RESENHA: O ANO DE 2012

Era pra ser o fim do mundo. Havia até data marcada. Bem, mas você já sabe que não houve o tal apocalipse. Estamos aqui, vivos, pra contar história. Isso não quer dizer que 2012 não tenha sido atribulado, com altos e baixos, e muitos casos que, pra muita gente, seria sim o fim do mundo. Ou, como tratamos aqui, se “2012” fosse um disco, poderia ser visto como um disco bem legal.

E foi mesmo. Tão legal quanto “2011“.

Comece pela faixa “janeiro”. Apesar de já de cara a Casa do Mancha mostrar dois dos melhores shows do ano, com Sobre A Máquina e Chinese Cookie Poets, fomos “premiados” também com besteiras do porte do Howler e do Penguin Prison, cortesia do reduto indie que se tornou o M/E/C/A Festival, no Rio Grande Do Sul.

Já o Carnaval foi curioso. Da mesma forma que teve um dos desfiles mais bacanas dos últimos anos, com a Unidos Da Tijuca sendo campeã mais uma vez, em São Paulo o bicho pegou, com uns idiotas invadindo e tumultuando a apuração. Os paulistanos ainda confundem Carnaval com futebol, cujas torcidas são o refúgio dos idiotas trogloditas.

Tirando o Carnaval, “fevereiro” teve o Silver Apples ao vivo, pra quem não curte um baticundum. Mas só. Porque foi “março” que nos trouxe a sensação de que 2012 seria um grande ano – pra shows, principalmente.

Pra começar, teve Morrissey, um show festejadíssimo, mesmo que recolocando o tosco (no quesito acústica) Espaço Das Américas no circuito novamente. Antes, ou paralelamente, teve Japandroids, no Beco 203, que continuou mostrando que dá pra oferecer boas bandas por míseros trinta dinheiros, por aí. Tivemos também Kaki King, deliciosa. Foi em “março” que fizemos a cobertura tímida de um dos poucos shows do Jesus & Mary Chain, lá nos Esteites. Pra suspirar.

“Abril” seria mais apetitoso, com a primeira edição do Lollapalooza em solo pátrio. O Jockey Club de São Paulo recebeu um público impressionante (mais do que era sensato) e, apesar dos problemas de estrutura e logística de mobilidade urbana, acabou consolidando o festival logo na estreia como o mais importante do Brasil – graças, claro, à concorrência claudicante. Tivemos também The Vaccines explodindo o Cine Joia e a dupla Kurt Vile e Thurston Moore no mesmo local. O Nada Surf também pintou por lá, mas antes fez uma apresentação acústica e gratuita na Fnac da Avenida Paulista. Públicos diferentes, idades diferentes, shows igualmente sensacionais. “2012” estava precioso.

Mas os olhos do Floga-se seguiram atentos também ao que acontece lá fora, e estivemos mais uma vez no Coachella. O que estão esperando pra trazer essa experiência pro Brasil?

Foi em “abril” que se ouviu uma das primeiras polêmicas do ano. O ECAD ficou no centro das atenções e valeu aqui um análise na nossa consolidada coluna Pense Ou Dance. No plano prático, depois de meses de pressão de músicos e entidades ligadas à produção artística, a presidenta Dilma resolveu mandar a ministra da cultura Ana de Hollanda plantar batatas, em “setembro”, mas a emenda saiu pior do que o soneto: no lugar, assumiu Marta “relaxa-e-goza” Suplicy. Sempre dá pra piorar.

A Pense Ou Dance seguiu refletindo e provocando. Em “março”, o “Fantástico”, programa dominical da Rede Globo, exibiu uma matéria que expunha o óbvio: corrupção nas relações comerciais entre Estado e “iniciativa” privada. Um repórter se fez comprador de um hostipal no Rio de Janeiro e, com uma câmera escondida, atraiu os urubus que fazem de tudo pra conseguir uma pedaço de carniça. Em rede nacional e horário nobre, o brasileiro se viu nu, do jeito que veio ao mundo, corrupto, malandrão e achando que dinheiro público é “dnheiro de ninguem”. Pior, era dinheiro da saúde. Sim, definitivamente, “a gente somos corruptos” (pelo menos, no segundo semestre, a população teve uma sensação de alívio com a condenação dos envolvidos no mensalão petista – embora o mensalão peesedebista tenha sido ignorado totalmente, mesmo tendo igual gravidade; bem como Carlinhos Cachoeira, que virou o ano fora da prisão e rindo de tudo e todos).

