O FIM DO REM

“Um homem sábio certa vez disse: a habilidade em ir a uma festa é saber a hora de ir embora. Nós construímos coisas extraordinárias juntos, e agora vamos nos distanciar disso. Espero que nossos fãs percebam que essa não foi uma decisão fácil, mas tudo tem seu fim e nós queríamos fazer isso agora. Nós gostaríamos de agradecer a todos que nos ajudaram a ser o R.E.M. nestes 31 anos. Nossa maior gratidão a quem nos permitiu fazer tudo isso. Tem sido incrível”: Michael Stipe.

“Durante nossa última turnê, e enquanto ‘Collpase Into Now’ era criado, começamos a pensar conosco ‘ o que vem em seguida?’. Trabalhar pela música e memórias por três décadas foi uma senhora jornada. Percebemos que essas canções pareciam desenhar um bom retrato dos nossos 31 anos trabalhando juntos. Sempre fomos uma banda no verdadeiro sentido da palavra. Irmão que se amam de verdade, e respeitam uns aos outros. Nos sentimos meio que prisioneiros nesse lance de não-há desarmonia aqui, sem tropeços, sem advogados esquartejando-nos. Tomamos uma decisão juntos, amigavelmente e com as melhores intenções. Foi a hora certa”: Mike Mills.

“Uma das coisas que sempre foi tão bacanas sobre estar em REM foi o fato de que os discos e as canções que escrevemos significavam tanto pros nossos fãs como pra nós. Foi, e ainda é, muito importante pra nós fazer o certo por vocês. Ser parte de sua vida foi um presente inacreditável. Obrigado. Mike, Michael, Bill, Bertis, e eu caminhamos como grandes amigos. Sei que vou vê-los no futuro, assim como eu sei que verei todos os que nos seguiram e nos apoiaram ao longo dos anos. Mesmo que seja só no corredor de sua loja de discos local, ou em pé na parte de trás do clube: assistindo um grupo de garotos de 19 anos tentando mudar o mundo”: Peter Buck.

As três declarações encerram de vez as atividades de uma das mais importantes bandas da história da música mundial. O REM chega ao fim hoje, dia 21 de setembro de 2011, de maneira inesperada até, meses depois de “Collapse Into Now”, seu 15º disco de estúdio.

O REM é uma daquelas bandas sobre a qual todo mundo deposita um misto de sentimentos muito pessoais, porque ela fez parte da sua vida de uma forma ou outra: esperança, saudosismo, afeto, respeito, admiração… Não há uma pessoa entre 15 e 50 anos (que goste de música) que não tenha sido afetada de alguma maneira pelo trio.

A banda começou, porém, como um quarteto, em 1980, com Michael Stipe (vocalista), Peter Buck (guitarrista), Mike Mills (baixista) e Bill Berry (baterista que deixou o REM em 1997). O local era Atenas, no estado estadunidense da Geórgia. Foi quando descobri que havia outra Atenas fora da Grécia. No mesmo lugar, quatro anos antes, o B-52’s também nascia ali e pra mim aquelas Atenas, em 1984, 1985, era a capital da música boa.

Meu irmão mais velho me apresentou o “Fables Of The Reconstruction”, com o vinil que ele comprou na Baratos Afins, em São Paulo, em 1985. “Maps And Legends” e “Driver 8” eram trilha sonora pra mim após o colégio. A associação era lógica: aquilo era o tal do college rock. Mas eles eram pós-universitários, com integrantes girando em torno dos 25 anos. Tudo bem pra mim, um aborrescente de 12, 13 anos: não havia diferença.

“Driver 8”:

Quando lemos na Bizz anos depois que, na verdade, o grande disco era mesmo o “Murmur”, o primeiro, de 1983, fomos atrás. Mas, pô, a década de 1980 não oferecia Internet e juntar dinheiro pra comprar vinil importado no centro da cidade não era fácil. Não naquela idade, não naqueles tempos de inflação de 30, 40, 50% ao mês. Em alguns casos, era preciso encomendar o disco.

Assim, ficamos sem ouvir as canções do “Murmur” (a não ser quando a Fluminense FM, no Rio; e a 89FM, em SP, tocavam), como “Radio Free Europe” e “Talk About The Passion”, até que editassem a versão nacional da coleânea “The Best Of REM”, em 1991.

“Radio Free Europe”

Antes, porém, já havíamos adquirido a bela coletânea de singles e raridades “Dead Letter Office”, de 1987, que tinha as três coveres do Velvet Underground e a minha preferida, “King Of The Road”, de Roger Miller.

“King Of The Road” (Roger Miller Cover), ao vivo na Alemanha, em 10 de fevereiro de 1985:

Acredite, eu havia odiado “Lifes Rich Pageant”, de 1986, ou pelo menos o pouco que havia ouvido. Mas com o “Document”, de 1987, a coisa ferveu. Ou que outro álbum do REM até então era tão enérgico e tão cheio de hits (pra mim, pra mim…)? “Finest Worksong”, “Disturbance At The Heron House”, “The One I Love” (esse, sim, de fato, o primeiro hit mundial da banda) e o hino dos hinos “It’s The End Of The World As We Know It (And I Feel Fine)”, que meu irmão tratava de conduzir ao posto de “melhor música de todos os tempos”.

