OS DISCOS DA VIDA: FIREFRIEND

Eu simplesmente não entendo, embora faça um certo esforço pra tal, como uma banda do calibre da FireFriend não vira uma mega-super-hiper-culto, com direito a shows por todas as bibocas e por todos os bons palcos do país, e legiões de fãs a seguindo. Há algo de estranho com os ouvidos da humanidade.

Senão, um disco espetacular como “99 To 666 Ts Street” deveria substituir as bíblias no criados-mudos de todos os quartos. Ok, estou exagerando agora, mas é pra reforçar mesmo o quão fora da curva é a produção recente do quinteto diante da média nacional.

O curioso é que a banda tem uma produção de nível internacional e não joga com o mesmo esquema de super exposição que a Internet proporciona – e que abriria de vez as fronteiras internacionais – como as outras bandas nacionais fazem, abraçando esse esquema com todas as suas forças. Talvez porque a FireFriend seja na dela, goste de ficar na miúda, fazendo seu trabalho e pronto. Sorte daqueles que esbarrarem com ela.

Se você já teve o prazer de se deparar com a música barulhenta, cheia de distorções, guitarras e tals, percebeu que “Kill All Indies” não é um título (de música) à toa. Nessa edição de “Os Discos da Vida”, o quinteto corrobora essa percepção. Não há espaço pra indie bands festivas, perfumadas, adocicadas. O gosto de cada um dos integrantes foi moldado com “John Coltrane, Black Gold 360, Velvet Underground”, como eles mesmo dizem, na página deles no Facebook, e com muitos outros índices de loucura, artistas provocativos e discos definitivos.

O FriFriend não é a bela banda que é por nada.

YURY HERMUCHE (guitarra e vocal)

Velvet Underground – “White Light/White Heat” (1968)
Um desses discos selvagens que são tão estranhos e importantes e ao mesmo tão simples e complexos que você pode ouvir mil vezes e ainda sim se perder. Parece que nada se encaixa e tudo está fora de lugar… Mas é só você que ainda não entendeu nada. Foi aqui que aprendi definitivamente a amar todos esses barulhos e ruídos e microfonias. As letras e os personagens do disco são um pesadelo que você talvez não queira viver, mas sabe que certamente são viscerais e mais reais do que os de qualquer musiquinha radiofônica por aí. É o segundo disco do Velvet e tem apenas seis músicas, todas fundamentais.

Ouça “Lady Godiva’s Operation”:

Velvet Underground – “Velvet Underground And Nico” (1967)
Este primeiro disco do Velvet ensina como você pode seguir, contra tudo e contra todos, o seu próprio caminho. Foda-se que não curtem o que você está fazendo. Você não está fazendo isso pelos outros. Você está fazendo isso por você. E você faz isso com tudo o que tem em mãos. Mesmo que isso seja apenas sua guitarra e os dois ou três acordes que você sabe. Este disco mostra uma criatividade assombrosa pra lidar com limitações técnicas, onde aquilo que alguns chamam de “deficiências” é transformado em assinaturas tão originais que clássicos como “Venus In Furs”, “Heroin” e “Waiting For The Man” são até hoje insuperáveis em tantos sentidos. O disco todo é um encontro sinistro entre forma e conteúdo: onde perversão, sexo, talento, violência, drogas, dissonâncias, cinismo e ironia se misturam de tal maneira que até então (1967) era desconhecida em LPs.

Ouça “Heroin”:

Sonic Youth – “Washing Machine” (1995)
Eu adoro este disco. Adoro especialmente porque ele tem texturas e padrões realmente hipnóticos, as músicas são quase paisagens, parece que vão a muitos lugares e a lugar nenhum. É um disco muito sutil. De 1995… Depois dos grandes clássicos do Sonic Youth, depois do grunge, depois do suicídio de Kurt Cobain, encontramos uma banda realmente madura, ciente dos altos e baixos, talvez mais livre da ansiedade por hits, e por isso explorando mais sonoridades, menos fórmulas pop de três minutos etc. É um disco pra ouvir com atenção.

Ouça “Little Trouble Girl”:

John Coltrane – “Ascension” (1966)
Coltrane não é o próprio caos. A aparente cacofonia deste disco também não é mera ilusão. Onde não há ordem nenhuma, também não deve haver muita confusão. Mas Coltrane e sua banda tocando, todos ao mesmo tempo, com seus cinco saxofones, dois trompetes, dois baixos, piano e bateria, é como um grande incêndio. E você está bem no meio disso tudo, entre seus dois ouvidos. Você pode tentar fugir, mas são quarenta minutos para chegar do outro lado. Então você ouve e logo descobre que está sendo levado em todas as direções possíveis, simultaneamente. E gosta disso.

