OS DISCOS DA VIDA: MARCELO COSTA

Talvez Marcelo Costa comande o site brasileiro sobre cultura pop (não só de música) mais conhecido do novo século. Não é um exagero. O Scream & Yell reúne o que muita gente considera o filé mignon do jornalismo cultural brasileiro, em colaborações na base da camaradagem; e seu blogue pessoal, o Calmantes com Champagne, meu preferido, tem dicas boas de shows, livros e discos, lançamentos de novos talentos brasileiros, relatos de viagens, numa miscelânea mais descontraída.

Dois trabalhos que já seriam suficientes pra ele ser protagonista dessa seção, mas o cara também é agitador cultural, com suas festas e shows do seu site, e, claro, gente boa, com aquela simplicidade que faz a gente pensar que a “natureza” não equilibrou bem as coisas: ele tem um bocado dessa virtude, enquanto o mundo é povoado por malas demais e de toda espécie. É altamente recomendável tomar umas cervejas e falar umas bobagens com a figura.

Só que nada disso bastaria se ele não tivesse também um gosto musical aplaudível. Costa é referência pra muita gente no que se refere a música, suas indicações são seguidas como se nelas estivessem coladas um selo de qualidade, uma ISO 9000, um Inmetro da música pop.

E ele leva a sério o que faz – embora o faça se divertindo. Essa edição de “Os Discos da Vida” captura o profissional Marcelo Costa em ação, aquele que escreve bem como poucos; e a pessoa Marcelo Costa, aquela que se emociona ao lembrar de capítulos do seu passado, obrigados a serem vasculhados e revirados pra florir esses textos.

A genética musical dele está aqui, pra você entendê-lo melhor.

MARCELO COSTA

“21 de junho de 1970. Dona Vilma está sentada assistindo a decisão da Copa do Mundo, barrigão de sete meses de gravidez, e quando Pelé ajeita elegantemente a bola pro meio da pequena área, e Jairzinho entra com tudo errando o chute, mas marcando o gol, ela pula e cai desajeitada na ponta do sofá. Tontura, pontadas, contrações: quase que nasci antes do golaço de Carlos Alberto, que encerraria 16 minutos depois aquela Copa do Mundo. Dona Vilma aguentou até o final, comemorou e só fui nascer mesmo em agosto.

Os anos 70 ocupam um pequenino espaço na memória da minha vida. A família se mudou pra Taubaté e até o começo dos anos 80 poucos fatos musicais chamaram a minha atenção (minha mãe chorando o assassinato de John Lennon e a morte de Vinicius são fatos tão claros pra mim quanto o show de Paul McCartney no ano passado). Eu era um moleque em uma cidade do interior, e estava mais preocupado com a Elaine (com quem dancei quadrilha nos quatro primeiros anos da escola) e a Márcia (a minha primeira paixão alisônica, quando eu nem sabia que Elvis Costello existia).

Daí, então, meus pais se separaram. Eu tinha nove anos, e apesar de aparentemente ter lidado bem com a situação, um psicólogo diria que pra suprir a ausência da figura paterna, me apeguei em duas das coisas que, com olhar de moleque, eu achei que o representassem: o jornalismo e a música. Meu pai chegou a fazer alguns trabalhos de locutor de rádio e escrevia no jornal da Volkswagen, e aquilo me impressionava tanto quanto sua vasta coleção de discos, a maioria (até onde me lembro) de música popular brasileira: Vinicius, Caetano, Chico, Gil, Jorge, Nara, Rita… Tudo o que você imaginar.

A rotina da família mudou drasticamente: o dinheiro diminuiu, começaram as mudanças de casas (e, com isso, a mudança constante de amigos), e a música tornou-se a minha companheira. A lista nostálgica que segue abaixo é definidora da minha personalidade. Hoje em dia, amo centenas de discos, mas resisto a tentação de colocar Wilco, Arcade Fire, Radiohead, Afghan Whigs, Nirvana e outros que só vim a descobrir depois (como Leonard Cohen ou os clássicos noventistas do R.E.M.) nesta lista, pois eles só fazem/fizeram parte da minha vida porque, um dia, ouvi e ouvi e ouvi os discos abaixo. Eles são os 10 discos da minha vida…

E tudo começou com… Beatles”.

