PRAISE YOU: ANTECIPANDO O PADRÃO EM VINTE ANOS

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Spike Jonze não era um zé-ninguém quando lhe foi incumbida a tarefa de colocar em imagens a faixa “Praise You”, de Fatboy Slim, que promovia seu segundo trabalho, lançado em 1998, “You’ve Come A Long Way, Baby”.

O diretor nova iorquino já tinha em seu currículo trabalhos admiráveis, como os vídeos de “100%”, do Sonic Youth (1991); “Cannonball” e “Divine Hammer”, das Breeders (1993); “Hang On”, do Teenage Fanclub (1993), “Time For Livin'” (1993) e “Sabotage” (1994), dos Beastie Boys; “Buddy Holly”, do Weezer (1994); “Feel The Pain”, do Dinosaur Jr. (1994); “Crush With Eyeliner” (1995) e “Electrolite” (1996), do REM; “Da Funk”, do Daft Punk (1997); e muitos outros. Estava mais perto de iniciar sua carreira cinematográfica, igualmente bem sucedida diante da crítica especializada (ele tem um Oscar de melhor roteiro original, com “Her”, de 2014; e foi indicado a melhor diretor com “Being John Malkovich”, de 2000), do que de qualquer outro trabalho ligado à indústria (independente) da música.

O primeiro single de trabalho do disco foi “The Rockafeller Skank”, um sucesso acachapante, que também pegou de jeito Jonze.

O diretor, então, na primeira oportunidade que teve, fez chegar a Norman Cook (o nome que Fatboy Slim ganhou dos pais) o vídeo de um cara aleatório dançando “The Rockafeller Skank” como se não houvesse amanhã. Jonze deixou a fita em um hotel que Cook estava em Los Angeles, assinando “com amor, Spike”.

O que Cook não sabia é que o “cara aleatório” era o próprio Jonze. “se conseguirmos encontrar aquele louco louco e fazê-lo dançar meu próximo single, então esse é o vídeo”, disse Cook.

Spike Jonze deu um tiro certeiro. Como sugere a capa, o trabalho de Fatboy Slim celebra os excluídos e diferentes dos padrões estabelecidos pela cultura reinante, pelo comércio e pelos ideais de beleza. Era esse o caminho que Jonze seguiria, assim que Cook lançou o desafio e o diretor se revelou como o “cara aleatório” dançando.

Pra criar o vídeo, Jonze reuniu um grupo de atores e se manteve firme no personagem que ele criou, durante toda a duração dos ensaios, performance e até mesmo após o encerramento das filmagens, segundo um dos atores. O grupo de dançarinos foi chamado de Torrance Community Dance Group, que, na verdade, não existia.

Eram todos com perfil de pessoas “comuns”, as quais os “excluídos” e “diferentes” podiam se espelhar. O próprio Jonze, que atua como o líder do grupo, sob o nome de Richard Koufey, usava um óculos exagerado e um bigode não recomendável diante do espelho. As roupas não tinham nada de especial, nem penteado, nem maquiagens. Por outro lado, os integrantes eram em sua maioria loiros, magros e todos brancos – o que foi apontando como um “equívoco”.

A canção deriva (o que não é novidade pra absolutamente ninguém) de “Take Yo’ Praise”, que a cantora e ativista pelo direito dos afro-americanos Camille Yarbrough lançou em 1975 – do primeiro disco dela, “The Iron Pot Cooker”. Os primeiros versos são usados por Cook: “We’ve come a long, long way together / Through the hard times and the good / I have to celebrate you, baby / I have to praise you like I should”.

Ela fala em agradecimento àqueles que apoiam a luta contra a segregação racial, os direitos civis iguais pra pretos e brancos, um elogio aos que perceberam e batalham contra a lógica racista da sociedade estadunidense: “You’re so rare / So fine / I’m so glad you’re mine”. Camille, que neste 2021, ainda está viva (completou 82 anos em 8 de janeiro), tinha 60 quando o álbum de Fatboy Slim foi lançado e viu o sucesso que sua música proporcionou – Cook divide os créditos de “Praise You” com ela.

