PENSE OU DANCE: ATRASO, UM DESRESPEITO HEDIONDO

Ok, a maior briga do público brasileiro é com o preço dos ingressos no país. É uma briga justa, mas atacam o alvo errado. Porém, sobre isso, falarei em outra oportunidade. Há um outro problema, por ora, que merece ser discutido: os atrasos dos inícios dos shows e o consequente desrespeito ao público.

Sexta-feira passada, fui ao show do Tokyo Police Club, no Upperclub, evento que prometia redimir os canadenses da fraquíssima e deslocada apresentação feita quando da festa de uma marca de uísque. Estava tudo certo pra isso.

Na teoria, os fãs bancaram o projeto, numa espécie distorcida de “financiamento coletivo” (era, na prática, “venda de ingressos vip com antecedência”). Finalmente, a banda faria uma apresentação pra seus fãs. Mas não foi bem assim. Havia a tal da pista vip, que afastava em pelo menos vinte metros os verdadeiros fãs do palco e do grupo. Na vip havia jornalistas, blogueiros e uma quantidade enorme de bem-nascidos paulistanos que estavam ali pela bebida grátis, pela azaração e pela banda de abertura, uma tal de Aliados (talvez a coisa mais horrorosa que já vi tocar ao vivo).

A Aliados tem um fã clube com boa garganta e pulmões, que cantava todas as músicas, pulava, aplaudia e se comportava como um fã entorpecido de micareta. Nada contra, afinal todo mundo tem direito de gostar do que quiser. O curioso é que só na pista vip se via gente cantando e curtindo o Aliados. Do isolamento da pista comum o que se via eram muitos espaços vazios e uma garotada impaciente esperando o Tokyo Police Club.

A Aliados estava marcada pra subir ao palco às 22:30h, meia hora depois da abertura da casa. Mas começou o show a meia-noite e tocou, pasme, durante uma hora (ou mais). O Tokyo Police Club subiu ao palco uma e meia da manhã.

Vou repetir: uma e meia da manhã. E me corrija se eu estiver errado, embora não faça diferença se foi a uma e meia ou a uma da manhã. Pobres fãs. Era visível, na cara deles, o cansaço e a impaciência. Espero que tenha valido a pena.

Mas o que aconteceu ali não foi um caso isolado. Foi a mesma distorção que ocorre em quase todo evento musical “pro público jovem”, fora de festivais, que se tem notícia na cidade de São Paulo (obviamente, o fenômeno se repete em outras capitais, mas vamos se ater ao modo paulistano de se ferrar): show não é exatamente show, é balada; a apresentação da banda é consequência, só pra, digamos, preencher a noite. O principal é a pegação, a balada e tals.


Tokyo Police Club: show ou balada?

O caro e raro leitor poderá me advertir quanto o viés conservador do argumento, mas veja: se você compra um ingresso pra ver uma banda às 22:00h, espera que consiga ver o show nesse horário, tomar seus drinques e voltar de transporte público, já que de carro você poderá ser multado, preso ou o diabo a quatro.

São Paulo não é exatamente uma cidade como, digamos, Barcelona, onde às sextas e sábados, o metrô funciona vinte e quatro horas, oferendo alternativa de transporte. Uma hora da manhã, babau, já era metrô; ônibus, em muitas regiões, é inexistente, quando não perigoso ficar num ponto esperando por eles. Carro a legislação tratou de proibir, após o consumo de álcool. E táxi é em São Paulo um dos mais caros do mundo.

Como o dono de todo estabelecimento faz de tudo pra ganhar em duas frentes, na venda de ingressos e no consumo no bar, criou-se esse monstro. Por conta disso, atrasa ao máximo o show. Quanto mais tempo a pessoa ficar bebendo, mais cheia fica a comanda, maior a conta.

O público, por sua vez, também tem enorme culpa no cartório. Muita gente chega tarde porque fica bebendo antes, pra não ter que gastar na casa de espetáculos; ou por causa do trânsito mesmo, que quase sempre é imprevisível; ou por costume, por ter se decretado que antes da meia-noite “é muito cedo”.