Mesmo com tudo isso, ninguém fica indignado. Talvez porque o próprio Estado seja incompetente pra nos ensinar e educar. “Maio” foi uma boa prova disso. Começou com Noel Gallagher mostrando seu bom disco solo ao vivo, teve The Mission relembrando o passado, mas terminou de forma melancólica, com uma boa iniciativa que não deu certo: o Festival Cultura Inglesa, mais uma vez no Museu do Ipiranga. A apresentação gratuita de uma banda como Franz Ferdinand atraiu milhares de fãs. Nem todos puderam entrar. Desespero. Tumulto. Polícia despreparada. Pronto: receita pra bagunça generalizada.

O que salvou “maio” e transformou o mês numa das melhores faixas do ano foi o Sónar São Paulo. Um festival curioso porque junta desde hipsters blasés ou afetados a intelectualóides e maurícios e patrícias que só querem desfilar, a fãs de música, num espaço bem estruturado e organizado. Teve pra todos os gostos, com destaque efusivos às apresentaç?es do Kraftwerk e do Mogwai.

“Junho” foi especial. O Floga-se de novo derrubou fronteiras, pra dessa vez chegar à Escandinávia. O Northside Festival, na Dinamarca, era o destino, pra ver como era essa volta do Stone Roses aos palcos. A viagem rendeu uma matéria especial sobre Oslo e, claro, duas resenhas de shows da banda, um em Aarhus e outro em Barcelona.

Aliás, esse foi um ano de reafirmação pro Floga-se. Desde 2011, o site vai se acomodando na contramão do que a maioria dos sites de música normalmente fazem, naquilo que chamamos aqui de cliquecismo, ou jornalismo de cliques, que de jornalismo mesmo pouco há.

Nos doze meses que se encerram agora, o Floga-se conseguiu mais de trezentos mil acessos, uma média de vinte e cinco, vinte e seis mil acessos por mês, o que é nada ou quase nada perto dos grandes sites cliquecistas desse mesmo nicho. Mas desde o final de 2010, nos comprometemos a não publicar links diretos pra downloads não autorizados; não repetimos ou traduzimos pura e simplesmente notícias publicadas em sites gringos, embora ainda gostamos de publicar sessões especiais e únicas de rádios e vídeos que fazem com bandas bacanas mundo afora; e não apelamos pra listas bobas de datas igualmente bobas, sem cunho informativo. Procuramos informar com opinião. Sempre.

Sobre listas, apelamos apenas pra aquelas que são, digamos, bizarras. Ou pra aquelas pessoas que respeitamos muito e que nos orgulham figurar nas nossas páginas, através da seção “Os Discos Da Vida”, com Marcelo Costa e Renato Malizia (janeiro), Gaía Passarelli e Fábio Bridges (março), Tom Leão (abril), Wayne Hussey (junho, André Barcinski (julho), e Victor De Almeida (agosto), entre outros, incluindo bandas, artistas etc. Em todas elas, informações bem legais sobre os discos escolhidos ou sobre os próprios homenageados, sempre com opinião.

Opinião e informação, como de praxe e preferência.

Por isso, após muito relutar, começamos a resenhar discos, sem rabo preso, nem com bandas, nem com gravadoras ou selos. Não é uma medida muito popular descer o sarrafo em bandas como o The XX ou o Gaslight Anthem, por exemplo, mas se os discos são ruins (como são), merecem uma bordoada, mesmo que isso valha pedras dos leitores pra cima da gente.

Enfim, preferimos fazer o nosso tipo de jornalismo, que se resume ao básico: matérias especiais informativas, opinativas e, se necessário ao tópico, ouvindo todas as partes envolvidas, mesmo que isso nos feche algumas portas, fato que já aconteceu algumas vezes. Como jamais solicitamos (ou dependemos de) credenciais pra shows, nem presentes de bandas ou selos ou assessorias, como uma severa política “anti-rabo-preso”, podemos opinar à vontade.

É desse pensamento que surgiram em 2012 textos ainda mais provocativos, como o “Pense Ou Dance – O Poder Do Elogio” (na faixa “abril”); o “Pense Ou Dance: O Idiota”, sobre os fãs malas (na faixa “julho”), a matéria sobre o fracasso do Rockers Noise Festival (na faixa “novembro”); a nova coluna “Revisitando”, que resgata discos obscuros ao extremo, com suas histórias curiosas que sempre ensinam algo; e a primeira temporada dos críticos da blogosfera Vaiber e Raiper, cujas histórias em forma de roteiro criticam ferozmente, embora com muito humor, o cliquecismo.