O lance todo foi filmado de uma só vez, numa verdadeira ação de guerrilha.

Os dançarinos apareceram na frente de um cinema em Los Angeles, com a câmera VHS já rodando, se perfilaram, puseram a faixa pra tocar em aparelho de som portátil e passaram a desenrolar os passos ensaiados. Um pré-flash mob.

Mas Spike Jonze não foi tão revolucionário quanto os fãs gostam de defender. Em 1994, a artista Gilliam Wearing se filmou dançando em um movimentado shopping center no sul de Londres, pra perplexidade ou indiferença dos transeuntes. “A compreensão íntima de Wearing da linguagem da documentação explora a lacuna entre a experiência pública e privada”, explica a South London Gallery.

E talvez faça mais do que isso, como se viu nos anos seguintes, quando experiências como essa tomaram proporções indescritíveis e emocionantes (lembra dessa?): pra chamar atenção pra si, o ser humano é capaz de qualquer coisa (as ridículas dancinhas do aplicativo Tik Tok são um exemplo disso), desde dançar até se matar na frente das câmeras. Entretanto, sem as redes sociais, como naquela época, era preciso sair do conforto do lar e se expor, com todos seus defeitos e medos e inseguranças, na frente de pessoas reais, com a disposição do desagravo público.

Mas, ok, os atores-dançarinos estavam lá pro desse e viesse, sem problemas de escrutínios. Assim como Jonze, que sabia que quanto mais ridículos e sem atrativos a dança fosse, melhor.

O ridículo acabou atraindo os frequentadores do cinema, que olhavam espantados àquela cena, ao mesmo tempo que se divertiam com a falta de habilidade coreográfica daquela trupe. Nem mesmo o segurança do cinema, que desligou o aparelho de som, foi ensaiado. Jonze saltou no seu colo e voltou a ligar a música, passando a uma dança-solo totalmente sem noção, arrancando sorrisos e alguns risos, incluindo dele mesmo.

“Richard Koufey simplesmente saltou sobre o segurança, como um macaco”, disse Michael Gier, um dos atores do grupo. “No início as pessoas não sabiam o que pensar, mas adoraram; eles estavam realmente torcendo por nós. O que você vê no vídeo é exatamente o que aconteceu”.

Emily Gosling, editora do site Elephant, falando sobre o vídeo, escreveu que “a dança é absoluta e brilhantemente terrível – o tipo de coisa até então vista apenas no final de casamentos ou discotecas do sexto ano. Movimentos como o ‘peixe’ (mãos juntas, braços serpenteando em zigue-zague), a ‘Julie Andrews’ (um salto efervescente, à la ‘Sound of Music‘, referindo-se, claro à ‘Noviça Rebelde’); o ‘bule de chá’; logo tudo foi imitado em clubes de todos os lugares, enquanto a faixa alcançava o primeiro lugar nas paradas do Reino Unido em janeiro de 1999″.

“A magia do vídeo então, e até certo ponto agora”, ela segue, “é que não está claro o que é real e o que não é: as pessoas pensaram que o Torrance Community Dance Group era uma entidade genuína; Jonze é absolutamente tão Koufey quanto Koufey é Jonze. A filmagem também é adoravelmente granulada; fazendo com que pareça tanto um clipe de ‘You’ve Been Framed’ quanto um videoclipe vencedor de quatro prêmios MTV. Enquanto os dançarinos tendem a parecer um pouco malucos, parte do charme está na natureza direta e sem julgamentos – há uma linha muito delicada entre zombaria e celebração, e Jonze pula, pula e pula ao longo dela lindamente”.

Curiosamente, mais de vinte anos depois, a música segue bastante atual (alguém duvida que seria um sucesso absoluto se lançada agora?) e seu clipe, a despeito do VHS defeituoso, continua a colocar o questionamento sobre padrões no topo da discussão da natureza humana.

Toda cena ridícula produzida aos borbotões nas redes sociais, todos os dias, provam que Spike Jonze estava certo: os malucos serão admirados a ponto dos normais quererem ser e agir como eles.

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