Há poucos meses, queria muito ver o show da Loomer. Fui ao Urban Lounge, ali na Lapa. De acordo com o anúncio, a primeira banda, a Single Parents, tocaria às 22:00h. Pois bem, nesse horário ainda havia gente passando som e a casa nem havia aberto ainda, o que só ocorreu às 23:30h. O público começou a chegar meia-noite, meia-noite e meia. A Loomer entrou no palco quase às três da matina. Nessa hora, caro e raro leitor, depois de uma sexta-feira puxada de trabalho, não há corpo que aguente. Nem paciência. Perdi o show.

Sorte minha que a Loomer é uma banda nacional. Volta e meia poderei vê-la em ação. Mas o Tokyo Police Club, é canadense e por pior que seja – não me irritou o fato de eu ter que ir embora já na segunda música, por causa de um compromisso no sábado bem cedo – fica mais difícil encontrá-lo na agenda novamente.

A qualidade do show não importa, na verdade. O desrespeito que as casas noturnas têm com o público nesse sentido é hediondo. Show é show, balada é balada. É simples assim. Ou, por outra, que avise que o show vai começar às duas da matina – e que assim ocorra. Consegue imaginar um cinema começar a sessão com uma hora de atraso só pra vender mais pipoca?

Um amigo me contou que sua banda ia tocar numa casa famosa na Rua Augusta. Era uma terça-feira. Por conta de atrasos, a banda subiu ao palco perto das três da manhã. Tocou pra meia dúzia de amigos. O resto havia voltado pra programação normal: dormir pra acordar cedo no dia seguinte e trabalhar.

É desrespeito com a banda, é desrespeito com o público, é desrespeito com a lógica.

Há exceções e, no caso, bons exemplos. Nos SESCs, a programação é seguida à Suíça. Não sei se a venda de cerveja na choperia do Pompeia, por exemplo, se dá em números deprimentes. Basta olhar ao redor num show ali: é certo que não. Nos festivais, por conta de patrocinadores e, principalmente transmissão ao vivo pela televisão, não se pode atrasar, porque tempo é dinheiro (há atrasos em festivais, mas eles ocorrem porque o imponderável nesses casos é quase regra, entretanto o esforço é pra que eles nunca aconteçam). No resto, incluindo grandes casas de espetáculo de grifes famosas, é o samba do crioulo-doido.

Eis que organização nunca é demais, principalmente quando se trata de apresentações de bandas nacionais. Com essas, o estrago de transformar um show em balada é maior, porque afasta o público curioso, que certamente não se confunde na totalidade com o público baladeiro. A formação ou consolidação de uma “cena alternativa” também passa por aí. As casas noturnas precisam achar uma solução, um equilíbrio. E o público precisa mudar a mentalidade e ajudar a moldar horários decentes.

Música ao vivo deve ser tratada como arte, como negócio ou como uma diversão. Ou como os três. Nunca como um detalhe qualquer.

Leia mais:

Comentários

comentários

5 comentários

  1. Atrasos de 1 hora ou mais são coisas bizarras. Ainda mais em se tratando de shows de bandas internacionais, o que em tese seriam eventos de maior relevância.

    Atrasos só desvalorizam o evento e depreciam a qualidade do espetáculo. Não sei o que entra na cabeça desses produtores que não se empenham em valorizar o próprio evento.

    E… “evento” não é só o “Eu vou” do Rock in Rio, mas também tratar bem o espectador que é a razão do evento existir.

  2. […] Primeiro, a paciência foi pro saco por causa da falta de respeito com o lance do horário. No site da casa, dizia-se que o show começaria as 23:00h. Ok, estavam segurando um pouco, a galera estava chegando ainda, mas, pra quem nem era fã, o atraso desanimou – e foi um grande atraso, já que a banda só entrou lá pela 1:00h. É muito difícil cumprir horários aqui no Brasil? O Floga-se já deu sua opinião sobre esse desrespeito e falta de bom senso. […]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.