RESENHA: DINHO OURO PRETO – BLACK HEART

MÚSICA COMO TORTURA

Quando eu era adolescente – e já nem ouvia mais o Capital Inicial, de quem, na minha lembrança, só gostei mesmo de “Descendo O Rio Nilo” – tinha várias brincadeiras sádicas, mas só em pensamentos. Fui bem educado, nunca machuquei ninguém, meus pais sempre procuraram me mostrar os tais “certo” e “errado”. Mas em pensamento, eu imaginava, não tinha problema maltratar uns malas que encontrava por aí, no dia a dia.

Os alvos iam de imbecis no colégio (professores, alunos, garotas que me davam um fora, você sabe), a juízes da época em que eu jogava basquete, ou qualquer idiota no trabalho, na faculdade, do governo… Criava pra mim mecanismos intricados de tortura, sem morte, só dor, o prazer de ver aquelas bestas se contorcendo. E contava pra deus e o mundo os detalhes de cada mecanismo de tortura imaginado, só pra cair na gargalhada. Os amigos ajudavam a criar detalhes mais sádicos. Aquelas sessões de brainstorm do mal eram divertidíssimas.

Nunca levei a cabo uma só dessas práticas – infelizmente.

Passou um tempo, a gente cresce e tals, e acaba percebendo que a merda do mundo tá cheio de gente que não só pensou em diversas atrocidades como eu (e como um bocado de jovens), mas colocou-as em prática. A humanidade é fértil em histórias atrozes, principalmente nos tempos modernos, quando achávamos que a Razão ditava as ordens. Não, tortura não mora no passado distante, nos livros de história, nas trincheiras de ditadores, no DNA da(s) Igreja(s) (e sua horrenda Inquisição, que teve vestígios até a beira do Século XX), nos assassinos em série, nos maluquetes de plantão.

A tortura taí. O Floga-se até falou disso, da prática recorrente em Guantámano, a tal da “tortura sem contato” (leia o link antes de seguir).

Ali, na base avançada em Cuba, o pessoal que “luta pela democracia” é criativo nas formas de torturar presos políticos, “de guerra”, usando práticas que eles mesmo dizem abominar e combater mundo afora. Ironia das ironias é que os estadunidenses usem uma base em Cuba pra isso e que uma das maiores armas pra esse fim seja a música. Mais interessante ainda é saber que o Metallica se orgulha do “uso patriótico” de sua obra.

Estamos cercados de trevas. A falta de respeito com que se trata a obra alheia é impressionante – e deveria ser crime, principalmente se usado pra fins como esse.

Dinho Ouro Preto não é ditador, até onde sei. Mas ele deve ter sido uma criança cujos pais não indicaram com precisão o que é “certo” e o que é “errado”. Ele deu vazão aos seus piores pensamentos atormentados. Diz ele que sua intenção, com esse “Black Heart”, era irritar os fãs xiitas. Isso é ousado – e legal, porque fãs se irritam com qualquer coisinha. Mas há uma diferença entre querer torturar alguém, desejar o mal de alguém – isso não é crime – e colocar em prática essas vontades.

Temo sinceramente que esse disco chegue ao conhecimento daqueles abilolados de Guantánamo. Essa é a mais cruel arma já inventada pelo homem. A humanidade precisa se prevenir contra isso.

(pra ouvir o disco na íntegra, é só clicar aqui)

01. Hallelujah (Leonard Cohen)
02. Dancing Barefoot (Patti Smith)
03. Nothing Compares 2 U (Sinead O’Connor)
04. Lovesong (The Cure)
05. Are You The One That I’ve Been Wait (Nick Cave)
06. Steady As She Goes (The Raconteurs)
07. Suspicius Mind (Elvis Presley)
08. Hard Sun (Eddie Vedder)
09. There Is A Light That Never Goes Out (The Smiths)
10. Times Is Running Out (Muse)
11. Love Will Tear Us Apart (Joy Division)
12. Being Boring (Pet Shop Boys)

NOTA: 1,0
Lançamento: 10 de abril de 2012
Duração: 63 minutos e 45 segundos
Selo: Sony
Produção: Dinho Ouro Preto

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