RESENHA: BRIAN REITZELL – AUTO MUSIC

Conheci esse disco um tanto sem querer. “Auto Music”, a estreia de Brian Reitzell solo, por si e pra si, me maravilhou aos poucos, tão inusitadamente quanto a própria carreira do autor.

Reitzell nasceu na véspera do Natal de 1965, na Califórnia. Logo aos cinco anos viu seus pais se separarem e foi morar com a mãe numa comunidade de motoqueiros. Foi adotado por eles e com eles aprendeu a tocar bateria, ouvindo “Goat’s Head Soup”, do Rolling Stones, sem parar.

Quando entrou pro Redd Kross, como baterista (gravou “Phaseshifter”, 1993; e “Show World”, de 1997), ficou amigo do baixista, vocalista e um dos fundadores da banda, Steve MacDonald. MacDonald era namorado de ninguém menos que Sofia Coppola, que por sua vez era muito amiga da namorada de Reitzell.

Reitzell e Coppola se tornaram grandes amigos. Ele fazia mixtapes pra ela e o gosto musical dos dois virou um elo muito forte de amizade.

Quando ela tava se preparando pra fazer “As Virgens Suicidas” (The Virgin Suicides, 1999), pediu que Reitzell escolhesse algumas canções pro filme. Com muito pouco dinheiro, conseguiu juntar um baita time de respeito, incluindo Electric Light Orchestra (Jeff Lynne admitiu ter liberado “Strange Music” por míseros cinquenta centavos) e Air.

Com a dupla francesa, foi amor instantâneo. Reitzell se tornou baterista do grupo, gravou “10 000 Hz Legend” (de 2001) e saiu pra excursionar com os novos camaradas.

Durante a perna japonesa da turnê, conheceu Kevin Shields, que à época estava de recesso com seu My Bloody Valentine e excursionava como músico do Primal Scream. Ficaram grandes amigos.

Nessa época, Coppola estava começando a preparar o que seria seu grande e mais adorado filme, “Encontros E Desencontros” (Lost In Translation, 2003), e chamou Reitzell mais uma vez pra supervisionar a parte musical. Brian, fã de “Loveless”, teve a ideia brilhante de convidar Shields pra compor a trilha.

A despeito de todos os avisos de que Shields não entregaria a tempo a trilha, Reitzell bancou o amigo e trabalhou com ele na gravação. No final, quatro composições originais de Shields terminaram no filme, além de “On The Subway”, composta por Reitzell e outro grande amigo, Roger J. Manning Jr. (do Jellyfish).

O sucesso nessas empreitadas, elevou Reitzell a um desejado trilheiro não só de filmes. Além dos conhecidos “Mais Estranho Que A Ficção” (Stranger Than Fiction, 2006), “Maria Antonieta” (Marie Antoinette, 2006, também de Coppola), “30 Dias De Noite” (30 Days Of Night, 2007) e mais uma parceria com Coppola, em “Bling Ring: A Gangue De Hollywood” (The Bling Ring, 2013), compôs trilhas pra tevê, com “Boss”, entre 2011 e 2012, e mais recentemente pra “Hannibal”, série de grande sucesso em 2015. Foi também pros games, trilhando a série “Watch Dogs” (2014).

E, então, resolveu colocar pra funcionar suas próprias ideias, unindo tudo o que mais gosta: motos, carros, cinema e música. Eis a essência de “Auto Music”, uma música pra dirigir em longas viagens, por suaves estradas e belas paisagens.

Sobre a inspiração pro disco, elencou uma série de filmes: “Julieta Dos Espíritos”, (Giulietta Degli Spiriti, 1965, de Fellini), “Solaris” (Solyaris, 1972, de Tarkovsky), “O Espírito Da Colméia” (El Espíritu De La Colmena, 1973, de Víctor Erice), animações de Oskar Fischinger, o documentário “Antonio Gaudí” (1985, de Hiroshi Teshigahara) e uma série de filmes de Yasujiro Ozu, seu diretor japonês preferido.

