PENSE OU DANCE: NÃO É SÓ FUTEBOL

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Colin Kaepernick começou seu protesto solitário em 2016. Durante o hino nacional dos Esteites, antes de cada jogo da National Football League (NFL), ele ficava ou sentado ou ajoelhado. Não via motivo pra prestar homenagem a um país que seguia brutalmente discriminando pretos. A desigualdade no país não era novidade (séculos em conta) e nem se extinguiu. Piorou naquele momento em que Donald Trump conquistava o direito de morar na Casa Branca.

Piorava em todo mundo, com posições xenófobas que levaram ao Brexit na Inglaterra (com consequências também na música), ao poder malucos como Viktor Orbán na Hungria, Recep Tayyip Erdoğan na Turquia, Bolsonaro no Brasil, além de Trump e alguns outros espalhados pelo mundo.

Mas, em 2018, Thiago Leifert se deparou com a manifestação de Kaepernick e resolveu presentear a sociedade com a pérola: “será que o evento esportivo é um local apropriado para manifestações políticas? Eu acho que não. Olhando por todos os lados, não vejo motivos para politizar o esporte” – se você quiser vomitar, basta ler o texto aqui, por sua conta e risco.

Leifert, como se sabe, é bem nascido, branco e recebe um salário que o coloca entre os 1% mais ricos do Brasil. Pra ele, certamente, quanto menos politização e questionamentos, melhor. Em time que tá ganhando não se mexe, isso sim pode dar ruim, mas pra quem tá no topo.

Gente como Leifert e seu colega de emissora, o ex-jogador Caio Ribeiro, que falou que Raí, ex-jogador e ex-dirigente do São Paulo Futebol Clube, não poderia falar de política porque suas declarações poderia “respingar no clube”, não querem que as coisas mudem. Caio também é branco e ganha um bom salário.

Raí, que também enriqueceu com o esporte, tem como irmão o falecido e saudoso Sócrates, uma das raridades no esporte nacional, de atleta que se posiciona a favor das classes menos favorecidas. Sobre o presidente Jair Bolsonaro, Raí disse, em abril de 20220, que ele tinha “um posicionamento atabalhoado, é o mínimo que se pode dizer. Naquele momento (de começo da pandemia), por exemplo, que ele deu aquele depoimento em rede nacional… Ele está no limite, muitas vezes, da irresponsabilidade, quando ele vai contra todas as recomendações da Organização Mundial da Saúde”. Raí pedia a renúncia de Bolsonaro.

Um ano depois, com mais de quinhentos e trinta mil mortos no Brasil em decorrência da covid-19, quem estaria certo, Raí ou Caio?

No final de semana que tivemos as finais da Eurocopa e da Copa América 2020 (disputadas em 2021 – final de semana de 10 e 11 de julho), o assunto voltou ao foco. Na Copa América, que ninguém queria que fosse realizada, por conta do preocupante momento da pandemia na América do Sul, Bolsonaro matou a irresponsabilidade no peito, diante da recusa da Argentina em sediar o torneio, e tomou o evento como uma realização pessoal. Bolsonaro, de largada, “politizou” o evento.

Na esperança de que jogadores e o técnico Tite desistissem, em protesto, de participar, veio a frustração. Ao invés de boicotarem o torneio, soltaram uma carta sonolenta de “protesto” e foram pra campo: “estamos insatisfeitos com a realização da Copa América pela Conmebol, fosse ela sediada tardiamente no Chile ou mesmo no Brasil”, escreveram. E deixam bem claro, num movimento inútil, de que “em nenhum momento quisemos tornar essas discussão política”, como se fosse possível. Tudo é política, caros jogadores, tudo.

“Somos contra a organização da Copa América, mas nunca diremos não à Seleção Brasileira”, encerram, como se dissessem “que se danem os mortos, estamos mais preocupados com nossas carreiras”.

Na final contra a Argentina, ocorrida no Maracanã, muitos brasileiros resolveram, então, torcer pela Argentina, como se fosse, em qualquer situação, um crime tal escolha. Cada um escolhe torcer por quem quiser torcer, mas a turma do “não se mistura política com esporte” ficou enfurecida. Tiveram, pois, dois trabalhos: o de limpar as lágrimas pela derrota e de ficar nervosos com quem comemorou o título de Messi e companhia.

Nem mesmo o abraço do bolsonarista Neymar em seu amigo Messi, após o título argentino já decretado fez essa gente mudar de posição. Não é só futebol. É paixão, é negócio, é dinheiro, é emoção e é política. Neymer não gosta de perder, como todo atleta de alto rendimento, mas é preciso saber perder. Ele soube (embora logo depois da partida, tenha ido aglomerar numa de suas festinhas sem sentido; por isso, sobre Neymar, é bom ler este artigo de Casagrande, certeiro).

Na comemoração, Messi também soube ganhar. Ele e outros jogadores argentinos estavam comemorando no gramado com a torcida argentina quando alguns atletas começaram a cantar uma música que provoca brasileiros, entoando que Maradona é maior que Pelé. Messi se recusou a cantar e ofender os brasileiros.

https://twitter.com/joaqu74/status/1414442908250484740

Messi não é bobo. Ele tem muitos fãs brasileiros e se preocupa com sua imagem e sua carreira. Pra quê se meter numa polêmica besta? Como qualquer bebê sabe, pra se ganhar dinheiro e se manter rico é preciso… fazer política. Messi sabe disso. Mas pode ser também que ele simplesmente ache idiota essa rivalidade que a Rede Globo, através do Galvão Bueno, fomentou por anos e anos. Brasil e Argentina precisam mais de união do que discórdia. Juntos, são mais forte, economicamente em especial.

