PENSE OU DANCE – EXALTAÇÃO À IGNORÂNCIA

Quando surgiu a notícia da morte trágica, por acidente de automóvel, do cantor sertanejo Cristiano Araújo, muita gente das linhas do tempo das minhas redes sociais se antecipou em perguntar “de quem se trata?”.

Pois é, eu também não fazia ideia. Não conhecia e creio que nunca ouvi uma música desse sujeito que, com sua morte, instantaneamente causou uma comoção na Internet e fora dela.

Comovo-me com as mortes mais variadas, dos anônimos aos famosos. Morte é morte, iguala todo mundo, não tem motivo pra desqualificar uma por outra. Bandido, mocinho, famoso, anônimo, preto, branco, gay, hetero, tanto faz: morreu, há de se comover. Talvez esse seja um dos princípios da nossa humanidade. O que a imprensa faz com essa informação é outra discussão, é uma questão de mercado: qual morte estampada nas manchetes vende mais?

No caso, a de Cristiano Araújo vende bem, dá ibope, porque, você querendo ou não, o cara é popular. O fato de você não conhecê-lo, como eu não o conhecia, só faz da gente ignorantes.

O cara tem sete milhões de seguidores no Facebook. Se isso é uma medida de popularidade atual, não dá pra desprezar sete milhões de pessoas. Sua música “Maus Bocados” foi a décima segunda mais tocada nas rádios AM e FM de todo o Brasil em 2014, dados do ECAD. O cantor saiu do virtual pro real e fez valer essa popularidade – ou só é popular na rede social porque é popular na vida real.

Não só ele. Há nomes dos quais nunca ouvi falar: Rosa de Saron (banda com 2,3 milhões de seguidores no Facebook), Rose Nascimento (4,4 milhões), Thalles Roberto (7,8 milhões), Mariana Valadão (3,1 milhões), Eduardo Costa (6,9 milhões), Lucas Lucco (11 milhões), Marcos & Belutti (4,4 milhões) e poderia ficar aqui linhas e linhas elencando esses artistas e citanto apenas o Facebook como índice de popularidade. De todos esses citados – e, repito, há dezenas de outros – Eduardo Costa, Lucas Lucco e Marcos & Belutti, também estão entre os mais tocados em 2014, segundo o ECAD. Não é popularidade apenas de rede social.

O fato de eu não conhecê-los só revela a minha ignorância em música popular. Não é um problema, afinal não gosto desse tipo de música, não vou atrás. O problema está em exaltar essa ignorância, desprezando a popularidade de tais artistas, diminuindo sua importância na cultura e no mercado. Não conhecer não quer dizer que não exista. Ninguém pode viver numa bolha.

Exaltar o desconhecimento de um artista que causa comoção em seu público não é exatamente um sinônimo de inteligência e nível cultural elevado. É, repito, ignorância e intolerância com o que é diferente pra você.

Durante o show da Gaby Amarantos, no Festival Cultura Inglesa 2015, alguns jovens ao meu lado começaram a xingar a cantora enquanto ela misturava pancadão com Clash, Smiths e afins. Uma é cultura “elevada”; outra, a popular, não. Pra esses jovens, as duas não podem se bicar.

Enquanto essa cultura “elevada” se arrasta e sofre pra conseguir vender mais de mil cópias por trabalho, a popular se vira pra fazer acontecer – e consegue. Do Pará ao Rio Grande do Sul, há exemplos de movimentos de produtores, artistas, mídias e organizadores que fazem a música circular e chegar ao grande público. O dinheiro acontece, os shows acontecem e têm público. Quem está errado?

O que é popular – e popularesco – só chega a esse ponto justamente por não ter pudores em criar diálogo com seu público.

Não quer dizer que você precise gostar desse produto, ou que o artista não possa dar uma banana pra isso e criar uma arte que seja de difícil assimilação, que quebre estruturas, que questione tudo. Cada um navega pelas águas que conhece mais ou que quer se aventurar. E o público consome aquilo que se identifica mais. Me parece claro que a obra com apelo de consumo mais fácil e imediato vai ser mais popular. Se é “melhor” ou “pior” depende do gosto de cada um.

Quem pode esquecer o caso hilário daquele pessoal que não sabia quem era o Arcade Fire, quando a banda ganhou o Álbum do Ano no Grammy 2011? No caso do Cristiano Araújo, há quem ache Arcade Fire ok e esteja agindo mais ou menos da mesma forma. Só que o cidadão morreu, não ganhou prêmio algum.

Porque não dá pra saber de tudo ou conhecer tudo. Somos ignorantes por segmentos. A questão é: pra quê fazer dessa ignorância algo público? Pra quê exaltá-la e achar que isso é uma vantagem?

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