The Beatles – “Ballads” (1980)
O disco número 1 da minha coleção pessoal foi uma coletânea de baladas dos Beatles. O vinil era fininho, mas ainda assim as dez músicas de cada um dos lados tocaram tanto e tanto e tanto, e nunca chegaram a riscar. Talvez se meu primeiro álbum fosse “Never Mind The Bollocks”, as coisas fossem diferentes, mas alguns anos da minha vida (que hoje parecem terem sido longos demais) foram embalados por “You’ve Got to Hide Your Love Away”, “For No One”, “Do You Want to Know a Secret”, “Michelle”, “She’s Leaving Home”, “Here, There and Everywhere”, “The Fool on the Hill”, “Blackbird”, “Something” e “Let It Be”, pra citar dez (risos).

Ouça “You’ve Got to Hide Your Love Away”:

Led Zeppelin – “Led Zeppelin II” (1969)
Olhando em retrospecto, não sei como não parti para o lado metaleiro da força. Talvez por minha alma já exibir uma queda pelo romantismo (o que talvez explique o fato de uma das minhas faixas preferidas deste disco ser o baladão “Thank You”), devido a audições repetidas do disco de baladas dos Beatles, muito embora a coisa já devesse estar definida por algum gene familiar. Ainda assim, “Whole Lotta Love”, o rife arrasa-quarteirão de “Living Loving Maid”, o solo absurdo de “Heartbreaker”, o clima bate-e-assopra de “What Is and What Should Never Be”, e claro, “Moby Dick” foram um excelente anestésico pro tédio e um perfeito ponto de convergência sobre rock barulhento pra um garoto de doze, treze anos. Interessante: muito da molecada da cidade estava afundada no New Wave of British Heavy Metal, mas apesar de ter ouvido bastante Iron Maiden nesse período, e gostado, meu caminho de rock pesado foi aberto (e sedimentado) por “Led Zeppelin II”; “The Kids Are Alright”, do The Who; e “Burn”, do Deep Purple.

Ouça “Thank You”:

Echo & The Bunnymen – “Ocean Rain” (1984)
Eu nunca seria capaz de citar um disco importante na minha vida. Nunca porque esse posto é ocupado por dois álbuns: “Ocean Rain”, do Echo and The Bunnymen, é o primeiro. Não foi o primeiro disco que eu comprei deles (a brilhante coletânea “Songs To Learn And Sing” – Canções Para Aprender e Cantar – havia feito o estrago primeiro), mas assim que a agulha começou a correr os sulcos uma paixão avassaladora nasceu. Está tudo ali. Tudo. O que o Echo And The Bunnymen mostrava era de que era possível ser passional sem ser chorão (ou emo, se o adjetivo desabonador houvesse sido popularizado na época), que era possível ser psicodélico sem ser maleta. Esse é o disco que ninou minha alma durante noites e noites insones da adolescência, as quais eu tentava lutava pra acreditar ser possível sobreviver até os 20 anos.

Ouça “Ocean Rain”:

The Clash – “London Calling” (1979)
O coração tinha uma trilha sonora, a cabeça tinha outra: “London Calling”, do Clash. Novamente: está tudo ali. Tudo. Punks radicais odiaram, afinal, “London Calling” é uma coleção de canções que abraça diversos estilos: punk, reggae, rockabilly, bebop, ska, R&B, pop, lounge jazz, hard rock e baladas. O Clash provava por A (“Brand New Cadillac”) + B (“Lost In The Supermarket”) que as fronteiras da música eram tênues, e que não importava a forma que você usava para se manifestar, mas o que você tinha pra dizer. O cineasta Cameron Crowe, toda vez que se prepara pra começar um filme, envia para seus atores uma cópia de “Pet Sounds”, dos Beach Boys, como se o disco fosse uma carta de apresentação/intenção. Se pudesse fazer o mesmo (e já fiz algumas vezes), enviaria “London Calling”.

Ouça “London Calling”:

The Doors – “The Best Of The Doors” (1985)
Entre os meus dez e quinze anos, muita aconteceu não só na minha vida, mas com o próprio país. O fim da ditadura foi um perfeito incentivador pra massificação do rock nacional. Essa coletânea dupla caiu como uma luva no ambiente que eu vivia, e a própria turma o adotou (não com a veemência dos personagens do filme “Os Garotos Perdidos”, mas de uma forma mais… viajante). Jim Morrison me levou a William Blake e Aldous Huxley, e embora a chapação de “As Portas Da Percepção” não tenha causado tanto efeito sobre mim, “O Macaco E A Essência” permanece até hoje como um dos meus livros prediletos. O que dizer de um disco que tem “Five To One”, “Break On Through”, “L.A. Woman”, “Light My Fire” e “When The Music’s Over”?