Alguns desses filmes viraram títulos de música em “Auto Music”: “Ozu Choral”, “Ozu”, “Gaudi” e “Beehive”.

A fascinante história de Reitzell como supervisor e compositor de trilhas pra cinema (e TV e games) lhe deu certo destaque e reconhecimento entre seus pares. Shields fez questão de contribuir a ajuda na composição de “Encontros E Desencontros” fazendo as teclas de “Last Summer” (junto com Manning Jr., o próprio Reitzell e o sintetizador de Dave Palmer).

A música abre o disco de uma forma Philip Glass, ambient, mas sem tantos vazios. É viajante e relaxante, tanto quanto envolvente e imersiva. É Reitzell fazendo “trilha sonora”. Só que, ainda bem, “Auto Music” não se resume a isso, como a própria história do autor não se resume ao cinema – ou à música, ou ao acaso.

A série “Ozu”, com “Ozu Choral” abrindo (e apresentando os vocais manipulados de Jim James, do My Morning Jacket), é expressiva. Começa com uma marcação incômoda pra então entrar nas camadas de guitarras sujas e cíclicas de “Ozu”, cortesia de Tim Young (do Zony Mash), de grande relevância no disco.

Embora Reitzell tenha começado a compor o disco na época em que excursionava com o Air e por mais de dez anos foi lapidando as ideias, “Auto Music” não carece de unidade. As músicas possuem características diferentes, é certo, mas elas se unem como… sequências de um filme.

“Gaudi” foge das anteriores, começando meio jazz, e se tornando soturna, melancólica e cheia de suspense.

E então chegamos a “Autmo Music 1”. Reitzell disse em várias entrevistas que a ideia do título do disco é homenagear a batida krautrock de Klaus Dinger, baterista do Neu! e assim poder ouvir seu próprio disco no caminho pro estúdio, em Los Angeles, uma cidade carro-dependente. É uma variação de viver com a ideia alemã de liberdade que oferece a autobahn, a autoestrada mais famosa do mundo. “Auto Music 1” e, principalmente, “Auto Music 2”, deveriam ser motivos de orgulho pro pessoal do Neu! – e de agradecimento aos apreciadores de autoestradas.

São duas peças deliciosas de krautrock, incluindo ruídos de motor, de carro (um pouco como fez o Kraftwerk em “Autobahn”), emulando um tanto o caos do trânsito diário, mas, acredite, de uma forma por assim dizer “relaxante”. Vale experimentar pegar uma estrada com essas peças.

Apesar de “Auto Music 2” resumir de maneira definitiva o disco, está em “Oskar” o registro mais empolgante e acessível do álbum. Embora Kevin Shields não dê a cara por aqui, é a música mais My Bloody Valentine de “Auto Music”, ao mesmo tempo que também se apresenta kraut: camadas de guitarra (mais uma vez obra de Tim Young) em aceleração, uma melodia viciante, batida repetitiva, mais caos e beleza.

Esse é um disco que mostra a versatilidade e inventividade de um artista que sempre atuou como coadjuvante, seja nas bandas, seja na observação das obras alheias pra poder fazer o trabalho que o cinema o contrata pra fazer. Aqui, é o protagonista.

Não foi o acaso que o trouxe até aqui, embora o roteiro da vida possa sugerir isso. “Auto Music” está mais pra uma viagem deliciosa ao lado do imprevisível, que é o ator mais legal da nossa vida.

Ouça na íntegra:

1. Last Summer
2. Ozu Choral
3. Ozu
4. Gaudi
5. Auto Music 1
6. Beehive
7. Oskar
8. Honeycomb
9. Auto Music 2

NOTA: 9,0
Lançamento: 2 de junho de 2014
Duração: 54 minutos e 07 segundos
Selo: Smalltown Supersound
Produção: Brian Reitzell

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