RESENHA: COLETÂNEA – DIÁRIOS EMOCIONAIS VOL. 4

Assim como muitas pessoas, muitas bandas simplesmente desaparecem e nem passam pelo nosso “radar”. Aliás, poucas bandas criam laços afetivos realmente significativos conosco durante essa passagem terrestre. Há quem use a música como documento histórico pra se fixar em determinadas tendências e conceitos de uma determinada época. Eu não. Mais do que cronologicamente, a música serve pra eu atestar que de algum modo ocupei algum espaço, cantei algumas letras.

As emoções do diário, então, me atestam alguma existência. Eu passei os últimos quinze dias ouvindo essa coletânea e não sabendo por onde começar a resenha. Seria injusto destacar bandas, mas pode-se perceber que o senso de “estranheza” percorre todo o disco. Frequentemente as músicas lidam sobre a solidão, estar deslocado em um espaço “normalizado” – acho que esse é o volume dos diários emocionais que eu mais senti o clima de devastação.

Ouça o volume 1 aqui; o volume 2, clicando aqui; e o volume 3, aqui.

A tristeza assombra as músicas dessas bandas e talvez ela seja o eixo central da coletânea. Mas, ao tempo que a tristeza é o que nos faz sentir às vezes imensamente sozinhos, percebe-se nos “Diários…” que há alguma comunidade. Não estamos tão sozinhos. Perdemos essa ideia frequentemente na correria do dia-a-dia, mas é importante que coisas como “Diários…” nos lembrem de que há pessoas tão incomodadas quanto nós.

Então, respiramos mais calmamente, sentimos o frio em nossas espinhas e tentamos sair dessa isolação que criamos como mecanismo de defesa do mundo. Não podemos deixar que essa força invisível opressora vença, não podemos deixar de cantar porque, no fundo, é tudo que podemos fazer. E temos que defender isso. Temos que queimar nossas frustrações de alguma forma e as bandas dessa coletânea optam por isso de diversas maneiras – a variação entre músicas “pesadas” e “calmas” é das mais completas. Não existem caminhos de fugas traçados – tudo que é externo aterroriza porque é tudo imprevisível. Então, eu espero sinceramente que você encontre uma banda companheira que auxilie essa travessia.

O caminho não vai ficar mais fácil de maneira alguma, mas quando que foi? Em que dia? Quando tudo pareceu não estar caindo? Precisamos de parceiros nesse terreno de espera e é isso que o “Diários…” auxilia.

É com muita incerteza que se fala do futuro. Muitas dessas bandas já acabaram, muitas vão acabar em breve. Sejamos realistas; quase ninguém vai se lembrar de nada disso. Mas quem disse que a organização do “Diários…” tem qualquer obrigação?

Mas durante todo o período da audição nós saímos de um mundo tão concreto e real e mergulhamos em uma abstração que de fato nos ajudou. Teria que valer mais do que isso? Teria que ser mais reconhecido do que isso? Pode-se falar do período histórico então; existiu uma movimentação em 2015! E isso ninguém pode negar. A variação do “Diários…” é o maior trunfo, e há uma necessidade tamanha de bandas se expressarem que muitas delas nem são bandas na verdade. Algumas “bandas” são a mesma pessoa que faz o trampo todo, e é incrível ver o leque de artistas que nosso país pode ter.

Ainda assim, as emoções que o “Diário…” provoca apontam uma sensação de incômodo. Incômodo com a música tradicional, também. Mas, mais propriamente, são pessoas que não se sentem ajustadas. É como portar uma distinção em um mundo monocromático. Mas, confesso, desconheço os elementos que se unem pra essa distinção.

Talvez as pessoas das bandas também desconheçam e é por isso que elas fazem música. Pra tentar capturar o que é inalcançável, pra dar uma forma, mesmo que incorreta, do que sentimos e do que parece que vai deixar-nos sempre à espreita. Mesmo que não seja nossa culpa, o tempo sempre vai deixar algo incompleto. Algum livro que juramos que íamos terminar, mas ficou esquecido em algum canto de nossa velha casa. É um projeto, em sua forma, ambicioso e influenciado por uma das coisas que mudaram a cara do rock independente (a coleção “Emo Diaries”, da Deep Elm).

Não há quem não possa reconhecer que houve muita gente disposta a falar sobre o que parecia impossível em 2015.

Ouça na íntegra:

01. Charlie Chaplin – “Formiga E Elefante”
02. Covarde Animal – “Covarde Animal”
03. Estteio – “Acordes Vão Curar”
04. Enchente – “Pegue À Esquerda E Siga Em Frente”
05. Incesto Andar – “Noz”
06. Medrar – “Labirinto”
07. Enema Noise – “O Tempo Toma Forma”
08. Ovazïo – “Untitled”
09. Les Adieux – “Time To Move Back
10. Alberi – “Agosto”
11. Empate – “Sr. Fernando”
12. Loyal Gun – “Bring Back Your Beat”
13. Black Clovd – “Black Cloud”
14. Mochimazzi – “Deserto”
15. Memorial – “Parâmetro”
16. Salvage – “Perder Depois Ganhar”
17. Nashua – “For Sure” (American Football cover)
18. A Casa Mais Velha – “Casa Da Árvore”
19. zoa – “Goodbye As An Amputation”
20. Amandinho – “Coisas Novas São Assim”

NOTA: 7,0
Lançamento: 6 de setembro de 2015
Duração: 64 minutos e 58 segundos
Selo: Bichano Records
Produção: Bichano Records

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