RESENHA: ALDOUS HARDING – DESIGNER

Ela sente o peso do universo, mas pode fazer e ser qualquer coisa. Nada pode pará-la. Ela se diz perdida, as costas estão se esmagando com todo esse peso e mesmo assim, ao ouvir “Designer”, o terceiro disco de Aldous Harding, ninguém poderá dizer que ela está sofrendo. Ela tem uma posição de soberba de quem superou e continua superando seus medos e obstáculos. Um poder legítimo. Sua arma? A voz incrivelmente versátil, que faz suas músicas parecerem tão leves e tão soltas e tão envolventes.

Em “Damn”, com o piano denso ao redor, ela parece confessar uma tentativa de suicídio, por causa de algum relacionamento, mas não está claro. O que fica transparente é que por trás dessa voz dramática, dessa interpretação potente, dessa figura extasiante (de humor peculiar, de beleza exótica), há uma criatura que sofre um bocado, como qualquer pessoa normal no mundo moderno.

“Designer” começa como palco pra essa incrível versatilidade de Harding. A neo-zelandeza entrega “Fixture Picture” como uma gema pop; pra seguir na faixa-título labiríntica, um quebra-cabeças que por vezes soa Alanis Morissette, por vezes Dido, por vezes uma grossa mistura setentista; e, então, com “Zoo Eyes”, cheio de balanço (lembra Mutantes?), ela se entrega, como se precisasse de alguém desesperadamente (“Ask for me and you shall receive”, canta), mostrando uma fraqueza que não é aparente. É a senha pro disco assumir seu lado obscuro e pesado.

A beleza de “Treasure” ainda remete ao disco anterior, “Party”, tão eficiente quanto este pra elaborar os labirintos sonoros, com pianos, segundas-vozes, sopros graves, pouca bateria, peças radiofônicas e peças intimistas. É que Harding parece olhar pro que foi feito anteriormente e achar que “bem, eu poderia ter feito assim e assado” e tentar incrementar. Ao nossos ouvidos é “melhorar”. “What will you do if the game keeps changing?”, ela pergunta. O disco é a sua resposta.

Uma canção deliciosa como “The Barrel” antecedendo “Damn” é um choque. “Damn” é como se Nico tivesse baixado em Aldous, com o mesmo sofrimento e angústias de alguém vivendo em um universo que não é o seu (Nico, uma alemã, que recebeu este apelido por conta de Andy Warhol por ser um anagrama de “icon”, chamava-se Christa Päffgen, tinha sotaque forte e no começo não era reconhecida como cantora entre os seus pares nova iorquinos). “Todos temos nossas razões”, ela canta – pra sofrer, pra ter esperanças, pra sermos quem somos.

Aldous Harding é essa mistura interessantíssima de Nico, com uma artista folk qualquer num bar de quinta categoria, com Morissette, com Dido, com ela mesma, porque ela mesma é uma figura ímpar. Harding é um curioso personagem que aos olhos do público se apresenta representando um tipo caricato, um tipo que esconde o verdadeiro intérprete. Caras, bocas, danças estranhas e uma feição bela (embora longe das exigências do padrão de beleza comercial) se aliam a uma voz inebriante, em vários tons, pra descrever alguém que encontrou na música sua razão de viver e forma de se expressar.

Ela foi feita pra isso, desenhada sob medida pra ser essa artista exuberantemente fascinante.

NOTA: 9,0
Lançamento: 26 de abril de 2019
Duração: 40 minutos e 32 segundos
Selo: 4AD
Produção: John Parish

Leia mais:

Comentários

comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.