Ouça “Ascension” (trecho de dez minutos):

Spiritualized – “Ladies And Gentlemen We Are Floating In Space” (1997)
1997 foi um ano excelente pro rock e é de lá que vem este disco tão moderno e ao mesmo tempo tão devedor de certa música produzida até então (trance, MC5, gospel, blues etc). Foi o primeiro disco que ouvi da banda. E também foi o que mais ouvi. Uma parte realmente visceral, outra parte totalmente calculada, orquestrada, ensaiada, elaborada, editada e sempre intensamente emocional. Além disso é um disco com arranjos e orquestrações formidáveis. Acho que o ponto alto do disco é “I Think I Am In Love”, onde vocal e coro chocam-se no conflito eterno entre a sua percepção/devaneio (vocal: “Think I can Fly…”) e o mundo real ou a percepção dos outros (coro: “Probably just falling”).

Ouça “I Think I’m In Love”:

JULIA GRASSETTI (baixo e vocal)

Led Zeppelin – “Led Zeppelin I” (1969)
Led é minha primeira banda preferida desde os 13 anos de idade, época em que escutava todos os discos quase que diariamente. “Led I” tem o rock and roll de “Communication Breakdown”, a psicodelia de “Dazed And confused” e o blues de “You Shook Me” e “I Can’t Quit You Baby”. “Led Zeppelin I”, “II”, “III”, “IV” etc têm groove e peso. Pra mim, é A banda blues rock da Inglaterra.

Ouça “I Can’t Quit You Baby”:

Black Sabbath – “Sabbath Bloody Sabbath” (1973)
Pesado, agressivo, irritante e lindo. Simplesmente um disco pra ouvir muito, mas muito alto. De preferência, escute um LP em um som antigo, com aqueles belos botões de verdade de grave, médio e agudo. Fuja de qualquer aparelho de som novo que possua “função DJ”.

Ouça: “Sabbra Cadabra”:

The Brian Jonestowm Massacre – “Aufheben” (2012)
Minha segunda banda preferida de todos os tempos. A banda começou lá no início dos anos 90, e de lá para cá não parou de fazer discos, todos excelentes. São cerca de 20 albuns (dos quais eu tenho a maioria em LP). E cada um é diferente entre sim, com identidade própria. Assim, fica difícil escolher o melhor, pois todos são ricos e apresentam um colorido diferente. Escolhi “Aufheben” por ser o mais recente, lançado agora em maio. Foi todo gravado e mixado no home studio de Anton Newcombe, que disponibilizava também ensaios e gravações ao vivo no YouTube e em seu programa online, o “Dead TV”. Anton não faz música pra agradar ninguém, faz o que acha que é bom e pronto. E o melhor de tudo, é que sempre agrada.

Ouça “Viholliseni Maalla”:

My Bloody Valentine – “Loveless” (1991)
A primeira vez que ouvi “Loveless” achei estranho, muito estranho, e pensei “puxa, devem ter feito esse disco rápido, com poucos recursos”. Fiquei chocada quando me explicaram “se liga, eles quebraram uma gravadora com esse disco!”. Aí ouvi mais uma vez, e depois mais uma, e depois mais centenas de vezes. Era demais. Músicas doidas, diferentes. E todo aquele noise e harmônicos que permitia que você encontrasse sons diferentes toda vez. Era possível interpretar todo aquele ruído de diversas formas, você podia construir sua própria forma de ouvir cada música. Viciei.

Ouça “Loomer”:

Type O Negative – “Bloody Kisses” (1993)
Acho que o restante da banda vai ficar chocada com essa minha declaração: eu adoro Type O Negative. Gosto do clima, da sonoridade e do bom humor. Eles tiram uma grande onda dessa coisa vampiresca, com ótimos arranjos e melodias. Já me inspirei muito nas melodias de seus backing vocals (que por sua vez são totalmente inspirados nos Beatles). Não é uma banda pra se levar a sério, mas ainda hoje acho uma delícia ouvir o soft cover de “Summer Breeze” à noite, no fone de ouvido.

