PENSE OU DANCE: O PODER DO ELOGIO

Não há força maior. Uma força que cega inclusive a lógica.

O papo é antigo e acho até que já dei minhas palpitadas sobre. Mas semana passada, por conta de uma observação bem-humorada que fiz na nossa página do Facebook, o recado acabou atingindo quem não era originalmente pra atingir. Foi essa galhofa: “as bandas, quando anunciam seus shows/turnês, podem, pelo bem da informação completa e limpa, divulgar não só as datas das apresentações, mas os locais, os preços, os horários: imprensa, fãs e a lógica agradecem”.

O recado foi dado por conta de duas bandas que mandaram releases no e-mail do Floga-se, pedindo pra que tais shows fossem incluídos na nossa Agenda de Shows (já extinta).

O caso é que três bandas/artistas vieram me procurar pessoalmente pra “tirar a limpo” a tal “indireta”. Não tinha conhecimento de que nenhuma dessa três havia anunciado shows sem reportar local, endereço, hora, preço etc. Mas devem ter cometido tal erro, porque a carapuça serviu (e, depois fui ver, cometeram mesmo, em lacunas de informações essenciais aqui e ali).

Não tenho procuração pra meter o bedelho na estratégia de promoção de ninguém, mas posso opinar e expor ao meu público leitor o que acho. E o leitor pode (deve) concordar ou discordar. Quer dizer, me sinto na obrigação de faze-lo.

Ocorre que essas três bandas sempre tiveram trânsito livre aqui no site. Sempre fui bastante elogioso com o trabalho delas, por merecimento. Assim continuará sendo, sempre que merecido. O que não mereceu elogios foi tal estratégia de divulgação – perceba, a crítica não foi à música em si, mas ao trabalho de divulgação. Uma idiotice. Mesmo assim, fui trucidado, e uma delas, por telefone, chegou a dizer que não passaria mais trabalho nenhum pro Floga-se divulgar. Veja só que interessante essa “ameaça”.

Sim, eu me divirto. Mesmo com o destempero, tais bandas seguem com espaço aberto neste site, claro. Rancor é pra quem tem idade mental de até cinco anos – é birra.

Entretanto, é bom conhecer o galho de cada macaco. André Forastieri escreveu nesse texto a máxima que vale pra cá: “não sou artista, não sou militante cultural, e não faço jornalismo amigo e construtivo”. Se fiz aqui alguns amigos, ótimo, acredito que seriam amigos mesmo sem essa relação pseudo-promíscua de veículo de comunicação-banda, ou veículo de comunicação-selo, ou veículo de comunicação-assessoria.

Mas, sabe-se lá o motivo – e isso é meio recorrente, o leitor nem imagina – essas bandas e tantos outros profissionais do “meio” acham que o espaço que o Floga-se dá é uma “parceria”. Não, não é.

O Floga-se não é “parceiro” comercial de banda alguma, nem ferramenta estratégica pra ninguém. Não divide lucros, prejuízos e custos com pessoa jurídica alguma. É apenas um canal de comunicação pra (e divulgação de) trabalhos que gostamos e admiramos – o que quer dizer que se alguma dessas bandas já publicadas lançar algo que não gostamos a gente vai descer o sarrafo; embora, culpa assumida, a gente critique muito pouco.

Não temos vínculo com ninguém, apenas preferência, afinidade. Alguns selos são quase xodós nossos. Simples: porque a curadoria trafega no mesmo ambiente de prazer musical que o Floga-se. Há uma afinidade de gosto, o que não isenta a gente de ignorar alguns lançamentos deles ou mesmo criticar. Ninguém é infalível e, por uma questão de respeito mútuo e admiração pelo trabalho deles, a convivência é sadia e civilizada. Como tem que ser, ora bolas.

Só que os “artistas” confundem as bolas. Vêem aqui mais uma das vitrines pro ego. Sim, porque há muitas matérias que servem apenas pra banda “se ver” em algum lugar.

Daí, lembrei daquela pendenga do Álvaro Pereira Jr. com o pessoal do “indie-sambinha” (primeiro aqui, depois aqui). Dá vontade de dar “adeus aos indies”, mas APJ tá em outra e não tem mais saco pra eles. Eu tenho – e me divirto com eles, embora atitudes infantis como essas cortem o barato.

É que vivemos numa era em que o jornalismo cultural se debruça em reverência ao “poder do elogio”. É mais fácil e rende mais acessos quando se elogia. Uma resenha ou post ou matéria elogiosa rende retuítes, compartilhamentos, enaltecimento ao veículo de comunicação. Por outro lado, dá mais trabalho e gera atritos quando se empenha em qualquer tipo de crítica não-elogiosa. A paga da crítica é o confronto, quando não a pecha de “chato”, “do contra”, “desorientado”, “desinformado” e afins – e não só de fãs malas, mas dos próprios artistas, do selo, da gravadora, do assessor de imprensa. O jornalista isento dá de ombro pra isso – mesmo conhecendo as consequências e, em alguns casos extremos, o perigo contra a integridade física.