“Finest Worksong”

É curioso lembrar dessa época e perceber o quanto o REM já era “grande”. Imagine a cena: não havia Internet, CD, MTV, as rádios tocavam coisa boa, mas pra ouvir REM mais de uma vez num dia era preciso realmente não desgrudar da rádio – com sorte, era possível – e mesmo assim, com essa dificuldade toda, eu tinha dois conhecidos (um do colégio e outro do time de basquete, e ambos não se conheciam) que sabiam a letra de “It’s The End Of The World…” de cor! Ambos aprenderam nas aulas de inglês da Cultura Inglesa (ou CCAA, não sei ao certo). Não consigo imaginar algo mais pop.

Anos depois, quando vi o clipe na MTV, com aquele skate e tals, tudo pareceu fazer ainda mais sentido. Era o melhor clipe de todos os tempos (junto com “Perfect Kiss”, do New Order, versão Jonathan Demme).

“It’s The End Of The World As We Know It (And I Feel Fine)”

Tanto que “Green”, o disco seguinte, já estava mais difundido entre os amigos, inclusive aqueles que gostavam de Iron Maiden e afins. Culpa da 89FM, que assumiu (obviamente) como hino essa musiquinha aí…

“Pop Song ’89”

Curioso. O REM fortalecia o discurso politizado, tirava sarro do mainstream que cada vez mais o abraçava com mãos grandes, e ia ficando mais pop. “Orange Crush” e “Stand” eram figuras carimbadas nas rádios brasileiras. Mas você pode dizer que o coração do disco era essa:

“Get Up”

Foi com a chegada da MTV ao Brasil, via UHF (TV a cabo era coisa de extraterrestre), que o REM passou a se dar bem nos ouvidos da massa daqui. Na verdade, não foi o meio, mas o conteúdo, reforçando a ideia de que o REM não era uma banda comum. A MTV podia até tocar REM, mas não fosse “Out Of Time”, lançado em 1991, três anos depois de “Green”, na primeira pausa na carreira que o grupo deu, e o sucesso seria relativo. Com “Out Of Time” e sua totalidade de hits, o sucesso era real. E estrondoso.

Pela primeira vez, a banda alcançava o topo das paradas pop dos Esteites (além de Austrália, Canadá, França e Inglaterra). “Losing My Religion” era o carro-chefe, mas tinha ainda “Shiny Happy People” (com participação, ora, de Kate Pierson, da conterrânea B-52’s), “Near Wild Heaven”, “Me In Honey” (também com Pierce) e “Radio Song” (com participação especial de KRS-One, que cantava os versos matadores contra a própria indústria que entronava o REM: “Check it out/What are you saying/What are you playing/Who are you obeying/Day out day in?/Baby, baby, baby, baby/That stuff is driving me crazy/DJs communicate to the masses/Sex and violent classes/Now our children grow up prisoners/All their lives radio listeners”).

“Radio Song”

“Me In Honey”

Mas, mesmo alfinetando, o REM tocava cada vez mais nas rádios e na tevê. A mensagem era ouvida, mas não assimilada e Stipe e companhia não podiam dar de ombros. Eles eram parte do que criticavam e tiravam sarro.

A resposta veio na forma do mais sublime álbum de sua discografia, “Automatic For The People”, que mostrava na capa uma lanchonete no meio do nada, que tinha esses dizerem ao fregueses. Se era assim que a audiência queria, então seria assim que as músicas sairiam, como fast food.

Quer dizer, o discurso era esse, porque é difícil imaginar canções mais bem elaboradas e redondas criadas pelo REM do que “Drive”, “The Sidewinder Sleeps Tonite” (uma letra cujo refrão nem o próprio Stipe sabia exatamente o que cantava, mas que pode ser “Call me when you try to wake her up/Call me when you try to wake her”), “Everybody Hurts” (sua “Garota de Ipanema”), “Sweetness Follows”, “Monty Got A Raw Deal”, “Ignoreland” (um recado direto), “Man On The Moon” e a arrepiante “Find The River”. Sempre que eu ouço “Find The River” as glândulas lacrimais resolvem funcionar, principalmente quando ele versa “the ocean is the river’s goal/a need to leave the water knows/we’re closer now than light years to go”.

“The Sidewinder Sleeps Tonite”

“Find The River”

O REM depois disso não fez nada tão exuberante – não pra mim – mas ainda viveu seu auge criativo e de vendas por mais três discos. A década de 1990 foi inteira de “números um” nas paradas inglesa (só “Up” e “Collapse Into Now” não chegaram lá) e européia. Os Esteites deram um tempo com o REM, com exceção do seguinte “Monster”, vendido como a “volta do REM às guitarra” (??!!), que também chegou ao topo das vendas.