Ouça “Summer Breeze”:

PABLO ORUÊ (bateria)

Smashing Pumpkins – “Mellon Collie And Infinite Sadness” (1995)
(N.E.: Pedro não escreveu nada sobre este disco)

Ouça “Bullet With Butterfly Wings”:

“Todos do Radiohead”
Me influenciaram muito, pois era uma época que eu já andava de um lado e pro outro de discman. (N.E.: como Pedro não escolheu nenhum em especial, o Floga-se publica o primeiro, “Pablo Honey”, de 1993 – nenhum motivo em especial, a não ser o fato de ser o primeiro)

Ouça: “Stop Whispering”:

Queens Of The Stone Age – “Songs For The Deaf” (2002)
Mudou minha forma de ouvir a bateria no rock. Tudo muito mais simples, pesado e certeiro.

Ouça “Go With The Flow”:

Yo La Tengo – “I Can Hear The Heart Beat As One” (1997)
Ouvi demais: fase de ouro da minha vida e dos meus pensamentos juvenis.

Ouça “Sugarcube”:

The Verve – “Urban Hymns” (1997)
Ouvi pra caralho em 1997: acho uma puta obra de arte do britpop.

Ouça “Lucky Man”:

CACÁ AMARAL (guitarra)

John Coltrane – “Olé Coltrane” (1961)
Desde 92, quando eu ouvi esse disco pela primeira vez, passei a acreditar em algo que se pode chamar de Deus.

Ouça: “Olé”:

Lou Reed – “Transformer” (1972)
O que existe por baixo do lado peixe de uma sereia? Pode ser algo fálico ou música.

Ouça “Perfect Day”:

Pink Floyd – “The Piper At The Gates Of Dawn” (1967)
O cara toma ácido por três anos e fica doido pra sempre. Esse disco pode fazer você sentir algumas das viagens do Barret.

Ouça “Lucifer Sam”:

Neil Young – “On The Beach” (1974)
Simples, belo, triste e generoso.

Ouça “Revolution Blues”:

Radiohead – “In Rainbows” (2007)
Esse disco pra mim ficou um pouco ofuscado pela aquela coisa do “pague quem quiser”. Muito das freqüências também desaparecem no MP3. Experimente ouvir em vinil. Você pode tocar violino na bateria… A guitarra é um instrumento que por mais diferente que você faça, já fizeram! Ou seja, já foi explorada à exaustão. Podemos então usá-la como meio e não como um fim em si mesma. Os pedais definitivamente não são processadores ou emuladores de efeito, são instrumentos complexos que passam a ter papel principal na composição.

Ouça “House Of Cards”:

JUDAZ MALLET (guitarra)

The Cult – “Love” (1985)
Foi um dos primeiros discos que ouvi como “álbum”, do início ao fim, várias vezes, em LP, quando criança. Era um dos que meu pai e meus tios gostavam, e eu adorava, foi quase lavagem cerebral, diz muito do meu jeito de tocar. Se estiver deprimido, ou sem vontade de porra nenhuma, é só ouvir esse disco, levanta na hora, remédio instantâneo. E olha que o Cult nem é uma das minhas banda preferidas, mas esse é um disco que ouço muito.

Ouça: “Rain”:

The Rolling Stones – “Aftermath” (1966)
É o disco que mais gosto dos Stones, da década de 60 – e de 66, mesmo que nesse ano tenha uma porrada de coisa boa. É Stones com lirismo, inteligência, sarcasmo, rock, blues, psicodelia… Um ano antes da afetação geral de todas as bandas.

Ouça “Lady Jane”:

Led Zeppelin – “Led Zeppelin IV” (1971)
Nunca vou enjoar, nem mesmo de “Stairway To Heaven”. Até hoje entro em êxtase com os overdubs de guitarras que o Jimmy Page fez nesse disco. Se toca alguma no rádio eu aumento o som, abro as janelas, canto e toco todos os instrumentos sem parar de dirigir. É o Led Zeppelin na melhor embalagem, pronto pra degustação.

Ouça “Going To California”:

Guns N’ Roses – “Appetite For Destruction” (1987)
É o melhor disco no quesito “sexo, drogas e rock’n’roll”. Hard rock sujo, verdadeiro, assumido, urbano, agressivo, pra boys and girls, bom de “Welcome To The Jungle” até “Rocket Queen”.

Ouça “Welcome To The Jungle”:

Queens Of The Stone Age – “Songs For The Deaf” (2002)
Amor à primeira vista, é a banda em seu momento mais perigoso, é blues, é punk, é metal, é stoner, é ambient, é Black Sabbath, é o Dave Grohl trazendo com suas mãos abençoadas o que banda tem de melhor, além de eu também adorar a masterização do disco.

Ouça “Gonna Leave You”:

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Tom Leão”.

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