NOVA CARNE PARA MOER – SELEÇÃO DE TEXTOS SOBRE CULTURA POP, ARTE, GRANDES REPORTAGENS, ARTIGOS E ENTREVISTAS

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Cristiano Bastos é jornalista e um episódico colaborados aqui do Floga-se. Autor dos livros “Gauleses Irredutíveis – Causo E Atitudes Do Rock Gaúcho” (2001), “Julio Reny: História De Amo & Morte” (2015), “Júpiter Maçã: A Efervescente Vida E Obra” (2018) e “Nelson Gonçalves – O Rei Da Boemia” (2019), Bastos agora compila o que considera sua melhor produção jornalística no livro “Nova Carne Para Moer – Seleção De Textos Sobre Cultura Pop, Arte, Grandes Reportagens, Artigos E Entrevistas”, pela Zouk Editora (compre aqui)

“O livro tem a proposta de compilar duas décadas de jornalismo exercido pelo autor nos diversos veículos nos quais atuou”, diz o informativo oficial à imprensa.

“Dentre as reportagens selecionadas, estão trabalhos que levaram meses (ou anos) para serem concluídos, como ‘Caça Ao Tesouro’ e ‘Agreste Psicodélico’, que abordam, respectivamente, a história do disco ‘Native Brazilian Music’ (um documento importantíssimo e pouco conhecido da música brasileira) e a trajetória por trás do clássico ‘Paêbirú – Caminho Da Montanha Do Sol’, de Lula Côrtes e Zé Ramalho”, segue.

Há ainda entrevistas e perfis com grandes nomes da música – e não só: Zé Ramalho, Baby Do Brasil, Alceu Valença, Sergio Mendes, Caetano Veloso, Décio Pignatari, Romário, João Donato, Luiz Gonzaga, Nelson Gonçalves e Plato Divorak.

O Floga-se também está no livro, com dois artigos publicados aqui (e dois dos mais lidos do site até hoje): “A Autodestruição de Gia Carangi” e “Marc Bolan, The Godfather Of Punk” – há ainda, publicado aqui o artigo maravilhoso chamado “O Punk Edificado de Guy Debord”..

São vinte anos de jornalismo exercidos por Bastos. A compilação apresenta textos publicados em jornais e revistas como Rolling Stone, Revista da ESPN, O Estado de S. Paulo, Jornal do Comércio, Jornal de Brasília, Revista Brasileiros, Bizz e muito mais, incluindo as revistas franco-brasileira Brazuca, editada em Paris, e da portuguesa Mondo Bizarre.

Aqui, publicamos um trecho autorizado pelo autor sobre o disco “Novos Baianos FC”, terceiro disco de estúdio da banda, lançado em 1973, e tido como um dos grandes álbuns da música brasileira em todos os tempos (dá uma olhada nessa lista massa).

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FAZENDO MÚSICA, JOGANDO BOLA
Publicado na Revista da ESPN, novembro de 2010
(trecho publicado exatamente como está no livro)

“Aos meus olhos bola, rua, campo
E sigo jogando porque eu sei o que sofro
E me rebolo para continuar menino
como a rua que continua uma pelada”

Vivendo no maior estilo bicho-grilo, Os Novos Baianos não faziam apenas música em sua comunidade. No auge do sucesso, criaram um time e um disco intitulado “Novos Baianos F.C.” Entre os adversários, o Botafogo dos anos 70.

O ano é 1973. Auge da ditadura militar. Irmanados em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro, Os Novos Baianos desfrutam renome, popularidade e simpatia desembestados pelo sucesso pop-tropical que “Acabou Chorare” faz em todo Brasil. Gravado um ano antes, o álbum é tido como uma das sublimes obras-primas da MPB. Seu sucessor, “Novos Baianos Futebol Clube”, é o mais próximo que a música chegou do esporte. No campo, a esquadra baiana era formada por Moraes Moreira, Pepeu Gomes e seu irmão Jorginho, Paulinho Boca de Cantor, Luiz Galvão, Baixinho, Charles Negrita, Dadi e Bola. O plantel ainda contava vez ou outra com a escalação luxuosa de alguns craques do profissional. Dentre os quais, lendas do Botafogo como Nei Conceição, Afonsinho e Jairzinho. A sede do clube ficava no sítio Cantinho do Vovô, localizado na Boca da Mata, onde a trupe também ensaiava e vivia em sistema comunitário. No geral, entre titulares, agregados e reservas, a família Os Novos Baianos somava uns 20 “jogadores”. As partidas de futebol eram disputadas religiosamente todos os dias. “Jogávamos como se fosse Copa do Mundo”, conta o dançarino Gato Felix, que também era uma espécie de produtor da banda.

