RESENHA: GIALLOS – AMOR SÓ DE MÃE

Logo na primeira faixa, o Giallos assume pra si o aspecto do “horror”. A banda insiste em seu rock garageiro experimental num mundo que anda muito apressado pra ouvir este tipo de coisa. Besteira do mundo, pois as explorações sonoras da banda não apenas aproveitam remissões de tantos movimentos importantes na história da evolução do rock, como a própria banda leva essa gama de influências em uma direção nitidamente autoral.

A história contemporânea entra como elemento ácido em imagens padrão, que por alguma maneira normalizamos tais visões. Mas o Giallos, em um desempenho visceral, devolve a essa sufocante rotina urbana o aspecto de horror que a realidade nunca deveria ter perdido. É como se voltássemos não pro elemento talvez inocente da indignação – mas pra um filtro que processa símbolos decaídos urbanos em uma música agressiva. Imagem essa do horror que atinge o mito na quarta-faixa, “Eu Era Um Lobisomem Adolescente”, a versão da música do Cramps. É isso que mencionei anteriormente de explorar o dito normal pra evidenciar o horror (ainda que cômico) muitas vezes intrínseco de cada ato.

O Giallos brinca com tudo isso. Não é que o humor retira do disco qualquer tom mais sério. O humor é outro ângulo pra explorar o dito “horror”, assim com as distorções da guitarra, os vocais entregues e intencionalmente fora do tom. Uma abordagem cômica pra falar de assuntos que desfilam como uma porrada pra quem ainda quer ter alguma esperança em redenção. Não se trata, no entanto, somente da evidenciação do escárnio através do humor. Mas a própria vibração que fica latente em um cotidiano opressivo.

O eu-lírico fica indagando situações ou que ele observa na rua ou que tem alguma raiz mais histórica, e dessas visões tão objetivamente reais ele reflete quase sempre a nulidade das coisas, mas é sempre bom ressaltar, com um viés que contém uma vibração pela vida ou qualquer coisa que o valha.

Ficar preso “nessa porra toda” exige das pessoas uma contração, caso contrário ficamos impregnados e doentes por motivos relativamente indeterminados e positivamente malignos. Tudo isso colabora pelo som sujo e ruidoso que muitas vezes me soa como uma jam porra-louca e que anda em um caminho imprevisível. Enquanto o instrumental se firma no instável e em climas tensos, parece que o vocal exalta um grande deboche (com requintes de crueldade) contra o estabelecido. Mas, infelizmente, admitindo uma relativa vitória deste.

É dentro de um mundo cruel que a explosão do Giallos demarca uma política morta, uma sociedade baseada em preceitos antigos demais e ainda refém dessas idiotices (que tem seus efeitos catastróficos evidenciando-se em cada convívio familiar, em cada caminhada no seu bairro). Sei lá, é um disco que realmente me lembra a cidade em que eu passei vinte anos da minha vida (Santo André – Giallo é de Santo André) – a sensação de tensão ao olhar as calçadas, os velhos nos botecos rindo de umas desgraças, os peões saindo das metalúrgicas com os macacões manchados e um traço de impregnação de suor na testa (leia mais e ouça o disco na íntegra aqui, ou leia a resenha do show de apresentação do disco aqui).

Essa comicidade torturada por instituições religiosas, repressão e conservadorismo que apresenta um testemunho pulsante no disco. É como se os fantasmas da ditadura militar reassumissem novas formas – consideravelmente menos ofensivas, mas nunca perdendo seu estoque de perversidade.

NOTA: 7,0
Lançamento: 8 de abril de 2016
Duração: 30 minutos e 38 segundos
Selo: TRansfusão Noise Records
Produção: Lê Almeida e João Casaes

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