Ouça “L.A. Woman”:

The Cure – “The Top” (1984)
Tenho um carinho imenso por este álbum, o “disco psicodélico” da nossa turma. É uma lembrança quase tão viva quanto o sabor de uma fruta, que você prova e te transporta pra um determinado local vivendo uma determinada situação. Ouvi muito mais o “Head On The Door” e gosto muito mais do “Disintegration”, mas “The Top” é a trilha sonora de um período adolescente pré-faculdade, sem obrigações e cobranças, de noitadas bêbadas e a visão de que o futuro ainda estava muito longe e a única coisa que restava era encher a cara e fumar com os amigos, enquanto a vida não tomava rumo. É o meu disco “irresponsável”(risos)…

Ouça “The Caterpillar”:

The Smiths – “Hatful Of Hollow” (1984)
Ainda hoje, quando coloco “Hatful Of Hollow” pra tocar, fico impressionado com sua simplicidade. É tudo tão passional, e ao mesmo tempo tão… focado. Reunião de singles, lados b e apresentações ao vivo em programas de rádio, “Hatful Of Hollow” compila dezenas de pérolas da dupla Morrissey/Marr em versões lo-fi. Um exemplo: “Still Ill”, uma das minhas preferidas, foi retirada de uma John Peel Session de 1983, e soa tão suave (apesar da letra venenosa e dos arpejos de guitarra querendo fugir da melodia) perto da pesadíssima versão ao vivo do álbum “Rank”. São dezesseis faixas indispensáveis (apesar do chororo de “Heaven Knows I’m Miserable Now” torrar a paciência de vez em quando) que serviram pra antecipar a força de “The Queen Is Dead”, o disco definitivo.

Ouça: “Still Ill”:

Joy Division – “Closer” (1980)
Smiths e Joy Division surgiram ao mesmo tempo na minha adolescência, cada um responsável por ser trilha sonora de um momento específico daqueles dias incertos e nebulosos. Apesar de “Atmosphere” ser a minha canção predileta da banda (presente na coletânea “Substance”), “Closer” tornou-se um amuleto contra o bom humor exagerado, um disco pra ouvir e perceber que, independente de algum momento bom, a tendência natural das coisas é dar errado. Também servia pra mostrar o quanto a minha dor, apesar de parecer imensa e intensa, soava insignificante perto da dor daquele cara que cantava algumas coisas realmente doloridas. Eis um grande companheiro de horas difíceis.

Ouça “Heart And Soul”:

Husker Dü – “Warehouse: Songs And Stories” (1987)
Aqui a coisa começa a ficar séria… e um tiquinho violenta. Este álbum e o próximo (e, acredite, “Dead Again”, do Mercyful Fate) foram meus doces companheiros dos dezessete anos aos vinte, acompanhando-me durante o agradável período dedicado ao serviço-militar obrigatório pra Nação. “Warehouse: Songs And Stories”, no entanto, salta a frente por antecipar boa parte do que eu iria ouvir e procurar nos anos seguintes, algo como um Santo Graal de honestidade rock and roll embalado em canções emblemáticas, vinte porradas que bateram tão forte que até hoje me pego assoviando o riff de “These Important Years”, sem querer. Toda vez que alguém fala em fim do mundo me vem à imagem da intro de bateria de “She Floated Away”. E eu tento me controlar, colocar as mãos nos bolsos, mas não consigo deixar de fazer air guitar em “Ice Cold Ice”…

Ouça “These Important Years”:

Pixies – “Doolittle” (1989)
O disco perfeito. Em um mundo fiel às leis e sem alma, eu deveria processar Black Francis pelo estado avariado do meu ouvido esquerdo, dano causado por centenas de audições deste disco via walkman, ida e volta do trabalho, durante meses, talvez anos. Mas se estou aqui, escrevendo todas essas bobagens sentimentais, o mérito também é de Black Francis, por ter tornado a vida tão mais fácil em um período de baixa estima e pouca fé nos sonhos. “Doolittle” é daqueles discos que me fazem sorrir independente do meu estado de espírito. As hemácias, leucócitos e plaquetas correm por minhas veias gritando “Debaser”, “Tame”, “Wave Of Mutilation”, “I Bleed”…

Ouça “Wave Of Mutilation”:

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Lautmusik”.

