OS DISCOS DA VIDA: GAÍA PASSARELLI

A ideia de um canal de televisão que só passasse videoclipes encantava adolescentes na década de 1980. A gente sabia da MTV estadunidense e sonhava com aquilo por aqui. Em outubro de 1990, a MTV aportou no Brasil, mas não era algo fácil. Em São Paulo, era preciso um antena especial pra pegar o canal 32 em UHF. “Antena especial”, mas comum, beleza. Se sua tevê não captasse UHF, dava pra comprar uma antena facinho. A imagem não era das melhores, mas a MTV estava lá. Com Astrid Fontenelle, lembra? Foi um acontecimento.

Eu tinha 18 anos, passando pra 19, e vivia pra cima e pra baixo com vinis comprados no centrão de São Paulo. Era (e ainda sou, acho) de fuçar, conhecer coisas novas, bandas obscuras… Em 1991, Fábio Massari fazia a nossa festa com o “Lado B”. A MTV tinha lá suas ousadias.

Eu cresci, fiz faculdade, me formei, caí naquela de trabalhar, pagar contas, casar, esse lance todo. A MTV foi se popularizando, proliferou-se com a TV a cabo, e eu um tanto que me afastei daquela programação cada vez mais adolescente – a MTV não tinha porquê “ficar mais velha” junto comigo, claro. Só o Lado B se manteve firme, até 2000 (acho).

Aí, volta e meia, na primeira década do novo século, quando tentava ver o canal, eram só programas de humor bobinhos. Achava que era eu que havia me afastado da MTV, mas estava claro que era a MTV que acabou por me afastar, quando afastou a música de sua programação.

Isso durou até 2011, quando a emissora se deu conta novamente que seu “M” é de “music” e que precisava trazer de volta a dita cuja. Não sou mais o público-alvo da MTV, nem tenho muito tempo ou paciência pra ver a programação. Se quero um vídeo, o YouTube taí. Todo o resto da MTV, além da música, dos clipes, não me importa.

A não ser que tivesse um programa como o “Lado B”, que apresentasse alguma coisa nova. E tem: é o “Goo”, de Gaía Passarelli, jornalista criadora do site rraurl.com – e que, convenhamos, nessa altura do campeonato, dispensa qualquer tentativa de apresentação que não se torne repetitiva.

Há um ano, numa matéria da Folha de S. Paulo, Gaía afirmou que o “Goo” iria se dedicar “à música nova, mas não de nicho. Vamos ter matérias sobre cumbia digital, funk carioca, dubstep”.

O programa tem exatamente um ano, cumprindo seu papel. A MTV dá como chamada “muita música nova nos clipes mais antenados em tudo que está rolando no Brasil e no mundo!”. Na grade, o programa virou uma faixa de clipes e se posiciona às segundas-feiras (06:30h), terças (04:00h, 06:30h e 09:00h), quartas (07:00h), quintas (05:00h), sextas (04:00h e 08:00h) e sábados (02:30h). Mais informações na programação da MTV.

Em tempo, Gaía me corrige: “atualmente o Goo é só uma faixa de clipes na madrugada, sem eu apresentando (mas eu que faço as sugestões de vídeos, que às vezes a TV acata). O que estou fazendo na MTV agora é o MTV1 (www.mtv1.com.br) junto com o China e o Chuck. MTV1 é a parte musical da MTV em formato site/blog (na Internet) e drops (na TV, sem horário fixo mas várias vezes por dia e sábado o dia todo)”.

Talvez seja um exagero colocar o renascimento de uma MTV “legal” só na conta do “Goo”, mas é um bom exemplo, um símbolo, ao menos pra mim.

Por todo esse histórico, esta edição de “Os Discos da Vida” se torna especial. Gaía Passarelli mandou sua lista, vi (com uma felicidade adolescente) que a gente tem umas intersecções de gostos (e algumas histórias são parecidas, deve ser o lance de geração e tals), com a diferença que agora consigo vê-la de uma maneira diferente – digamos, mais humanizada (a televisão endeusa as pessoas e as coloca num plano intangível pra quem está do lado de cá, com o controle remoto em mãos – entenda “endeusar” no sentido de “intangibilizar” socialmente, olha lá…).

Que a MTV não se distancie mais dessa geração. De qualquer forma, Gaía continua fazendo seu papel.

GAÍA PASSARELLI

“O que é preciso pra um disco ser um dos “discos da vida”? Não sei, mas não foi difícil pensar em dez que foram importantes em algum momento da minha vida, não necessariamente preferidos. Mando a lista em ordem de importância e ainda explico o motivo. Vamos lá”.

