RESENHA: A-TROS – ARCABOUÇO

(Eu sempre fiquei muito intrigado sobre como certos artistas decidem abordar um passado nebuloso como a ditadura militar. Claro, não há fórmulas e dá pra fazer de todos os jeitos possíveis. Contudo, eu confesso que sinto um atrito maior em trabalhos como “Arcabouço”, que parece conter uma narrativa borrada e esquizofrênica sobre o sofrimento objetivo que foram aqueles anos)

De todos os trabalhos densos e exploradores que a Seminal Records vêm lançando desde 2014, em “Arcabouço” eu encontrei algo mais parecido com uma espécie de preocupação com a ambientação, enquanto ainda assim os elementos canonicamente não musicais não deixam de ser essenciais no auxílio da transfiguração do horror frente a não somente o passado violento, mas à própria autoatribuição de fazer música sobre isso. O espanto perante a representação do impossível é uma das muitas coisas que o sufoco em “Arcabouço” parece tratar.

Não à toa, quando as gravações de vozes reais surgem, a dispersão sonora surge em conjunto – nada foi evidentemente claro pra, atualmente, ser redesenhado sob um viés simplista. Não é que o A-tros fuja da tomada de decisão (lendo a descrição no Bandcamp fica bem claro qual lado é escolhido), mas Fabiano Pimenta (o A-Tros) não poderia deixar de revisitar momentos tão cruciais sem alçá-los à condição confusa e caótica. O extenso cenário estético construído em “Arcabouço” dialoga através de um campo disforme, em que qualquer corpo rígido é distorcido no avançar das faixas.

Muito mais do que inteligência ou domínio técnico (que não faltam pro A-tros), é através da intuição fragmentada que o múltiplo cenário de “Arcabouço” é construído: como estruturas que jamais estarão exatamente cheias, com distorções que invadem os graves que resistem a essa invasão, prolongando uma contemplação que não explica muita coisa, apenas perdura incessantemente como uma assombração histórica ou uma memória irreconhecível.

Esse tipo de obstrução ao pleno que irmana a visão do criador à nossa – a diferença é que ele cria, através da imensa confusão, um campo em que tais exílios possam ser propostos. A obsessão com o disforme também é uma característica própria: como reconhecer qualquer forma (ou qualquer história) sem ser atingido pela imposição do dever realista? Ou: como simplesmente atribuir às memórias o cerne de uma reestruturação pretérita? É tudo muito complicado e Fabiano não foge disso: o artista sempre acaba devendo à realidade.

01. Homem De Barbárie
02. Vigília
03. Sabotagem
04. Militância
05. Em Vão
06. Iminente
07. Mimético
08. Mise En Scène
09. Blcr
10. Mise En Abyme

NOTA: 8,5
Lançamento: 20 de julho de 2017
Duração: 21 minutos e 49 segundos
Selo: Seminal Records
Produção: Fabiano Pimenta

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