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Comentários

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12 comentários

  1. Me identifico com vários aí! Um dia em algum dos anos 90 eu fui na “galeria dos góticos”, na loja Bizarre, eu estava atrás do Pod do Breeders e o Zé Antônio (aquele mesmo dos Pin Ups) pegou e mostrou o Pod e ao mesmo tempo sacou esse Hüsker-Du aí e colocou logo na faixa 7! Pô, aí é golpe baixo…rs
    Depois eu descobri que o disco todo é muito bom!

  2. Comprei meu primeiro disco dos Doors graças a uma resenha da coletânea The Best Of The Doors, feita pelo crítico José Augusto Lemos, numa Bizz de 86. Ele começava o texto descrevendo o início de “Break On Through”, em que entram, passo a passo, a batida de jazz de John Densmore e a sequência de baixo feita pelo órgão de Ray Manzarek, para então surgir a voz, que grita: “You know the day destroys the night, night divides the day. Tried to run. Tried to hide. Break on through to the other side”.

    Muito tempo depois, o Lemos se tornou editor da Superinteressante, onde era chefe do meu amigo e xará, Alexandre Versignassi. Escrevi para o antigo crítico da Bizz, dizendo como aquela resenha tinha influenciado meu destino como fã de rock, e ele ficou emocionado. Afinal, a revista era de 86. Tinha o Matt Dylon na capa, era uma edição sobre os “novos” badboys.

    Ótima lista, a do Marcelo Costa. Na minha, além da coletânea dos Doors, o Closer também teria lugar de honra.

  3. Somos praticamente da mesma geração, nasci em 1969, e a tua escolha colide em muitos pontos com a minha. Beatles colocaria sempre em primeiro, mas com “Abbey Road” (o mais perfeito canto do cisne que qualquer banda poderia ter), do Zep escolho o álbum “IV” porque me parece mais consistente. O “London Calling” está na minha lista pelo fato de provar ser possível ter um rótulo punk e ser sensacionalmente eclético. Acrescento o portentoso “Back In Black” do AC/DC, “Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me”, do The Cure (com a sua ideia de expansão sonora) e a excelente saga New Wave de “Zenyatta Mondatta”, do Police. O The Smiths nunca me marcou muito e a melhor canção deles ainda é “What Difference Does It Make”, onde a voz de Morrisey parece menos afectada do que o normal. Echo & The Bunnymen com “Songs To Learn And Sing” também fez “estragos” em mim e eles merecem pontos. The Doors ? Sempre ! Palmas pela tua inclusão de “Closer” (e “Atmosphere” é mesmo a melhor música dos Joy Division). Realmente, são mesmo os discos que nos escolhem a nós.

  4. Confesso que tenho um pé atrás com coletâneas, dessa lista só ouvi London Calling e ainda estou em Unknown Pleasures do Joy Division. Mas esse último disco aí (mesmo ainda com 17 anos) posso afirmar que concerteza estará na lista dos discos da minha vida (talvez em primeiro?). Doolittle é simplesmente perfeito, porém ainda subestimado. Quando fazem listas de melhores de todos os tempos ele sempre está em posições moderadas. Na minha opinião temm que estar no minimo em um top 30. A ”loucura” de Black Francis me fascina cada vez que ouço esse disco. É o disco que, se eu pudesse escolher algum disco pra mim ter feito, seria ele. Acho que é por isso que a maioria dos fãs de Pixies tentam montar uma banda (risos).

  5. lista legal…mas nenhum deles entra na minha…Neil young,REM,Raul, beatles (albuns de estudio), Nick Drake, The who, Nirvana e poor fim Elliot Sith sao pra mim bem mais essenciais…

  6. Grande Marcelão! Fomos “sócios” da “Rádio Itapecirica”. Kkkkkkkkk…
    Uma estupidez de moleques sem recursos, que improvisavam o improviso, que arrancavam o couro de um gravador K7 e nos faziam acreditar que éramos comediantes.
    Graças a Deus seguimos outros rumos e o Marcelão transformou- se nesse gurú cultural !!!
    Parabéns companheiro! Todo sucesso pra você é pouco !
    “Itapeciriiiiiiiiica….a sua rádio ROCK “

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