 anos, em 1968, ele e Hütter fundaram a Organisation (ou Organisation zur Verwirklichung gemeinsamer Musikkonzepte; ou, em português, Organização para a realização de conceitos comuns de música), baseado no krautrock e que viria a ser o embrião do Kraftwerk.

“Tone Float”, o único disco, lançado em 1969, está mais pra Can do que pra Kraftwerk.

O multi-instrumentista, versado em flauta, violino e violão, deu as mãos a Ralf Hütter em 1970, cinquenta anos atrás, fez surgir o Kraftwerk. Juntamente com Hütter, Schneider foi a força motriz por trás da carreira dos pioneiros do eletro-pop de Düsseldorf e esteve envolvido na composição de todos os álbuns.

Visionários, era como robôs trocassem circuitos eletrônicos e elétricos por alma e emoção. A dança, como visto em cima do palco, era um movimento pendular na batida circular de suas canções.

“Canções” mesmo. Quilômetros de distância da música eletrônica que viria pouco tempo depois, da disco ao techno, o que o Kraftwerk fez foi algo diferente, pois evidentemente não-comercial.

Mas o sucesso de discos de seus sete discos a partir de “Autobahn” (1974) mostra que a afirmação “não-comercial” não é verídica.

Tirando os três primeiros álbuns, “Kraftwerk” (1970), “Kraftwerk 2” (1972), “Ralf Und Florian” (1973), com peças já elegantes e características, a banda não pôde nunca reclamar da falta de reverência, nem de público, nem de crítica.

“Radio-Aktivität” (1975), “Trans Europa Express” (1977), “Die Mensch-Maschine” (1978) e “Computerwelt” (1981) formam o quarteto clássico influenciador, que valeu ao grupo a alcunha meio pejorativa de os “Beatles eletrônicos”.

O motivo é claro: até hoje, o Kraftwerk é uma das exportações de música mais bem-sucedidas da Alemanha ao lado do Rammstein. O quarteto Schneider, Hütter, Wolfgang Flür e Karl Bartos (formação de 1975) é considerada a clássica.

Em 1986, mandaram ao mundo o disco “Electric Café”, assim mesmo, com acento na letra “e”, explorando a musicalidade universal, cantando em português, japonês, espanhol, alemão, inglês, algo já feito em “Trans Europa Express”. “Boing Boom Tschak”, “Musique Non-Stop” e a faixa-título fizeram sucesso em rádio, até mesmo no Brasil.

Mas sucesso de vendas pro Kraftwerk não é exatamente sinônimo de milhões e milhões de discos vendidos. Na Inglaterra, por exemplo, que seus discos invariavelmente ganham certificados da BPI, a banda tem meio milhão de cópias vendidas.

É que sucesso talvez deva ser medido por outros fatores. Em 1976, David Bowie e Brian Eno escreveram a música “V-2 Schneider”, que é dedicada ao músico. No ano seguinte, Bowie gravou o álbum cult de Iggy Pop, “The Idiot”, influenciado pelo Kraftwerk. Há alguns anos, Iggy contou uma história engraçada da vez que foi comprar aspargos com Schneider, mas essa história é melhor você ler no Pop Fantasma.

No Kraftwerk, Schneider foi responsável pelo desenvolvimento de vozes eletrônicas que apresentavam inúmeras músicas da banda. Em 2009, ele saiu sem dar um motivo. No ano passado, o Kraftwerk fez shows nos EUA, Polônia, Irlanda, Austrália e Nova Zelândia pela primeira vez. Em uma entrevista, Hütter descreveu a saída em 2009 como a consequência lógica de um desenvolvimento, já que Schneider não estava envolvido em trabalhos de estúdio há anos e trabalhava em coisas como síntese de fala.

Stefan Pfaffe, do estúdio KlingKlang, substituiu Schneider. Depois, ele também foi substituído por Falk Grieffenhagen.

O Kraftwerk sempre se cercava de uma aura tecnóide e fria. O fato de que isso foi quebrado ironicamente repetidas vezes deve-se principalmente ao senso de humor de Florian Schneider.

Um exemplo desse humor pode ser visto nesta apresentação na RAI, em 1981, na versão italiana de “Pocket Calculator”. No último segundo do vídeo, Schneider faz um chifrinho com as mãos na cabeça da anfitriã. Uma bobagem, claro, mas a banda se divertia brincando de movimentos robóticos, como se percebe nos risos ao final:

Schneider e Hütter faziam questão de mostrar que suas vidas particulares não tinham nada de interessante. Hünter respondeu, certa vez: “eu acordo de manhã, escovo meus dentes (ele ri), vou pro estúdio, trabalho, volto pra casa, como e durmo”.

Schneider pegou o embalo: “acordo de manhã por volta das dez horas, às vezes mais cedo no verão, às vezes mais tarde no inverno, então escovo os dentes (os dois riem); leio o jornal, foi à cafeteria pro café-da-manhã; faço pequenas coisas que as pessoas por aí devem fazer”.

O Kraftwerk tinha a política do “isso não é da sua conta”, quando se tratava da vida fora da banda, seja pra fãs, seja pra imprensa. Schneider morava em um apartamento no centro de Düsseldorf, perto de um prédio desenhado por seu pai nos anos 1960 – seu pai foi um famoso modernista do pós-guerra, Paul Schneider-Esleben. Trinta anos depois, ele mesmo virou pai.

Em 1998, Florian Schneider foi nomeado professor na Universidade de Design Karlsruhe. Ele deveria ensinar “arte e performance na mídia”. “Até onde sabemos, ele nunca assumiu o cargo de professor na época”, disse um porta-voz da universidade.

Após seu período no Kraftwerk, Schneider se apresentou com mais frequência em público e fez campanha contra a poluição dos oceanos com a música “Stop Plastic Pollution”.

Em 2008, o Kraftwerk fez shows sem Florian Schneider nos EUA, Polônia, Irlanda, Austrália e Nova Zelândia. Como a política de informação dos pioneiros eletrônicos de Düsseldorf sempre se baseou no silêncio gelado, só se poderia especular sobre os motivos da ausência de Schneider. Nada de fato foi dito.

Ao contrário de muitos inovadores artísticos, Schneider, Hünter e o Kraftwerk deles foram reverenciados em vida. A retrospectiva do Kraftwerk foi realizada em alguns dos museus de arte mais importantes do mundo há alguns anos.

No mundo da arte, ao lado de Mondrian e Kandinsky, Kraftwerk é classificado entre minimalismo e construtivismo. Tão cativantes quanto seu som digital, seus ritmos e melodias são hoje, eles foram tão revolucionários e ultrajantes na década de 1970.

Em 2014, Schneider-Esleben recebeu um Grammy pelo trabalho de sua vida.

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