PENSE OU DANCE – O ANTI-CLIQUE

O Floga-se já teve várias colunas e colunistas. Nenhum deles durou muito tempo, porque… bem, eles têm mais o que fazer. Mas a contribuição deles segue aí, intocável e imprescindível ao dna do site, e ficará até o fim dos dias desta publicação.

Entretanto uma delas é especial pra mim, a “cosmoPOPlitan”, de Cesar Zanin, porque sempre me lembra de algo importante na condução desse site: fazer as coisas por conta própria, sem estar ligado a esquema algum, é uma liberdade inigualável. O poder libertário do do-it-yourself impulsiona a criatividade e te livra pra tratar diretamente com os leitores. Ter isso em mente é valoroso.

É que talvez a nobre leitora e o nobre leitor não saibam, mas o Floga-se, embora minúsculo em importância e alcance, também sofre pequenas pressões por abraçar essa liberdade de falar sobre o quê e como bem entender.

Vivemos em tempos complicados pra abraçar tal liberdade. É “o poder do elogio” (leia aqui) e aqui estamos “contra o bom mocismo” (leia aqui) dessa geração que não aceita “não” e não se dá bem com críticas.

Recentemente, uma jornalista reclamou no Facebook que o Lollapalooza lhe negou a credencial, dizendo que o festival não liga pra blogues pequenos (que é o caso do que ela escreve). Que o festival só se abre pra mídia tradicional e tals.

Não culpo o festival. É um negócio, ele tem que decidir o que é melhor pro negócio dele. A culpa talvez seja dos próprios blogues pequenos. Não faz muito tempo, aparecia um por semana, e o intuito parecia ser nada mais do que conseguir credenciais pra shows, eventos de música e festivais. Pra não pagar ingresso, bastava se dizer blogueiro.

A má intenção não se aplica à jornalista em questão, claro – a ideia não é julgar as motivações de ninguém baseado em conhecimento algum sobre essa pessoa. Mas eu poderia dar um conselho a ela, depois de dez anos batendo cabeça com o Floga-se: simplesmente não peça credencial. Que se dane. Se acha que tem que cobrir o evento, compre um ingresso e vá. E tenha a liberdade pra falar o que quiser sobre o evento, sem se preocupar se vai agradar a organização com essas ou aquelas palavras, ou se vai desagradar a ponto não conseguir a boquinha no ano seguinte.

Jornalistas de grandes veículos são pagos pra ir a esses eventos. Alguns eventos são disputados a tapa pra ver quem fica com a credencial, outros não. É trabalho mesmo, tem que ir porque o chefe mandou. Nós, dos blogues e sites pequenos, da “mídia não tradicional”, não somos ninguém, de modo que se o evento é importante ser mostrado pro leitor, é porque é importante pra gente também; é trabalho, mas é diversão; e, enfim, a gente só vai se quiser; se não for, ninguém vai mandar ninguém embora e o leitor vai buscar informação em outro lugar, normal.

Eu sei: a gente tá trabalhando de graça divulgando a marca desses eventos e ainda pagando pra fazer isso. Bom, acho que a gente faz isso de qualquer jeito, como pessoa física, nas redes sociais. A diferença é que em nossas tribunas, em nossos sites, podemos apontar erros, criticar, fazer jornalismo que queríamos que a “grande mídia” fizesse. Pra quê se privar dessa alegria?

Que se danem as credenciais e que se danem também os cliques e as aprovações de fãs e artistas. O site que é bancado por ninguém, a não ser pela vontade de levantar discussões, debates ou só falar besteira mesmo, tem mais é que ser provocador (raso ou profundo, não importa), sem se preocupar com cliques e adulações.

CDs? Não quero: mande o link, que ouço o trabalho com prazer (e ouço mesmo – tudo o que me mandam por e-mail). Amigos? Não preciso, a não ser aqueles que seriam amigos sendo artistas ou não (e que valem dividir uma mesa de bar). Cliques? Qual a lógica de buscar isso a qualquer custo? Um site que não tem fins lucrativos não precisa se preocupar com isso e se não precisa se preocupar com isso tem mais liberdade pra enfrentar qualquer cara feia – de artista, de fã, de assessoria, de casa noturna, de produtor, de qualquer um.

