RESENHA: ARASHI – SEMIKUJIRA

Pra estender limites musicais em uma espécie de “competição de brincadeira”, o saxofonista japonês Akira Sakata, líder dos movimentos importantes de jazz livre no Japão desde a década de 1970, se uniu com duas figuras icônicas da musica de improviso contemporânea – o baixista Johan Berthling (Fire!) e o baterista Paal Nilssen-Love (The Thing, muito conhecido no Brasil por performances ao lado, por exemplo, de Cadu Tenório) – pra criar o Arashi e descompassos melódicos, ruídos e também melodias. O que se leva em “Semikujira” (“tempestade” em japonês) é um som poderoso que combina variações rítmicas e evidencia uma banda que apresenta uma relação musical baseada na exploração de extremidades.

Depois de uma carreira tendo liderado diversos projetos, cabe ao Akira Sakata ainda assim conduzir os outros dois enquanto em seu radicalismo todos os três buscam soluções formais pra forma extrema e divergente que a música vai adquirindo.

Os gritos crus na terceira peça, “Saitaro Bushi Atlantis-Version”, são resultados da atmosfera tensa que foi ganhando corpo nas duas primeiras canções. É como se o todo construído fosse nuvens que se assomam pra tempestuar da forma mais abrupta possível na terceira faixa (nem o Michel Gira, do Swans, apresentou vocais tão performáticos em seus três últimos discos).

As duas primeiras canções apresentam esferas bem tangíveis e fáceis (pra quem se interessa pelo gênero), que são sumamente esmagadas pelo impacto dos instrumentos e da voz na terceira peça – o solo de Akira a partir dos oito minutos de “Saitaro Bushi Atlantis” é a continuação de todas as intervenções que mestres como John Coltrane iniciaram lá trás. Neste ponto, a coisa toda atinge uma densidade palpável e você pensa “o que eles podem fazer a partir daqui?”.

Pois já testemunhamos em três faixas muitas coisas – o ritmo livre com influências tribais de Paal Nilssen-Love, o contrabaixo intimista de Johan Berthling e a teatralidade exuberante de Akira (tanto em relação à sua voz quanto ao seu saxofone). Você pode realmente sentir este desenvolvimento ficar cada vez mais rígido, denso e estranhamente dançável quando o rumo que a faixa segue é de um encontro mais calado entre os instrumentos após a intromissão muito caótica. Estabelece-se uma espécie de repetição baixa, que executa essa que é uma das melhores faixas de qualquer gênero neste ano, finalizando com uma áurea oriental um som que realmente colocou o pé em cada canto dos cinco continentes. Essa pulsação relativamente “cerimonial” que o álbum carrega é tanto um reconhecimento da tradição à qual Akira pertence, mas também uma tentativa (com a adição destes dois europeus) de renovação de uma linguagem que já carrega um experimentalismo muito ousado. Se há alguma espécie de “truque” que o grupo usa é nunca perder a força coletiva. Por exemplo, quando Akira brada com muita, muita raiva e energia, a bateria de Love junto com o contrabaixo de Berthling alucinam junto, perseguindo toda a loucura evocada pelo líder da banda.

Porque soa como uma construção convincente e mesmo assim um caminho com trezentas bifurcações impulsivas que “Semikujira” é uma das melhores construções musicais deste ano. É um dialogo brusco em que as pontes entre tradição, tradição jazzística e livre improviso se entrecruzam sem nenhuma espécie de aviso prévio. Por esses cruzamentos tão bem criados e executados que “Semikujira” atinge um ponto muito alto na discografia já vasta de seus três músicos.

1. Snowing On The Temple Garden
2. Blow Of Humpback Whale
3. Saitaro Bushi Atlantis-Version
4. Sheep Said Again Wolf Is Coming
5. Semikujira

NOTA: 9,0
Lançamento: 27 de maio de 2016
Duração: 48 minutos e 02 segundos
Selo: Trost Records
Produção: Janne Hansson

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