RESENHA: DELROY EDWARDS – RIO GRANDE

Eu queria perguntar a quem criou esse disco se ele se sentia sozinho. Eu queria que ele me deixasse saber o que ele pensa a respeito da maioria das playlists dos DJs das festas que eu frequento, pois pra mim todas parecem arrancadas de um algoritmo idiota do Spotify. Finalmente, se dessa solidão potencial e de um amor devoto à dance music ele decidiu que precisava criar algo que soasse como a emergência dos anos em que tudo isso começou, sem cair no clichê de artifícios baratos como jogar um monte de tralha alta no meio das músicas pra que estas esbocem algo tão vago como “densidade”. Colocar a justaposição de barulhos sofisticados em primeiro plano exclui toda a vibração possível de músicas eletrônicas. Parece um brainstorming de executivos performáticos acompanhando os charts dos artistas que mais vendem. No fim de abril de 2018, é necessário retomar os acessos mais simples pra possibilitar que a dance music deixe, de fato, as coisas dançantes.

Um grupo de pessoas dança e balança as cabeças e os pés especulando sobre os próximos movimentos enquanto um DJ mexe em sua mesinha surpreendendo os movimentos antecipados exigindo que os dançantes improvisem mudanças. O objeto de causa e efeito pra dança do grupo é constantemente manipulado, desde as referências claras até as sonoridades dos anos 90 e a distorção de graves atacando a melodia (o que é, com certeza, um toque pessoal do criador). Em outras palavras, a produção barata de “Hangin’ At The Beach” (trabalho anterior de Delroy Edwards, de 2016), com um instrumental animado e referências explícitas, passou de uma tentativa adolescente pra algo que realmente tem marcas pessoais firmes. Por correlacionar a imposição pessoal e colocar, sem medo, suas utopias em diálogo com os clichês da dance music que foi possível deixar os esboços de música pra trás e formar algo que realmente possibilita uma relação sensorial com os ouvintes.

Como nós podemos reagir à progressão surpresa dos sons do disco é um assunto que perduraria horas e melhor do que isso é ouvir o álbum: seja dançando ou seja num sábado à tarde. Como nós pensamos e vivenciamos esse som, como o que é criado pode carregar uma bagagem tão grande de nós mesmos? Esses sons não humanos transportam movimentos involuntários, que os ouvintes recebem e distribuem pro mundo na forma de suor, satisfação ou desprezo. O clima criado está entre os resquícios do pastiche involuntário de “Hangin’ At The Beach” e os elementos externos que invadem a simples ambientação “disco” pra envolver o ouvinte em clichês e antíteses que não anulam a progressão.

Tomado do nome de um filme de John Ford (de 1950), o título do disco pode ser visto como um oásis em que a estranheza da vastidão do Apaches coaduna pra uma pausa em meio ao grande percurso. Com a sempre-presente ameaça da vastidão iminente, o caos é reordenado no álbum em faixas curtas como esboços que iniciam, prolongam-se um pouco e dissolvem-se na música seguinte. Em 2018, é justo que Delroy Edwards se assuma como esse corpo receptor da vastidão-possível, mas não desista de esforçar-se na direção que sua formação musical iniciou. O resultado é um passado vago que ressoa na música como incerteza mediada pela quantidade de sons dispostos. Edwards afirma uma nostalgia enquanto elemento transformador das informações recebidas, pois, com ela aliada a sua criatividade, ele se mune contra uma imensidão irrevogável. E é perante uma aparente falta de novidade que algumas músicas exageradamente simples vão ao núcleo de como a dance music começou.

São notícias de um emissário próximo que, quando encontra um cômodo pra repouso, decide despejar tudo pelo que passou em sua viagem até aquele local. Como se o horror da travessia fosse apenas outro instrumento, ele conta com certa comicidade as paisagens que viu e as dificuldades que enfrentou. Mas isso nunca seria possível sem imaginação, fragmentação narrativa e aceitação de que muito se perde quando se chega em algum lugar. Ainda assim, ele diz as coisas sorrindo. Suas menções à club music denotam que é possível chegar ao caminho já trilhado através de outras origens (aliás, isso é o que explica alguém do interior de Minas Gerais ficar tão empolgado com esse registro). O mundo, especialmente o da dance music, é apresentado como uma fronteira cuja expansão é sempre possível.

01. El Banditio Pt. 1
02. Love Is In The Air
03. Smooth Street
04. Knock Em Out
05. Rio Grande
06. Bad II The Bone
07. Sugar Shack
08. Getting’ Tail (Backwards Mix)
09. Banquet Of Wizards And Warlocks
10. Time Out
11. Rumba
12. When I Think
13. Let It Rock!
14. Midnight Rendez-vous
15. Days And Nights In The Crypt
16. The Hawaii Guys
17. Raw Beats 1
18. Take Me How I Am
19. El Bandito Pt. 2
20. Wild Illusions
21. Raw Beats 2
22. Rumba (Beat Track)

NOTA: 8,0
Lançamento: 30 de março de 2018
Duração: 62 minutos e 32 segundos
Selo: L.A. Club Resource
Produção: Delroy Edwards

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