O crítico/resenhista pode e na maioria das vezes deve “errar” mesmo, porque dá a opinião aos ventos. Ninguém precisa concordar com ele. E ele nem pode se achar um “deus” por essa isenção. Há obstáculos éticos que ele precisa se atentar. O problema é que quando a crítica é elogiosa, ninguém liga pra montanha de baboseiras que escreveu ali.

Veja um caso interessante. A banda toca um sub-grunge desses de garagem, calcados na imitação de um Stone Temple Pilots qualquer, que nem o pai e a mãe teriam coragem de elogiar. Com a facilidade dos dias de hoje, a banda grava um disco e lança pela web. O disco cai nas mãos de um “crítico”, que emaranha palavras elogiosas sobre o “indie pop-rock” do grupo. Uma leitura agradável de como o país e o mundo precisam ouvir essa banda que “paga tributo ao Foo Fighters e ao Oasis”. Tá na cara que não há um pingo de coerência no texto. Mas há o elogio. Ah, o elogio! Ele apaga todas as incoerências e absurdos.

O mesmo disco cai nos ouvidos de outro “crítico”, esse disposto a incomodar, expondo “a obviedade”. Ele fala que nem o pai ou a mãe do cidadão poderiam dar dinheiro pra alguém tocar um sub-Stone Temple Pilots, algo tão datado e chato, que a banda deveria se limitar a se apresentar pra sua turma da faculdade, mas “com parcimônia, pra evitar a expulsão”. Certamente, o tal crítico, de ouvidos mais atentos, será vilipendiado por banda, familiares e amigos/fãs, desqualificando seu texto, seu conhecimento musical, e enaltecendo sua “frustração” por não “conseguir ser um músico”. É o tal do “não sabe fazer melhor, não critica”.

O poder do elogio define as relações no jornalismo cultural atual. São poucos os artistas que aceitam a crítica aberta, são muitos que levam a crítica como ofensa pessoal. A qualidade literária e objetiva do crítico vale menos do que o viés que ele tomará em seu texto. Ele vive na corda bamba.

Tudo se resolveria com um pouco de civilidade. Ninguém é obrigado a gostar de um texto ou de uma música. E ambos devem lutar pra melhorar da próxima vez, de preferência chutando umas canelas, porque de fofice e elogios é o que o meio cultural menos precisa.

As minhas canelas estão aí pra serem chutadas também. Fique à vontade.

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Comentários

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11 comentários

  1. Bom o chute! Agradeço, mas se você prestar atenção ao clipe, à música (“deliciosa”, o adjetivo é pra música), é com isso que as Dum Dum Girls brincam, essa sedução anos 60. Imagine ser adolescente naquela época e assistir isso. É do que se trata. Não vejo nada de mais nisso. É um post sobre o clipe, que deve se auto-explicar (basta vê-lo).

    Fique à vontade de chutar e descer o sarrafo. Estamos aí pra isso. =)

  2. Fernando acho que tu que não entendeu o comentário dela mas talvez com tuas palavras, você vai entender, segue o teu comentario sobre o vídeo :
    “Quatro mocinhas de preto, maquiagem marcante, pernas longas e moldadas por meias-calças de tirar o fôlego: o vídeo de “Bedroom Eyes”, a deliciosa canção do novo disco das Dum Dum Girls, “Only In Dreams” (ouça aqui na íntegra), mostra o quarteto deliciosamente sexy numa fotografia anos 1960”
    ou
    “É daquelas mulheres que quando você está no auge da puberdade só vai ter mesmo em sonhos.”

    E isto foi tudo que você escreveu e acho que o deliciosa não tem nada a ver com a música “sedutora dos anos 60” (que mais uma vez não tem nada a ver com o som e sim com a imagem) mas podemos estar todos enganados.

  3. Fernando, eu não estava me referindo ao adjetivo deliciosa, é óbvio que isso se refere à música. Eu estava me referindo a todo o resto do post, frases como:

    “É daquelas mulheres que quando você está no auge da puberdade só vai ter mesmo em sonhos.”

    Isso obviamente não se refere à música e não é esse tipo de informação que eu busco quando entro em um blog sobre música, mas digo isso por mim. Se tu não vê nada de mais nisso então OK, ignore o meus comentários.

  4. Eu lembro do Strausz (um produtor de música eletrônica aqui do Rio que tá despontando) comentando meses depois de lançar o EP de estréia dele que finalmente tinha encontrado um review negativo dele em um site gringo.

    Tinha gente já descendo a lenha no gringo por falar mal do trabalho dele, quando ele próprio interveio e disse que ficava feliz por aquele review negativo, pois era sinal de que o trabalho dele se demonstrava sólido.

    A galera quer elogio, mas esquece que a crítica gera polêmica, debate e até mais promoção pro próprio artista.

  5. […] Por outro lado, não negamos o convite quando nos oferecem. Se nos querem no evento, se querem nossa opinião sobre aquele evento, é claro que estaremos lá – e falaremos o que achamos dele, descendo a lenha ou elogiando, sem rabo preso, o que já resultou em algumas broncas bizarras de promotor que veio tirar satisfação porque falamos mal de um espetáculo que ele “nos colocou lá dentro como parceiro”. Não adianta explicar que essa parceria não faz parte do nosso cardápio. […]

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