Por falar em colunas novas, Otávio Augusto estreou a errante e deliciosa “Discos (Pop) Perdidos”, na faixa “agosto”, dando um leve sabor pop que o Floga-se buscava; porque de fato e direito, até mesmo “politicamente” falando, o site fincou bandeira com a música torta, principalmente a MTB, a Música Torta Brasileira.

A família Floga-se cresce não só dentro do site, como fora. Um bocado de gente pensa como a gente e produz como a gente (melhor, na verdade). E a virada de lado do disco “2012” mostrou isso. Projetos bem bacanas surgiram e ganharam o mundo, em mobilizações extra-site. Em “setembro”, junto com a divetrtidíssima Comunidade Sinewave no Facebook, nos dedicamos a um projeto ambicioso, na mesma medida que despretencioso, de determinar os “100 Melhores Discos De Todos Os Tempos”. O resultado ficou tão bacana e diferente das listas mais-do-mesmo que se vê por aí, que fomos adiante e em “novembro” procuramos determinar também os “100 Melhores Discos Nacionais De Todos Os Tempos”. Dois dos trabalhos mais bacanas já publicados pelo Floga-se e por uma dezena de outros blogues parceiros.

Em “outubro”, estreamos um podcast bem ruidoso, em opiniões e em músicas: “O Resto É Ruído”, em parceria com Elson Barbosa e Lucas Lippaus, cabeças do selo de música torta Sinewave. Em 2012, foram nove edições, todas especialíssimas.

O segundo semestre, porém, não foi só de ganhos.

Normalmente, definido como “o semestre dos festivais”, a segunda etapa de “2012” sofreu do mesmo mal que assombrou o ano inteiro. Em “abril”, o Brasil viu um dos piores capítulos da história da música, com o assombroso e ofensivo crime cometido pela produção do Metal Open Air, que seria realizado em São Luís do Maranhão, e terminou com milhares de fãs frustrados, lesados e enfurecidos.

Mas outros festivais sucumbiram. O já citado Rockers Noise Festival foi um deles, sem sequer estrear. O SWU, que teve duas edições nos anos anteriores, passou em branco em 2012, mesmo que o co-irmão Maquinaria Fest tenha se desenrolado no Chile.

O Planeta Terra, o “festival indie” por excelência, também bambeou em “outubro”. Mudando do Playcenter (que encerrou de vez as atividades, depois de décadas) pro Jockey Club, e trazendo bandas que fariam mais a cabeça da rapaziada quinze anos atrás, não esgotou os ingressos e ainda teve que se reestruturar pra parecer “menos vazio”. Embora ainda tenha dado uma aula de organização, o Planeta Terra virou desconfiança pra 2013.

Desorganização e baixas vendas. Parece que “2012” vai ser lembrado por esses hits. Desorganização que se viu desde o Festival Cultura Inglesa e o Metal Open Air, de grande porte, até eventos pequenos, como o show do Radio Dept., no Beco paulistano. Baixas vendas que se viu principalmente em “novembro” e “dezembro”, com shows de estrelas do nível de Lady Gaga e Madonna, mesmo elas dando entrevistas na Rede Globo, em programas de audiência insuspeita, e realizando promoções desesperadas pra vender ingressos. Os apressados logo se anteciparam e falaram de “bolha” estourando, mas parece ser mesmo só péssimo planejamento.

As carteirinhas de estudante continuaram no centro das discussões, quando o lobby forte dos produtores e empresários de shows gritou por aí que “até 97%” dos ingressos vendidos são com “meia-entrada”. Papel em branco aceita qualquer número, então, enquanto fica a palavra deles contra a dos consumidores, o Congresso Nacional trabalha pra aprovar uma lei que regule o setor, estipulando uma porcentagem máxima de venda de ingressos com o benefício e que as carteirinhas sejam emitidas pela Casa Da Moeda. Mas a velocidade dos congressistas é aquela que todos conhecemos…

Por falar em hits, “2012” se deparou com pelo menos três canções-pragas que duraram mais do que o usual. “Call Me Maybe”, da malinha Carly Rae Jepsen, foi vista 370 milhões de vezes no YouTube (veja abaixo, um clique a mais ou a menos não fará diferença); o “Camaro Amarelo” prometeu ser o novo “Ai Se Eu Te Pego”, com 37 milhões de acessos na mesma plataforma, desde “maio”.

