RESENHA: BETO CUPERTINO – TUDO ARBITRÁRIO

“Porque uma possibilidade se confirma e a outra não” é uma definição possível pra “arbitrariedade”. Beto Cupertino, ex-Violins, confirma aqui, em seu primeiro disco-solo, a distância contemporânea em piadas juvenis espalhadas virtualmente. A necessidade de opinar que distancia as pessoas, a admiração pessoal que cai em uma figura virtual. É possível se lamentar sobre tudo isso ou é possível dizer o que pensa em música, em metáforas que se inserem no cotidiano pra reforçar seus absurdos estranhos.

Frente há um futuro impossível, ele quer resolver todas as coisas inacabadas. A urgência estabelecida em “Tudo Arbitrário” – em contraponto aos instrumentais calmos e a voz gentil de Cupertino – muitas vezes encontra seu contrário em surpresas boas. Se “Tudo Arbitrário” respira uma necessidade de finalização, o disco admite que a caminhada pro “acerto de contas” não exclui reparar no ambiente ao redor ou mergulhar em lembranças que também são testemunhos de como se chegou a este lugar.

Aliás, a dimensão “passado x presente” é um elemento gritante no disco. Praticamente todas as canções rondam este tema e é em “Casa Da Fazenda” que se toma conta do lirismo. O desespero que se transforma em incerteza é evidenciado em lembranças de tempo que “se andava sem dinheiro pra beber”, ou de uma chuva forte que fodeu o pôr-do-sol. O admirável é que ele também lembra das sensações da época ou as ficcionaliza inconscientemente, de modo que não é apenas um embate “entre tempos” e sim sobre “sensações passadas versus consciência presente”. É um jogo bem ingrato e não há vencedores. No entanto, a delicadeza retirada destas complexidades que possibilita um trabalho tão finalizado como este.

Vídeo de “Todo Conteúdo”:

A solidão de cada um e as necessidades forçadas deste sentimento desgastante é revertida e transformada em signo de união – mais do que qualquer país ou deus. Porque Cupertino admite a solidão universal e busca neste desolamento interno palavras e sons que construam pontes a partir da desolação. Ele altera sua voz, ninguém ouve. A razão surge como algo GOLPISTAoso e opressivo, capaz de congelar esperanças e convencer a pessoa de que a solidão é invencível e intransponível. A onipresença de “luz e escuridão, fogo e gelo” é que alça este disco a um dialogo extremamente sincero – ainda que detalhista em termos sonoros, preciso e poético em termos líricos – com o ouvinte e torna capaz de nascer em quem ouve algumas vestimentas que o próprio destinatário desconhecia. Não porque Cupertino sabe mais ou qualquer besteira dessas, mas porque ele viola a dubiedade simplista pra explorar ramificações divergentes e amplia o espectro de impressões.

Em “Alarde”, é narrada uma visita ofensiva que xinga, enquanto se lamenta a pouca memória reunida. Frente a esta visita inesperada, Cupertino se ampara na sorte pra ver no que vai dar. Mais uma vez: isso evidencia que suas resistências através da solidão e da análise vasta da complexidade que nos cerca também não garantem efetivamente muita coisa. Mas são seus métodos de amparos e praticamente as únicas ferramentas que ele conhece. Ele admite, em “Tudo Arbitrário”, que o acaso não falha. Mas ele é o próprio fruto do acaso e não é porque se está à deriva que não se deve criar armas de resistência.

(ouça o disco na íntegra clicando aqui)

Não há redenção, não há “mérito algum no dom”. Palavras assim que justificam o nome do disco mas é justamente na contraposição (ou na criação de alternativas de combate) que Cupertino reconhece os escapes – mesmo que não tão agradáveis, ainda que passageiros. A última faixa, “A Suspensão Do Juízo”, é a música mais minimalista do disco e um diálogo sincero de quem reconhece uma espécie de valor próprio. É admitida a arte como o que dá sentido, já que se vive num rio com barcos sem sentido. E se o caos no coração se mostra passível de amor é porque todos as diversas complexidades mergulhadas no disco mostram que não há saída efetiva.

1. Memes
2. Todas As Coisas
3. Casa Da Fazenda
4. Solidão É Um Nome
5. Todo Conteúdo
6. Alarde
7. Tudo Arbitrário
8. A Suspensão Do Juízo

NOTA: 7,0
Lançamento: 3 de março de 2017
Duração: 30 minutos e 40 segundos
Selo: Tratore
Produção: Smooth

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