Messi não chorou com o título porque seu presidente, Alberto Fernandez, é um democrata e progressista e seria bom pra seu governo. Longe disso. Até porque ser democrata e progressista não impede ninguém de falar bobagens vergonhosas. Messi chorou porque conquistou o primeiro título com a camisa de seu país, depois de ter conquistado tudo o quanto possível com a camisa do espanhol Barcelona.

Maradona, outro ídolo nacional, era um apaixonado por Cuba, Fidel Castro e Che Guevara. E ganhou Copa do Mundo com a camisa da Argentina. Nada disso faz dele melhor ou pior do que Messi. Ou que Pelé, que por suas vez nunca deu uma bola dentro na política, mesmo tendo sido ministro dos Esportes.

A questão é que a seleção argentina ter conquistado o título preservou a maioria dos brasileiros, que não suportam mais Bolsonaro, de ver o inútil morador do Palácio das Alvorada tentar capitalizar em cima do título de Seleção Brasileira, posando com a taça nas mãos e falando sabe-se lá qual bobagem ele provavelmente falaria – tendo em vista que ele só fala bobagens, sobre qualquer assunto.

O paralelo com a Eurocopa é pertinente. Lá, em pelo estádio de Wembley, o Maracanã dos ingleses, a Inglaterra chegava a uma final importante depois de cinquenta e cinco anos – a última foi o título da Copa do Mundo de 1966, também em casa. Do outro lado, a Itália. A euforia inglesa era justificável. O país rachado desde a campanha infame, xenófoba e racista do Brexit voltava a ficar unido em torno de algum comum a todos: o futebol.

A empolgação logo se transformou em frustração. A derrota sofrida nas cobranças de pênaltis voltou a dividir o país, mas dessa vez entre aqueles que estavam orgulhosos pela sua seleção e aqueles que, desumanos que são, resolveram colocar sua raiva nas costas de três jogadores do time: Marcus Rashford, Jadon Sancho e Bukayo Saka. Em comum, os três são pretos.

As contas em redes sociais deles foram inundadas de estupidez no nível de “saia do meu país”, “macaco” e “volta para a Nigéria”.

A UEFA, organizadora do torneio, se posicionou: “a Uefa condena veementemente o nojento abuso racista dirigido a vários jogadores ingleses nas redes sociais após a final do Eurocopa, que não tem lugar no futebol ou na sociedade. Apoiamos os jogadores e o apelo da FA Inglesa às punições mais fortes possíveis”.

Talvez Leifert e Caio Ribeiro desaprovassem o posicionamento da UEFA, já que eles não acreditam que futebol e política se misturam. Mas, nesse caso, estariam bastante isolados.

O primeiro-ministro Boris Johnson, um dos cabeças do Brexit, se manifestou: “esta seleção da Inglaterra merece ser elogiada como heróis, não abusada racialmente nas redes sociais. Os responsáveis por esse abuso terrível deveriam ter vergonha de si mesmos”.

Mas Johnson também não se manifestou contra as vaias que seus conterrâneos deram na Euro aos jogadores da sua seleção que se ajoelharam em protesto antirracista antes das partidas – uma atitude que, infelizmente, não se espera dos jogadores da Seleção Brasileira.

Johnson é o responsável por uma confusão na agulha política na Inglaterra. Por lá, muitos artistas e celebridades se tornaram infames e ficaram contra as medidas de proteção à covid-19 (leia aqui) só porque Johnson acabou se tornando um dos chefes de Estado mais rigorosos no combate à pandemia.

Liam Gallagher, um fã ardoroso de futebol, mostrou que a sua seleção só merece respeito. O mesmo fez Adele e a banda The Subways, que se revoltou com os ataques racistas – “Apesar de todos os horríveis efeitos colaterais da ressaca do colonialismo britânico nos ataques racistas contra os jogadores de futebol que representaram o país no # Euros2021, esta seleção da Inglaterra emana o melhor do que somos. Diversidade, progressividade e SOLIDARIEDADE”.

https://twitter.com/thesubways/status/1414510223482658816

Billy Bragg, após o jogo, passou horas retuitando mensagens contra o racismo e contra a resposta protocolar de Johnson. Bragg é um dos músicos mais intensos em questões políticas na Inglaterra.

O inglês Lewis Hamilton, heptacampeão mundial de Fórmula 1 e constante ativista contra o racismo, também deixou clara sua indignação: “o comportamento nojento de poucos mostra quanto trabalho ainda precisa ser feito. Espero que isso abra uma conversa sobre aceitação. Devemos trabalhar em prol de uma sociedade que não exija que os jogadores negros provem seu valor ou posição na sociedade apenas por meio da vitória. Todos na seleção da Inglaterra deveriam estar muito orgulhosos de suas conquistas e de como nos representaram”. Será que Caio Ribeiro acharia que essa declaração “respinga” na Mercedes?

Gary Lineker, ex-jogador, deixou claro: “É uma minoria, mas é barulhenta e é constrangedor”. E é por isso que essa maioria precisa se posicionar. E precisa falar. E precisa deixar claro que a humanidade não compactua com desumanos como Bolsonaro, nem com isentões como Leifert, Caio Ribeiro e tantos outros (alô, Luciano Huck e Juliana Paes!), que acham que o silêncio no esporte deve de alguma forma ajudar os oprimidos. Pelo contrário: enquanto isso, os opressores nadam de braçada.

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