RESENHA: DJONGA – HERESIA

A introdução de “Heresia” evoca variados samplers de raps clássicos nacionais. Djonga chega falando sobre um monte de mentiras, articulando sobre artistas midiáticos usuários de drogas, evocando o veganismo e afirmando: há um monte de mentira em cada olho que se percebe. Capeta e deus, pra Djonga, são o mesmo lado da moeda e depende apenas de como você interpreta cada mística. Ao fim a primeira faixa, “Corre Das Notas”, os samplers voltam: Djonga sabe, como ele mesmo afirma, que ele está “conquistando coisa pra caralho”.

Conquistas estas que intensificam qualquer direção que a pessoa possa tomar. Djonga deixa bem claro que seu rap não é de mensagem e que por isso não vai fazer “massagem” (as letras são lotadas de punchlines, ironias e referências culturais que evocam periferia, filmes e televisão). A autodefesa (o morro ter sua própria polícia) é construída concretamente enquanto deste ponto de confrontos emergentes o rapper faz analogias livres, como num fluxo de consciência, comparando cheques, moral, violência policial, quem faz fofoca, homofobia, racismo, macumba e eternidade.

Ninguém pode pará-lo, porque pra ele toda chance é a última. Então por isso Djonga age como se estivesse com o ímpeto da primeira vez. “Tirei tanta onda com os mestres que me chamam de mestre”, o rapper deixa bem claro suas altas ambições e nesta subida vertical tudo que construiu a pessoa dele é evocado como provações que: ou o impulsionaram ou (o que parece ocorrer na maioria das vezes) tentaram impedi-lo.

Djonga tem plena noção de que as coisas são tratadas como descartáveis e por isso as insinuações materializadas (luxuria, sexo) se manifestam como personificações de um autorrespeito que, nos momentos mais intimistas do disco, o rapper desconfia bastante (“me curar dos meus sete mil traumas”).

Ele sempre retorna aonde o caos reside e deste retorno-constante Djonga se depara com a inveja. Mas aqui o rapper deixa claro: nesta ceia, Judas morre antes. Ele não só está tentando comparar histórias místicas com sua realidade, Djonga deixa bem claro que está revertendo o misticismo (ou seja, heresia) através de sua vida-prática. O rapper tem uma voz muito particular que se destaca de meras medidas de flow pra, rasgadamente, denunciar as mentiras das pessoas que o cercam.

Ele confessa que ainda tem um pouco de sentimento. Mas toda esta dureza aparente de Djonga é utilizada pra enfrentar um mundo cheio de ilusões e persuasões e mentiras. Se o rapper realmente está disposto a cometer heresias, ele não precisa ir somente à base moral das estruturas instituídas pra saber como, de certa forma, vencer neste jogo sujo. Ele insiste em dizer que não há promessas com ele, mas certas tentações (especialmente as carnais e sexuais) são dinamites fortes o suficiente pra fazê-lo voltar e repensar todas as suas atitudes.

Na real, Djonga atravessa estes vários assuntos e não contempla sobre suas complexidades mas corre nestas encruzilhadas modernas brutalmente reais: amigos baleados pela polícia (“de onde viemos não competimos o melhor flow e sim a melhor pontaria”). Não é como se o rapper duvidasse da potência de sua música, mas é foda tentar erguer uma voz contra escola, polícia, cadeias, presos, falsas esperanças, valas com corpos, bocas de fumo. “O poder de um homem se mede pelo tanto de papo reto que ele dá”. E pra continuar, o inimigo tem que morrer ou se render – como na política, como na cadeia: uma guerra constante entre mundos tão diferentes (em sentido social) que tem os mesmos mecanismos absurdos e propiciam, de certo modo, o mesmo fim.

Na última faixa, “O Mundo É Nosso” (que tem participação de BK), a afirmação surge com toda potência acumulada em todas as músicas. O morro chorando, as coisas que faltam e o homem na estrada de todo dia: ele quer ser como Abraham Lincoln na Independência. É na noite que serve aos reis e rainhas que Djonga conseguiu se transformar junto com seus amigos, através da subversão mística e mostrando o sagrado da realidade. A palavra serviu de algo.

01. Corre Das Notas
02. Entre O Código Da Espada E O Perfume Da Rosa
03. Esquimó
04. Fantasma
05. Santa Ceia (participação Yodabren)
06. Verdades Inventadas
07. Geminiano
08. Heresia
09. Irmãos De Arma
10. O Mundo É Nosso (participação BK)

NOTA: 7,5
Lançamento: 17 de março de 2017
Duração: 33 minutos e 16 segundos
Selo: CEIA Ent.
Produção: Djonga, Artur Luna, Felipe Perdigão

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