Eventualmente, uma constelação de artistas como Fagner e Paulinho da Viola também abrilhantava as disputas. “Outros iam lá especialmente por causa da música: caso de Caetano Veloso e de Gilberto Gil”, recorda Luiz Galvão, um dos Baianos. À disposição da turma havia dois campos de futebol. O pequeno, do tamanho de uma quadra de futsal, ficava na entrada da chácara, e o maior, com as dimensões da Fifa, pertencia ao Guanabara Esporte Clube de Jacarepaguá, mas, com um jeitinho, estava sempre aberto. “Gozávamos das graças da diretoria. Ficamos amigos do Arnaldo, o presidente do Guanabara na época”. Seja no som ou no futebol, era difícil bater Os Novos Baianos em seu quintal. O maior rival do time era um combinado de Ipanema, que contava com um anônimo Evandro Mesquita. Entretanto, pedreira mesmo era enfrentar o escrete do clube vizinho. “Houve uma vez em que a gente estava perdendo de 1 a 0 para o Guanabara. O Jairzinho, que estava em litígio com o Botafogo, atuou pelo nosso time. Quando ele resolveu jogar viramos o placar para 4 a 1. Foi goleada fácil”.

No auge do sucesso, pintou a ideia (audaciosa para os anos 1970) de conjugar futebol com música numa receita “tipo exportação”. A banda pretendia unir-se a Pelé, que na época vestia a camisa do New York Cosmos, na cruzada de difundir o impopular esporte nos Estados Unidos. Segundo conta Galvão, eles tinham o plano de fazer 15 apresentações em cima de um trio elétrico no intervalo dos jogos do time do Rei. Porém, como naqueles tempos qualquer projeto era difícil de se realizar, Os Novos Baianos não levantaram voo. “Era muita conversa e pouca realidade”, pondera o rubro-negro Moraes Moreira, o primeiro cantor de trio elétrico.

Em 1973, a inovadora música e o amor que guardavam pelo futebol capturaram a atenção de Solano Ribeiro, diretor de vários documentários sobre música brasileira destinados à TV alemã, que resolveu rodar o musical, hoje cult movie, “Novos Baianos F.C.”, cuja realização foi premiada no Festival Europeu de Televisão, na Áustria (veja o documentários na íntegra ao final do artigo). “Eles diziam-se melhores jogadores de futebol do que músicos, o que era um absurdo”, diverte-se o diretor. “Novos Baianos F.C.”, o documentário, é pura música e futebol. Arquitetado por Solano e Galvão, o roteiro é quase uma narração. Inicia assim: “Não é uma família, talvez um time: Novos Baianos Futebol Clube”.

E, lá pelas tantas, esquenta a partida: “Jogo duro não é pelada, como se pensa. O bom é não ir de peito porque o adversário também sabe driblar. O adversário é a vida e a vida é adversa, como fazia Garrincha ao ver o adversário a sua frente. A d’Os Novos Baianos é o drible, é o passe, o chute e a cabeça”. Com frequência, o compositor Paulinho da Viola visitava o Cantinho do Vovô para jogar, fazer som e também ouvir Os Novos Baianos. “Ele nos curtia porque gostávamos de chorinho, e o Jorginho, irmão de Pepeu, era fera no cavaquinho. Paulinho o admirava, mas a juventude da época não estava interessada em choro”, lembra Negrita. O futebol começava religiosamente às 15 horas e ia até às 17 horas, quando a banda A Cor do Som, que acompanhava o grupo, dava os primeiros acordes. “Jogávamos futebol e depois tocávamos mais um pouco. Os Novos Baianos faziam música jogando futebol”, define ele.