“Call Me Maybe”

“Camaro Amarelo”

E o sul-coreano Psy conseguiu um feito inacreditável: mais de um bilhão de acessos à sua “Gangnam Style”, com um vídeo engraçado e uma canção pegajosa publicados em “julho”. Nunca na história do YouTube um vídeo havia atingido tal marca. Curiosamente, o número mágico foi consagrado em 21 de dezembro de 2012, data oficial do Fim do Mundo.

Se formos contar as inúmeras paródias, os vídeos de flashmobs imitando a dancinha ridícula por todo o mundo, e as aparições de Psy em programas de tevê, shows de famosos (como Madonna) e afins, dá pra contar mais um bilhão aí. Só o making of tem 370 milhões de acessos, pra se ter uma ideia.

Além de Obama dançando o hit, Psy pode se consagrar mais uma vez, desfilando no Caranaval 2013 do Rio de Janeiro, pela Inocentes de Belford Roxo, que tem como tema… a Coréia do Sul.

Mas ficou nisso, com relação ao K-Pop, como se rotulou o pop vindo da Coréia. Não houve uma invasão, nem coisa que o valha. Foi só mais uma vitória da globalização. Ou derrota, como você preferir.

Derrota terá o povo brasileiro, se a toada de “tudo-pela-Copa” continuar. Em “dezembro”, o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, não teve vergonha em forçar a diminuição do montante de dinheiro destinado à educação pra pode suprir as necessidades da Copa do Mundo na cidade.

Nem no esporte propriamente dito, a coisa anda boa. A Seleção Brasileira terminou na sua pior posição na história do ranking oficial da FIFA, 18º. Saiu Mano Menezes, que fez feio na final das Olimpíadas de Londres, em agosto, ficando com a medalha de prata ao perder vexaminosamente pro México (pelo menos o Brasil bateu o recorde de medalhas na história dos Jogos Olímpicos, dezessete). Veio Felipão, que levou o Palmeiras a mais um título nacional, o da Copa do Brasil, mesmo com um time horroroso, perfil comprovado com o rebaixamento (pela segunda vez na história) pra Série B do Brasileirão.

Felicidade mesmo tiveram os tricolores: o gaúcho viu nascer sua nova, moderna e belíssima arena, que pode ser palco de grandes shows no futuro; o paulista ganhou a Copa Sul-Americana, num jogo bizarro contra os argentinos do Tigres, que nem teve segundo tempo; e o carioca desfilou elegância no Brasileirão, levando o tetra (o segundo título em três anos).

Ou os corintianos, que além de verem o arquirrival sofrer mais um rebaixamento, ainda levaram sua primeira Libertadores e o primeiro mundial.

Ou os apreciadores da beleza feminina, com o vazamento das fotos “íntimas” de Caroline Dieckmann.

Mas perdeu principalmente a humanidade, com as mortes de Etta James e Theo Angelopoulos (janeiro), Wando, Whitney Houston e Pery Ribeiro (fevereiro) Chico Anysio e Millor Fernandes (março), Dicró (abril), Tinoco e Donna Summer (maio), Ivan Lessa, Carlos Reichenbach e Nora Ephron (junho), Richard D. Zanuck e Gore Vidal (julho), Celso Blues Boy, Tony Scott e Neil Armstrong (agosto), Hebe Camargo (setembro), Sylvia Kristel (novembro), e Décio Pignatari, Oscar Niemeyer, Dave Brubeck, Ravi Shankar e Charles Durning (dezembro).

Quer dizer, segundo as “profecias Maias”, se é que existiu isso de fato, a humanidade não perdeu nada: o mundo não acabou. Nem aqui, nem aí, nem em São Luiz do Paraitinga, onde o jornalismo morreu mais uma vez.

Sem cliquecismo, o mundo da informação seria melhor – podem argumentar até que seria menos divertido, mas podemos deixar isso pras redes sociais, “o grande boteco”, certo?

Sem cliquecismo, sabemos que nosso crescimento, a partir daqui, em 2013, com essas premissas pouco populares, será mínimo, por isso “2012” se faz tão especial, é o ano do nosso ápice e, consequentemente, o ano do começo do nosso definhamento. O começo do nosso fim do mundo.

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Comentários

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2 comentários

  1. Excelente texto,apenas uma pequena falha pois o Coringão conquistou o segundo mundial de clubes da sua história.

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