10. REM – “New Adventures In Hi-Fi” (1996)
Não é o caso de mudar a vida mas de representar uma fase muito legal – quando eu peguei meu primeiro carro e comecei a viaja em estradas, dirigindo, esse era o disco que me fazia companhia. Ficou na memória afetiva e ainda hoje acho que é o momento mais bacana do REM – uma banda que, convenhamos, tem momentos bacanas de sobra.

Ouça “Electrolite”:

9. Fleetwood Mac – “Rumours” (1977)
Aqui é outra história. Um dia meu namorado chegou de uma viagem e eu perguntei se ele já tinha escutado esse disco, gravado no ano em que nós dois nascemos. Porque eu estava ouvindo há dias e não conseguia parar. Ele entrou comigo na viagem e esse disco fez a gente começar a ouvir outras coisas juntos. É um representante da safra 1977 de bons álbuns. E é incrível.

Ouça “Dreams”:

8. Four Tet – “Rounds” (2003)
Esse eu recebi pelo correio numa tarde daquelas em que você acha que nada vai acontecer e escutei direto nos meses seguintes. Até então, pra mim, eletrônica estava diretamente ligada à festa e noite. O Four Tet foi meu primeiro interesse em música eletrônica mais contemplativa e experimental e me fez gostar de um monte de outras coisas que até então eu achava que eram “chatas”.

Ouça “My Angel Rocks Back And Forth”:

7. The Cure – “Disintegration” (1989)
Taí, o melhor disco do Cure foi meu companheiro quando eu estava começando a descobrir as dores e delícias da adolescência e do rock inglês. Letras confessionais, histórias doloridas e uma atmosfera trevosa falaram com força ao meu coração atormentado de garota de 14 anos. A trilha-sonora da minha adolescência foi Siouxsie, Jesus & Mary Chain, Echo & The Bunnymen, Cocteau Twins – mas nada disso teria pintado não fosse a fixação que eu desenvolvi pelo “Disintegration” antes de todos os outros.

Ouça “Fascination Street”:

6. Nick Cave & the Bad Seeds – “Tender Prey” (1988)
Pouco antes do “Disintegration”… teve o “Tender Prey”. A história é mais simples: fui numa loja de discos e comprei um álbum por causa da capa. Esse álbum era do Nick Cave e a primeira vez que eu coloquei a agulha no vinil e ouvi “The Mercy Seat” a minha mãe entrou no quarto querendo saber que diabos era aquilo que eu estava escutando. Apaixonei.

Ouça “The Mercy Seat”:

5. 2 Many DJs – “As Heard On Radio Soulwax Pt 2” (2003)
Um divisor de águas. Quando esse disco-coletânea-mixtape-mashup-wtf saiu eu estava profundamente envolvida com tags como techno e house e, confesso, havia pouco espaço na minha vida pra o que fosse cantado ou tocado com instrumentos como, sei lá, uma guitarra. Mas ouvir a dupla belga misturar Stooges com Dolly Parton com Peaches com Destiny’s Child com Vitalic com Jets com New Order… Me fez ver que eu provavelmente estava perdendo tempo. A cultura de mashups nunca fez parte da minha vida, mas depois desse disco (e de ver os caras tocando uma meia dúzia de vezes) parei de fechar os ouvidos. Foi legal demais.

Ouça “No Fun – Push It” (The Stooges – Salt’N Pepa):

4. The Beatles – “The Beatles (White Album)” (2005)
Aí é coisa dos meus pais. Toda a discografia dos Beatles é muito importante pra mim e eu a descobri acho que com uns 11 ou 12 anos, fuçando nos discos de vinil da minha mãe – ela ainda hoje tem um “Sgt Pepper’s” original na casa dela. Beatles é um clichê, mas quem se importa? A escolha do “White Album” é porque esse eu ganhei em CD, duplo, com livro com as letras e fotos, do meu pai, junto com meu primeiro CD player. Também foi o único que eu comprei versão digital quando a iTunes Store finalmente liberou o catálogo deles pra download pago. Minha música preferida deles nem está nesse disco, mas o álbum é, eu acho, o mais bem acabado, ousado e esperto dos Beatles. Ou só me traz lembranças legais de ficar em casa de tarde escrevendo num caderno e ouvindo “I Will”.

Ouça: “I Will”:

3. Chemical Brothers – “Exit Planet Dust” (1995)
Existe uma variedade de discos da trilogia Chemical Brothers/Daft Punk/Prodigy dos anos 90 que eu poderia escolher, mas o tempo passou e o Chem Bros ficaram como minha “banda” de eletrônica predileta. Esse primeiro disco foi tachado na época de “big beat”, que é o nome que os críticos musicais da época escolheram pra essa mistura de batidas vindas do rock ou do hip hop com sonoridade techno/house que eles não entendiam. Tem faixas espetaculares como “Life If Sweet” e “Leave Home” (N.E.: com participação de Tim Burgess, do Charlatans) e na época eu tinha até uma jaqueta com o logotipo da banda.

