PAULINHO DA VIOLA NO SESC PINHEIROS – 1º DIA – COMO FOI

“Tinha eu 14 anos de idade / Quando meu pai me chamou / Perguntou se eu não queria / Estudar filosofia / Medicina ou engenharia / Tinha eu que ser doutor / Mas a minha aspiração / Era ter um violão / Para me tornar sambista / Ele então me aconselhou / Sambista não tem valor / Nesta terra de doutor”.

Paulinho da Viola começa sua série de quatro dias de apresentações no SESC Pinheiros (de quinta, 9 de abril de 2015, a domingo, 12) de uma maneira sugestiva. Se a ideia é comemorar os cinquenta anos de carreira, nada mais significativo do que dar o pontapé inicial com “14 Anos”, samba curto e lento, e que relata o suposto conselho que seu pai lhe dera na adolescência.

Não era um conselho de um pai desnaturado, desses que acham que todo artista é vagabundo. Benedicto Cesar Ramos de Faria, pai de Paulinho da Viola e funcionário público, era um exímio violonista do grupo Época De Ouro. Seu filho tinha 14 anos em 1956 e, nessa época, Benedicto sempre recebia em casa nomes essenciais do choro, como Jacob do Bandolim (autor de uma das músicas mais bonitas de todos os tempos) e Pixinguinha.

Paulinho não ignorou os conselhos por completo. Chegou a estudar Economia, e foi trabalhando num banco que conheceu Hermínio Bello de Carvalho, que viria a ser parceiro seu em várias músicas. Hermínio o convenceu a sair do banco pra não virar um burocrata frustrado. Paulinho passou a ir ao Zicartola com frequência, largou o emprego e tudo mudou.

No palco do SESC, sozinho na interpretação do pout-pourri com “14 Anos”, “Coração Vulgar” e “Coisas Do Mundo Minha Nega”, apenas com seu violão e uma multidão a sua frente, ele pode ter pensado que a vida lhe ajustou muito bem as oportunidades e escolhas, pelo visto, acertadas. Virou “doutor”, mas de samba, de choro, de música popular. E, principalmente, de estilo.

Seu jeito calmo e sereno, fazendo as coisas lentamente, sem pressa, exala uma classe que inverte o preconceito geral do sambista largado, malandro, mulherengo, bêbado e boa-vida. Talvez ele até seja tudo isso na sua intimidade, não importa a ninguém que as pessoas sejam assim, mas ele não faz a menor questão de exteriorizar isso pra sua música.

E, ao contar algumas histórias da sua carreira – histórias já conhecidas, é verdade, mas que contadas por ele, com seu jeito tranquilão, continuam com o frescor da primeira vez – Paulinho da Viola encanta o público e solta uma divertida cortina de fumaça a encobrir os problemas técnicos que a banda estava enfrentando no início do show: som baixo, microfonias, microfones falhando e instrumentos fora da afinação.

Ele conta a história de seu samba exaltando a Mangueira (em parceria com Hermínio), “Sei Lá, Mangueira”, e todos riem. Essa história, mais à frente, terá ligação com seu maior clássico, “Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida”, em homenagem à Portela, que foi a música mais executada no ano de 1970 em todo o Brasil e que o projetou nacionalmente, mais até do que o megasucesso “Pecado Capital”, abertura da novela de mesmo nome da Rede Globo, em 1975.

Se há um problema no show é que ele poderia ser mais cronológico (é um espetáculo comemorativo, oras), com exceção da pertinente abertura com “14 Anos”, e com Paulinho contando mais histórias. Ele é um ótimo contador de histórias.

Há tentativas disso, como quando canta “Botafogo, Chão De Estrelas”, pra dizer que nasceu em Botafogo. Entretanto, o roteiro geral não alinha a trajetória do artista com muito clareza. Mas isso não diminui o valor, afinal qualquer que seja a ordem, as músicas são deliciosas e isso basta.

Por conta da força (da beleza, da leveza, da classe) das canções, parece que Paulinho se apoia nisso e vai meio no automático. Bem… ele já tem quase 73 anos, ninguém espera dele grandes ousadias. Mesmo assim ele apresenta algumas, como em “Sarau Para Radamés”, com uma impressão jazzística estimulante, e a longa homenagem aos sambistas do passado em “Bebadosamba”, com o desafio deixado a sua filha, Beatriz Faria, no vocal de apoio, enquanto metade da banda improvisa e outra metade mantém a base.

Foram vinte e duas canções, algumas eram sucessos absolutos, outras nem tanto. No bis, após aclamação geral da plateia, mais três números, incluindo a nó-na-garganta “Sinal Fechado” e encerrando com o maravilhoso choro “Um Sarau Para Raphael”.

Paulinho da Viola, com sua classe e elegância, com suas letras falando de amores perdidos e achados, é o Leonard Cohen do samba (ou Leonard Cohen é o Paulinho da Viola do rock). Com a idade vai ficando melhor – falta só voltar a gravar, como Cohen.

O mundo precisa de mais elegância e de mais Paulinho da Viola. É no samba, na música, no palco que ele mostra que é mestre. Ou melhor, doutor.

01. 14 Anos / Coração Vulgar / Coisas Do Mundo Minha Nega
02. Botafogo, Chão De Estrelas
03. Jaqueira Da Portela
04. Prisma Luminoso
05. Recomeçar
06. Ruas Que Sonhei
07. Dança Da Solidão
08. Onde A Dor Não Tem Razão
09. Sei Lá, Mangueira
10. Para Um Amor No Recife
11. Tudo Se Transformou
12. Inesquecível
13. Pecado Capital
14. Ame
15. Recado / Rosa De Ouro / Argumento
16. Roendo As Unhas
17. Sarau Para Radamés
18. Retiro
19. Bebadosamba
20. Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida
21. Coração Leviano
22. Timoneiro

BIS
23. Não Quero Mais Amar A Ninguém (Cartola e Carlos Cachaça)
24. Sinal Fechado
25. Um Sarau Para Raphael

Foto que abre o post: Facebook do SESC Pinheiros

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