Marginalizado no Botafogo, Afonsinho, que na ocasião era pioneiro na luta pelo passe livre, lembra nitidamente ter assistido aos jogos da Copa de 1974 no Sítio do Vovô. “A vida era muito intensa. Os músicos eram apaixonados por futebol, e nós, jogadores, éramos apaixonados por música”. Ele se recorda de ter feito companhia a Paulinho da Viola no dia em que o sambista levou Os Novos Baianos à Portela: “A atitude de Paulinho foi muito avançada. Eram dias em que ‘roqueiro’ não se misturava com ‘sambista'”. O baixista Dadi, que tinha 19 anos na época, conta que, embora não tivessem ido para os Estados Unidos, Os Novos Baianos jogavam bola praticamente em todos os lugares onde faziam shows.

Botafoguense desde pequeno, Dadi saía nas fotos de seu time do coração – do qual era uma espécie de “mascote”. No time d’Os Novos Baianos, porém, ficava sempre na reserva. “Eles não me escalavam! Eram todos uns fominhas”, entrega o baixista quase 40 anos depois. Foi então que Dadi resolveu formar um time rival com alguns amigos cariocas. “A gente sempre ganhava deles. Vão dizer que não, mas sempre vencíamos”. O nome do time era o mais sugestível possível: “Passa Bola Meu Bem”. Enquanto na música a divisão era perfeita, no futebol, entrega Dadi, a panelinha era comandada pelos experientes Galvão (o “treinador”, que, segundo Dadi, jogava um futebol “filosófico”) e Moraes Moreira. Um dos episódios de que mais se orgulha foi ter jogado em seu time de coração “por dez minutos”, ainda que não tenha conseguido nem ao menos tocar na bola. Em 1973, o Botafogo contava com jogadores como Marinho Chagas, Nilson Dias, Edmilson e Ubirajara e, certa vez, foi jogar contra o Novos Baianos F.C. no campo do Guanabara. O Botafogo estava ganhando de 10 a 0. No finalzinho da partida, o lateral alvinegro olhou Dadi – para variar, no banco de reservas – e gritou: “Entra no meu lugar”. “Joguei dez minutos no Botafogo! Só que não vi a bola passar por mim, ela passava zunindo”.

Filho do “poetinha” Vinicius de Moraes, o fotógrafo Pedro de Moraes foi outro “amigo de loucuras” d’Os Novos Baianos. Em 1973 a amizade rendeu um curta-metragem: “A Gente É Isso”. Trata-se de um dos mais importantes documentários sobre a banda. Foi Pedro, aliás, quem fez a capa de “Novos Baianos F.C.”. “Ele madrugou uns três dias para fotografar uma pomba no ninho só para conseguir uma linda foto para o encarte do disco”, rememora Galvão. “Felizes tardes lisérgicas”, diz o fotógrafo. “Tudo era amor e luz. Mas toda semana ‘dançava’ um baiano com a polícia. Nessa hora, para amenizar, rolava muito som, rango, irreverências, sexo, futebol e planos para o futuro”.

Certas vezes, nem a música batia a fome de bola. No auge do sucesso de “Preta Pretinha”, primeiro lugar nas paradas de todo Brasil, recusaram um show ao lado de Michael Jackson… Motivo: futebol. A banda, que na época botava milhares de fãs em seus shows, estava a bater uma bola no Sítio do Vovô quando chegou por lá Gilda Horta, empresária do grupo. Ela vinha acompanhada, recorda Galvão, do empresário dos Jackson Five. “Tivemos de parar o jogo só para atendê-los. Gilda traduziu pra gente as palavras do empresário norte-americano: ‘Eu pago tanto para Os Novos Baianos abrirem o show do Jackson Five’. A quantia era considerável. Mas a gente só queria saber de bola. Acredite se quiser, rejeitamos a proposta dele, agradecemos o convite e o empresário voltou perplexo. Enquanto isso, nós retornamos ao futebol”.

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