RESENHA: CINDY LEE – MODEL EXPRESS

A estranheza é naturalmente atraente. Pra Patrick Flegel, é uma obsessão. Após o desmanche do Women, grupo canadense que ficou na memória depois de dois álbuns expressivos (especialmente “Public Strain”, de 2010), graças à morte prematura do guitarrista Christopher Reimer, os remanescentes Matthew Flegel (irmão de Patrick) e Michael Wallace se juntaram a Scott Munro e Daniel Christiansen pra formar o Viet Cong, que logo em seguida viria ser o ótimo Preoccupations. Já Patrick Flegel assumiu a persona de Cindy Lee, vestido, maquiagem, perucas diversas, joias e um senso de provocação ainda mais afiado.

Patrick foi ao submundo. Se escondeu e se mostrou um outro eu. Lançou dois discos estranhos e belos, “Act of Tenderness” e “Malenkost”, irmãos nascidos em 2015, e seguiu na obscuridade. Durante esses seis anos em que assumiu Cindy Lee, Patrick milita pelo o que chama de “confrontation pop”.

Em “Model Express”, inicialmente lançado como fita cassete limitadíssima a cem cópias e agora jogada no mundo virtual, é uma coletânea de coveres, lados B e faixas não lançadas nos dois discos-irmãos de 2015. E é também um bom início pra se aventurar no rol de estranhezas de Flegel/Lee.

Nada é exatamente constante. A obsessão pela não-formalidade que o artista mostra até aparenta irregularidade (é uma coletânea, afinal, sem um conceito que um álbum normalmente carrega), mas a verdade é que é isso que joga mais luz nas sombras por onde o músico resolveu transitar. Há ruídos e timbres a la Velvet Underground (“Don’t Let Me Down” e “Diamond Ring”, por exemplo), versões estupendas (a de “Are You Lonesome Tonight” é de tirar o fôlego), gravações primitivas que soam como se fossem de dois séculos atrás, lentos e melancólicos temas, e um certo distanciamento do público. Lee assume-se solitário num mundo sem compaixão. Se isso é estranho pra maioria das pessoas, aqui é o objetivo.

Cada audição soa como a descoberta de um presente de Natal atrás da árvore. Uma surpresa e sempre agradável, aquele que ninguém tinha nem notado. É curioso como Lee consegue, em sua busca pelo confronto, soar tão aprazível. Talvez porque o artista seja só a intenção. Por dentro, Flegel/Lee é uma mistura de sentimentos como ouvimos em “Model Express”. Indecifrável, ora achamos que há sofrimento, ora que há ternura e paz.

De toda a sorte, o mundo de Flegel/Lee deveria ser o nosso mundo: sem amarras, sem formalidades, estranho e prazeroso. Não é. Por isso, ele e tantos outros se escondem nos submundos vivendo a vida com a beleza que lhes cabe.

01. Kromax Theme (AKA Real State)
02. A Cold Fog Is Still Descending (KCP Sound Collage)
03. Model Express
04. Who You Want I’ll Be
05. What Can I Do (A Wasted Walk)
06. What I Need (Alternate Version)
07. Dry Dive
08. Burning Candle
09. Left Hand Path
10. Are You Lonesome Tonight
11. Don’t Let Me Down
12. Diamond Ring
13. Be My Shining Star (Instrumental Version)

NOTA: 9,5
Lançamento: 27 de agosto de 2018 (fita cassete) e 9 de novembro de 2018 (versão digital)
Duração: 39 minutos e 57 segundos
Selo: Superior Viaduct
Produção: Patrick Flegel

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