A prática dessa, digamos, “anarquia de posicionamento” é, entretanto, um tanto complicada.

O Floga-se escolheu falar de bandas do mainstream e de bandas subterrâneas – aquelas totalmente desconhecidas ou ainda engatinhando. O site dá o mesmo peso de importância e mesmo espaço a todos os artistas, independente de quantos discos tenha lançado ou vendido. E tenta ser crítico – no sentido de não ser baba-ovo, não se trata de ser profundamente “analítico” – tanto com o artista famoso quanto com o desconhecido. Sem rabo preso com um ou com outro, a consciência fica livre pra agir.

Discos, shows, vídeos, músicas, tudo é criticado na base do “valeu a pena ou não valeu a pena gastar um tempinho com tal obra?”. Uma crítica distante, com olhar de consumidor, não de “crítico de música” (coisa que ninguém que escreve ou escreveu pro site efetivamente é). Não tenho capacidade pra aprofundamentos analíticos. Então, conto o que vejo e o que ouço.

Muito artista não gosta. Reclama. Acha que eu tenho que dar um desconto porque ele é subterrâneo, ou porque noise, improviso livre, experimentalismo e afins têm um certo salvo-conduto pra errar e fazer coisas ruins. A música – experimental ou comercial, provocativa ou consensual – precisa provocar algo no ouvinte ou no espectador. Tem que divertir ou incomodar. Tem que provocar algum sentimento. Tem obra que não causa nada. Tem show que é ruim, mesmo o disco sendo bom, porque naquele dia o artista não foi bem na apresentação, ou porque o artista é mesmo ruim ao vivo. O que vale é o sentimento que aquela obra causa – ou deixa de causar. Isso vai ser publicado, sob o ponto de vista do impacto em quem escreve. Não é uma verdade absoluta (porque outras pessoas reagem de maneiras diferentes à mesma obra ou evento), mas é uma verdade pra aquela pessoa, naquele momento, transformada naquelas letras.

Acontece que o artista de hoje, como a jornalista do blogue pequeno, não se conforma com a negativa. Talvez seja um péssimo hábito dessa geração – ou dessas pessoas que reclamam.

Mas ser artista ou escrever num site é colocar a cara a tapa. As pessoas concordam ou não, gostam ou não. Algumas falam isso – e normalmente quem fala é quem discorda, o que deveria ser muito bom. É um exercício tremendo aceitar essa discordância. O faço com certo esforço, porque não é fácil mesmo, mas sei que é o que cimenta o meu crescimento como pessoa e como escritor (do site e profissionalmente).

Quando dei de ombros aos cliques e fiz do Floga-se um “site anti-clique”, dei de ombros a relação com assessorias, bandas, selos, gravadoras, promotores e fãs. Por isso, não me importo se o artista vai compartilhar o artigo que fiz sobre ele (normalmente não o fazem), tanto faz. Isso não é moeda de troca. Moeda valiosa é a leitora e o leitor de alguma forma serem impactados pelo o que foi publicado.

Sobra a relação das obras aos quais esses profissionais estão ligados com a verdade que quero (queremos, há mais gente que escreve) pros leitores, o senso de ética e a vontade de mostrar uma música (uma arte) que outros veículos e publicações não se atrevem a mostrar. Mas sem ser paternalista, sem passar a mão na cabeça. Não é porque é subterrâneo, porque se esforça muito pra gravar, pra ensaiar, pra fazer shows, que é um artista a ser colocado em isolamento das críticas.

Por conta disso, azedam comunicações (acredite, tem artista que não atende mais meus chamados pra entrevistas, pra aspas, mas sigo falando da obra dele à revelia), amargam contatos, fecham-se caras e portas. O que se há de fazer? Não há nada que a Internet consiga esconder hoje em dia. Não há show que, pagando um ingresso, a gente não possa ir pra ver qualé e informar, se a gente achar que deve e vale a pena pagar (se tiver dinheiro sobrando pra isso também, é claro).

Nesses dez anos, aprendi que o faça-você-mesmo chega a te dar coragem de peitar a implicação dos atos. Se tudo der errado, você ainda pode começar tudo de novo. Dessa vez, mais fortalecido e com mais sabedoria.

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