Ouça “Life Is Sweet”:

2. Michael Jackson – “Thriller” (1982)
Antes do Menudo e muito antes do New Kids On The Block, quem arrasava corações infantis era o Michael Jackson. Talvez morar numa casa onde música era levada a sério tenha ajudado, mas o MJ foi meu primeiro crush infantil – eu e minha irmã tínhamos pôsteres na parede e esse disco tocou todos os dias, até gastar. O tempo passou e MJ precisou morrer pra voltar a ocupar seu posto de gênio da música pop, mas nessa época eu era criança e ele era nada menos que mágico. Minha preferida é “Billie Jean”.

Ouça “Billie Jean”:

1. New Order – “Low-Life” (1985)
Ganhei alguns discos bem legais da minha mãe quando meu gosto musical começou a mudar. Ela diz que não fazia a menor idéia do que eu gostava, mas ainda hoje tenho discos do Talking Heads (“True Stories” foi presente de aniversário de dez anos e tem dedicatória!), Depeche Mode e outros que ela me deu, o que significa que tinha algo de certo rolando. Mas importante mesmo foi esse New Order, que eu imagino que ela escolheu porque na época a coletânea “Substance” era sucesso nas festinhas da minha escola, por causa de “Blue Monday” – sim, eram tempos totalmente diferentes. Eu “pirei” no disco e em faixas como “Sub-Culture” e “Elegia” que, acredite, não são para moças de 13 anos. Note a capa, o clima animado e otimista. O New Order se tornou a banda da minha vida e hoje tenho todos os discos. O mais legal? Muitos anos depois rolou de entrevistar o Peter Hook e na maior cara de pau do mundo eu levei o disco e depois da entrevista contei o quanto eu gostava dele e pedi um autografo – que ele deu na maior simpatia. Foi uma entrevista ótima, em que ele respondeu todas as perguntas que eu queria sobre a banda, e ainda fiquei com essa lembrança.

Ouça “Sub-Culture”:

Na edição anterior de Os Discos da Vida, “Os Discos da Vida: Team.Radio”.

Leia mais:

Comentários

comentários

8 comentários

  1. Não posso acreditar, fui lendo os discos da Gaia do 10 pra baixo e li todos, até por que tive um ar de leveza com o White Album dos Beatles, e uma lagrima caindo vendo o Low-Life do New orders… tenho só 19 aninhos, mas como me encanta os anos 80/90 … a cada dia viro mais fã da Gaia !

    Um Enorme abraço !

    Raí.

  2. Gaía é simplesmente uma pessoal incrível, não ouso dizer que é uma gênia e me deixa mais tranquilo em saber que o bom gosto ainda não se perdeu, o programa é um máximo, e esse post atendeu minha expectativa em saber o que essa mulher maravilhosa com tom suave e pausadamente sexy na voz ouve, obrigado Gaía pelo programa e sucesso ao longo dos anos que serão muitos!

  3. Legal a matéria e nada que o pessoal da década de 80 não tenha ouvido também. No entanto, o bom gosto impera. 😉

  4. É incrível como a cada dia que passa eu me simpatizo cada vez mais com a Gaía.Personalidade fortíssima, dispensa comentários sobre bom gosto musical.
    Acompanho seu trabalho desde que soube do Goo (que realmente nestes últimos anos, foi o único que me interessou na programação da “nova MTV”) e a partir daí não parei mais de ficar de fora sobre o ela tem a nos passar com o seu trabalho.
    Viva Gaía! cê tá de parabéns! rs..

    ps:essa matéria foi muito legal, deixando claro que acompanho sempre os posts que são feitos aqui no Floga-se, são textos sempre coerentes e bem elaborados.

    Gde Abraço.

  5. Também curto este new adventures in hi fi do REM , acho que o fato de eles terem gravado na estrada faz com que cada uma das faixas seja única.

    Chemical Brothers também marcou minha pós adolescência. Diziam até que o rock iriam acabar por causa deles e do Prodigy 😀 Na verdade deveriam ter dito que o eletrônico seria uma espécie de fuga de um beco escuro e sem graça que o rock tinha entrado.

  6. Caramba, como eu adorava o Lado B,lá no início da MTV, fazia a festa mesmo, pois exibia músicas e bandas da melhor qualidade, e com certeza me ajudou muito a formar a minha identidade musical. Ficava acordadona esperando, ou gravava no videocassete, rs…
    Agora, essa lista é bastante interessante, e quando li a primeira frase sobre o Disintegration, me vi ali com certeza!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.