RESENHA: DENTADURO – LOPLOP

Em “O Sistema Dos Objetos”, Jean Baudrillard nota que, na sociedade de consumo, tudo é feito pra que não tome jamais a forma viva e crítica de uma contradição. As notícias de contradições são esparsas e isso, claro, é materializado no campo da música (“como assim sua banda não tem disco no Spotify?” e por aí vai). A evasão desses dispositivos de streaming centrais é uma exclusão voluntária ou forçada do fluxo de consumo e uma contradição que se apresenta como música. Se alguém vai responder a esse chamado, depende de vários fatores (tempo, conhecimento, relações interpessoais etc.). Nossa confiança fica mesmo borrada quando as coisas que ouvimos não foram engolidas pelo processo de midiatização; temos a música pura e livre na nossa frente e ficamos desconfiados em como lidar com ela porque não temos as referências categóricas das reviews de youtubers, nem as hashtags fundamentais pra percebemos se os sons se adaptam ou não ao que concebemos como “música de qualidade”, como se fosse uma biografia afetiva encharcada de aparatos pra fundamentá-la.

“Loplop”, da Dentaduro, é uma tentativa espontânea, gravada ao vivo, de um improviso que rejeita as fáceis catalogações. Desde o começo do álbum, o ouvinte é guiado por um errante vibrafone que divide o palco com contrabaixo elétrico e bateria em um esforço conjunto que tanto se repele quanto se atrai. O resultado são instrumentos que chamam os outros pra duetos e uma tentativa de construir intimidade sonora, seja pelas diferenças ou seja embalado por ritmos parecidos. O disco segue por rupturas e harmonias marcadas, criando uma esfera em que abstrações como “errar” e “acertar” são banidas em prol de um desenvolvimento afirmativo.

Tal formação acolhe elementos diversos – tensão, clímax, ruídos, solos, anticlímax – que coexistem sem um núcleo rítmico. “Chão De Gelo”, última faixa, ajusta-se conforme seu desenvolvimento não é ouvido, necessariamente, como progresso – mas como microexpressões que ganham vida em um campo com outras formas e necessidades expressivas. As pausas inesperadas, e o ressurgimento de apenas um dos três elementos, podem ser ouvidas como rupturas que confirmam a individualidade brusca que pode brotar de uma “banda”. A música inicial, “8125”, faz uso do seu curto período pra soar como abertura de algo – isso não apenas pela duração, mas pela exploração tímida dos recursos que será radicalizada na sequência do trabalho. De uma falta correlativa evidente (com o quê, afinal, a banda é parecida?) às associações mais notáveis do livre-improviso, transversa entre sons-surpresas todo o disco, como se estivesse esbarrando-se, sempre, em uma expressão abrupta.

Vale notar que “Loplop” não é uma ideia irrealizável, como prova concretamente que a falta de referências não prejudica coisas como instinto, improviso e empenho coparticipativo. Não se objetiva algo em específico e por isso os alvos são criados a partir da ressonância de um instrumento no outro ou de um instrumento no silêncio. Se, pra Sigmund Freud, a palavra tem uma poder originário de feitiço, os sons primários que nascem da falta de relações expressas, que não a convivência momentânea dos músicos, têm uma origem incerta e por isso uma contradição no esquema de consumo atual. Por produzir sons que dependem da assimilação criativa do ouvinte, o disco ampara uma possibilidade diferente das encontradas usualmente.

1. 8125
2. Com A Voz Que Se Canta
3. Autodidata
4. Com A Voz Que Se Fala
5. Chumbo
6. Dante D’ouro
7. Loplop
8. Chão De Gelo

NOTA: 7,0
Lançamento: 9 de abril de 2018
Duração: 33 minutos e 12 segundos
Selo: Proposito Recs
Produção: Dentaduro

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