PENSE OU DANCE: AO VIVO, UMA EXPERIÊNCIA

Em 1987, fui ao show do Echo & The Bunnymen em São Paulo, no Palácio das Convenções do Anhembi. Eu era bem jovem e não trabalhava ainda, de modo que o pouco dinheiro que recebia do meu pai foi economizado por meses até que eu pudesse comprar o ingresso de pista, que custava quinhentos cruzados, se não me engano.

Foi um show espetacular. Inesquecível. Daqueles que considero o top cinco da minha vida.

Leve-se em conta, claro, a idade e o deslumbramento que a pouca maturidade e nenhuma experiência anterior concedem. Por outro lado, não lembro de matéria nenhuma ou crítica negativa sobre o show. Deve ter sido, em realidade, um evento e tanto.

O Echo & The Bunnymen voltou ao Brasil outras zilhões de vezes, uma delas bem recentemente, em 2014 (leia aqui), e se mostrou bem criativo, eficiente e divertido no seu mais recente disco, “Meteorites”, também de 2014 (leia resenha aqui). Mas em nenhuma dessas vezes o sentimento foi tão arrebatador como em 1987.

Muitos motivos explicam tal sensação: estou quase três décadas mais velho, com muitas outras preocupações e prioridades além de juntar dinheiro pra shows; já vi algumas centenas de bandas, artistas e shows pelo mundo, de modo que experiências tornam-se cada vez mais difíceis de se mostrarem únicas e inéditas, elas são só “mais uma experiência”; e a oferta hoje é muito, muito, mas muito maior do que em 1987.

Se antes vibrávamos com o anúncio de um artista internacional por aqui era porque realmente era uma raridade tê-los por cá. Agora, é corriqueiro nos depararmos com uma agenda farta de opções – não a agenda ideal ainda, mas bem mais farta se comparada com a década de 1980. Os jovens de hoje são mais afortunados nesse sentido, e que façam bom proveito.

Mas seguir essa agenda farta custa. Se em 1987 eu precisava juntar dinheiro pra um show apenas, porque havia apenas um show (ou perto disso), hoje em dia a coisa é mais concorrida e demanda mais dinheiro e disponibilidade de tempo do público.

Num mundo com cada vez menos fronteiras e tecnologia mais avançada – o que barateia viagens internacionais, transporte de equipamentos, comunicação e divulgação – os custos não diminuíram como se esperava, ao contrário. A economia global vive na corda bamba, investir com oscilações de câmbio e mercado é sempre um risco grande e o reflexo se dá nos altos preços praticados nos ingressos brasileiros.

Pobres dos jovens de hoje, que se vêem num mercado de trabalho mais competitivo, e cujos pais têm renda mais apertada. O dinamismo da sociedade tem seus revezes.

Além do mais, a tecnologia diminuiu o mercado de venda física de música, de modo que os artistas precisam circular mais, tocar mais ao vivo, pra fazer uma grana qualquer. Não dá pra viver de venda de discos, venda de música etc. Shows são uma saída, mas não há espaço pra todos. O mercado de música ao vivo cresceu porque ninguém pode fazer o download da experiência que é ver seu artista preferido ao vivo. É preciso estar lá. E pagar por isso.

Você até pode ver um show sendo transmitido pela Internet lá da Espanha, da China, do Japão, mas nunca é a mesma sensação de estar no meio do público, sentido a música bater no peito, as gargantas cantando junto com o artista, o calor do momento. Shows valem mais do que uma bolacha de vinil ou uma música no seu tocador de MP3. Porque são experiências.

É um pedaço da indústria musical que resiste e talvez vá resistir firme e forte e crescendo sempre, porque sempre existirão jovens a viver a primeira experiência e marmanjos querendo reviver os bons momentos da juventude.

Há muita oferta e isso é bom. Quando se trata de artistas gringos, o público ainda virgem dessas experiências fará de tudo pra estar lá e participar. Pode reclamar do valor do ingresso, mas vai dar um jeito de estar lá. Não participar, nos tempos de redes sociais e todo mundo checando, não é uma opção válida.

Mas quando se trata de artistas menores, pequenos, do subterrâneo, essa super oferta é prejudicial. Pra começar, por menor que seja o valor do ingresso pra ver sua banda (que seja de graça!), o tempo ainda é uma commodity, e dificilmente alguém vai gastar seu tempo vendo uma banda que não conhece, porque socialmente não há experiência alguma embutida nesse ato.

Há quem considere conhecer bandas novas uma experiência, mas o tamanho diminuto e cada vez menor desse mercado dá uma ideia de quantas pessoas consideram isso uma experiência.

É cruel dizer pra um artista novo que ele não vale nada em termos de mercado – por melhor e mais instigante que seja sua música – mas diante de uma plateia de meia dúzia de gatos pingados, não importando o preço do ingresso, essa é a realidade.

A culpa é do sistema como está, claro, que também apresenta uma enorme concorrência – hoje, qualquer um pode plugar seus instrumentos e gravar um disquinho no computador, publicando num Bandcamp, que tudo bem. Não há um ritual de expectativa por essa obra que atraia o público. E não há imprensa que seja aceita como filtro, que tenha credibilidade, que se disponha a falar sobre o subterrâneo.

A democratização é incrível nesse sentido: qualquer um é um artista em potencial e pode ser feliz com isso, se não tiver pretensões maiores, muito menos se intencionar viver disso.

Pois bem: nos subterrâneos da música, há quem queira viver disso, se esforce ao máximo, faça sua música girar, consiga atenção, mas não saiba como ampliar seu público, muito menos como monetizar. Numa agenda de shows já farta com a desigual concorrência gringa, como chamar atenção pros shows da sua banda nanica? Como fazer deles uma experiência atraente, válida, valorosa? Na maioria esmagadora dos casos, não se sabe como. Divulga-se no Facebook e dá-se por satisfeito.

Muita gente potencialmente público de tal evento nem fica sabendo, não vai, não consome. É um mundinho olhando pra si mesmo e se dando por feliz. É um problema? Pra quem tá de fora, não: o que não tem valor entra na caixinha do “tanto faz”.

Cada um assume a postura que lhe é válida como princípio moral, mas em tempos em que o mercado da música tem nos shows o porto seguro pra fazer o dinheiro entrar no bolso, é um contrassenso não trabalhar melhor essa fatia.

Tornar sua apresentação uma experiência atraente é o grande ponto de interrogação que toda banda do subterrâneo (que queira ser ouvida) deveria carregar.

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