“Monster” tem mesmo guitarras cortantes e é impossível não ficar entusiasmado com “What’s The Frequency, Kenneth?”, “Crush With Eyeliner”, “Star 69” e “I Took Your Name”. Ou com a densa “Let Me In”:

Esse é um dos discos que mais lembram meu falecido irmão mais novo. Acho que foi o primeiro ou um dos primeiros CDs que ele comprou. Ainda tenho o disco todo estraçalhado que sobrou do acidente.

Daí, veio “New Adventures In Hi-Fi”, que tem pra mim um peso parecido com o “Automatic…”, mas ainda o trato como um “sub-Automatic…”, sabe-se lá o motivo. Ali tem “Leave”, “Be Mine” e uma das músicas mais sensíveis que o REM compôs, apesar da letra por vezes hilariante:

“Electrolite”

Foi o último disco com Bill Berry. A partir de então, a banda assumiu ser um trio, sem baterista fixo. E veio o desastre “Up”, que tinha, ao menos “Daysleeper” e a “parceria” com Leonard Cohen em “Hope”. A música é bem parecida com “Suzanne”, de Cohen, e o REM resolveu dividir o crédito.

“Walk Unafraid”

A década de 1990 terminou e com ela veio o “admirável mundo novo” da Internet e seus MP3 gratuitos. O REM já era um “dinossauro” perto de Radiohead, Strokes e afins.

O curioso é que embora “Reveal”, de 2001, pouco tenha o que dizer (e pouco tenha efetivamente dito) pra mim, a despeito do estupendo vídeo (e talvez melhor da carreira) “Imitation Of Life”, o disco seguinte foi bastante significativo.

“Imitation Of Life”

“Around The Sun”, de 2004, foi uma das trilhas sonoras do início de relacionamento com a minha esposa. A gente pegava estrada com ele no tocador de CD e se, por algum motivo, ela estivesse chateada bastava colocar “Electron Blue” pra tudo ficar numa boa, pra deixar o ar menos pesado. REM versão terapêutica.

O disco ainda tem outras pérolas ali no meio: “Leaving New York”, “The Outsiders” (com participação de Q-Tip), “Wanderlust” e “The Ascent Of Man”. Além da bela capa, a mais bonita da discografia da banda.

“Electron Blue”

Vi o REM ao vivo em três oportunidades, todas no Brasil. Com a notícia de hoje, do fim da banda, isso pode soar meio uma tiração de onda. Mas não é, embora a primeira, no Rock In Rio de 2011, num show pra dezenas de milhares de pessoas, meio frio, meio distante; e a segunda e a terceira, no Via Funchal, em 2008; tenham ganho agora a merecida estampa de “históricos”.

Estampa que deve durar. O trio é suficientemente digno pra manter a palavra. Se disse que vai parar, deve realmente parar, pelo menos por um bom tempo, ou até uma ocasião muito especial. E acho que parou a tempo de evitar virar imitação de si própria, como o Rolling Stones ou o U2, ou qualquer anomalia musical. Até nisso foi grande.

Que o REM vai deixar saudades, vai. Mas, ora, quinze discos é um bom legado pra que alguém fique choramingando por isso. Bateu saudade, vai lá e ouve. É tanto como a vida, mas com ela, não dá pra pular a faixa ou trocar de disco. Ela é mais difícil. Com o REM, só era mais prazerosa.

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Comentários

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5 comentários

  1. Fê, vc é foda! q texto bacana!!!!
    Lembrei de várias coisas, uma delas foi da nossa frustrada viagem p/ S, Tomé das Letras, qdo só choveu e não fomos mais longe q Lambari. Nessa viagem portava meu walk man e a trilha era a tal coletânea do REM q tinha Driver8.
    Depois me lembro de ter te falado do New Adventures in HiFi e vc disse q não gostava muito, etc e um belo dia vc vira e fala algo do tipo, “poxa vc tem razão, é um belo CD… Eletrolite é legal mesmo…” etc etc…
    Esse CD era minha trilha sonora qdo morei na italia… no pub q trabalhava tocava toda noite… bem, daí foram várias lembranças…
    Muito bom mas como diz o poeta, q seja eterno enqto dure!!!

    Bjs e parabéns!

  2. Parabéns pelo texto. Não pude deixar de me emocionar ontem quando li a notícia no site deles. Não deixo também de admirar os três velhinhos pois qualquer outra banda teria lançado este último disco anunciando o fim da banda para alavancar as vendas do Collapse(que pra mim é um grande disco). Aliás o R.E.M. é uma banda que faz muita caridade, ajuda muitas pessoas (aquele negócio que o U2 acha que está fazendo) mas ninguém fica sabendo porque eles fazem isto pelas pessoas e não para que o mundo saiba disso, ao contrário do Sr. Bono.

    Sou fã desde o primeiro disco e por sorte durante os verões eu sempre conseguia piratear alguma fita K-7 com os discos deles, me lembro de mostrar o som deles para meus amigos e todo mundo torcendo o nariz até que saiu o Out of Time e dae todo mundo abraçou e ainda tentou me apresentar a banda que 5 anos antes eu tinha tentado apresentar, sem sucesso.

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