RESENHA: KAMMARHEIT – THE NEST

“Nest” significa “abrigo”. Mas esse disco pode ser encarado como a construção de um ambiente que cerca algum retiro. Estar ou não com os ouvidos preparados pra esse álbum não é o ponto; trata-se, antes de tudo, sobre um lugar de espera.

Kammarheit não lançava um disco havia dez anos. Isso é muito compreensível porque os picos atingidos em “The Starwheel” – um registro sonoro que emerge a mente em elementos transtornados – vibravam em manifestações provocativas, com sons indecifráveis e sombrios que criavam camadas sobrepostas hipnotizantes.

Talvez “The Nest” tenha sido realmente criado em um abrigo rodeado apenas por sons naturais e de construções antigas. É um som de desbravamento, essencialmente, em que cada barulho se justifica e é numa reunião de ruídos diversos (o disco conta com muitas gravações em campo) que o ambiente fica cada vez mais irreconhecível. Com sussurros perturbadores e monotonia provocativa, a ação de Pär Boström (que é o próprio Kammarheit) é como se fosse uma pedra desgastada no meio da correnteza, e seu propósito é justamente ser esse lugar de espera, um terreno que antecede os acontecimentos. Como se fosse um mundo sepultado, pois tudo nesse álbum parece um espectro, uma aparição.

Por isso, o disco me passa a sensação que transcendeu a pós-produção; ele é um registro imediato do abandono. Um registro frio que ganha muito mais força com a adição de elementos industriais, de música concreta e até mesmo do noise. Qualificar o que é música ou não foge de minha alçada, mas algo é evidente – aqui se abre mão de todos os elementos tradicionais de composição. Os detalhes são inúmeros durante os quase cinquenta minutos e talvez toda a idealização do disco seja de como a iminência de microelementos (microfonia, gravações de campo) é abordada como fenômeno.

“The Nest” pode ser encarado como uma descida abstrata em que as forças (tanto as que nos impulsionam como as que nos renegam) estão ancoradas nessas aparições repentinas que se propagam por todo o disco. É um mundo muito contaminado que prima justamente pelas impurezas de tudo o que é nocivo.

Costuma-se atribuir à musica ambiente um momento de contemplação, mas o disco é como se essa observação constatasse qualquer desencanto possível com o mundo. Durante o avanço do álbum, percebe-se um aumento gigantesco da quantidade de dúvidas arremessadas pelos espectros sonoros. E isso é justamente o que pode causar tanta excitação! Porque até os sons mais ausentes mostram-se fervorosos e ansiosos por expressão. Tudo vale a pena ser ouvido.

Eu não sei se posso chamar isso de música ambiente. É mais um apelo “não musical”, a construção de uma ambiência em que os sentidos parecem todos invertidos. Lentamente, o movimento que caracteriza “The Nest” imerge o ouvinte com mais clareza. São necessárias algumas audições pra encontrar o “abrigo” que, à primeira ouvida, parece inexistente.

Muitos tentam, mas poucos realmente conseguem evidenciar o que está “oculto”, submerso. Kammarheit trata dos elementos sombrios como eles merecem; fascínio, dúvidas e com um respeito fenomenológico. Pode parecer muito sombrio e até triste ouvir “The Nest”, mas o que Boström constrói é uma ode ao deslumbramento com o desconhecido. Ou seja, pode-se celebrar que nem tudo ao nosso redor é limitado e preso em manifestações pré-concebidas.

Ouça “Unsealed”:

1. Borgafjäll
2. Unsealed
3. Lower Halls
4. The Howl
5. Sphaerula
6. Hypogaeum
7. The Nest
8. Sung In Secret
9. Aeon

NOTA: 7,0
Lançamento: 1º de agosto de 2015
Duração: 47 minutos e 14 segundos
Selo: Cyclic Law
Produção: Pär Boström

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