RESENHA: LOOKING FOR JENNY – MONKEY RUDIMENTS EP

Volta e meia me deparo com uma certa discussão sobre a legitimidade de quem “pode” fazer música ou não. Os graduados e virtuoses querem as notas construídas como tijolos, vigas e concretagem de um edifício, encaixados sem sobras, sem invenções, na base do acerto milimétrico. Por outro lado, há os aventureiros, aqueles que aprendem na porrada, tirando notas que talvez não existam, tocando afinações que não são afinações (por não conhecerem afinações), mal acabando canções por não saber como transportar da mente pros instrumentos as ideias e referências.

Em outras palavras, há músicos bons e há músicos ruins. Há músicos que sabem o que tão fazendo e outros que tentam fazer o que sabem. Há músicos criativos e há músicos cartesianos, presos a regras, formas e conceitos. Há artistas inovadores, que metem a cara (e eventualmente a quebram), e há pessoas que tocam muito bem instrumentos sem saber o que criar com eles.

Onde eu colocaria nessa discussão uma banda como a Looking For Jenny? Thiago Werlang, vocalista e guitarrista, não pode ser alocado em nenhuma dessas prateleiras pré-determinadas. Aliás, num grande supermercado da música, o gerente não saberia onde comportar e expor as ideias do músico.

O quarteto formado por Thiago, Bruno Pinheiro (baixo), Andrêi Krasnoschecoff (bateria) e Otávio Fabris Gama (guitarra) é orgânico e intuitivo – e nem sempre parece acertar o que deseja fazer. As ideias se alteram no decorrer da criação e da produção.

O resultado, já visto em “Random Walk”, de 2011, mostrava uma banda trepidante, honesta, que não esconde suas referências em produções elaboradas e que grita ao mundo: “gostamos de Pavement, Sonic Youth, Built To Spill e Dinosaur Jr.”. Ou seja, não há originalidade, não há escalas elaboradas, não há intenções elevadas, nem mesmo tanta noção – as músicas, o erudito diria, estão mal tocadas, mal executadas.

Werlang concorda que não entende muito do riscado. Ele se inspira, vai lá, compõe, escreve, grava e seja o-que-deus-quiser. Eu diria, pois, que ele tem talento, mas não posso afirmar com essa exclamação toda.

Em “Monkey Rudiments”, o EP de seis músicas que a banda lançou em maio de 2012, há um bocado de provas desse autodidatismo.

Numa análise faixa-a-faixa que fez, por exemplo, ao site The Blog That Celebrates Itself, admite que em “Peaceful Sleep”, há uma versão da bateria que foi gravada em um estúdio, “mas nós não ficamos animados com o resultado. Na ocasião o dono do estúdio encanou com uma ‘virada de bateria’ pois, segundo ele, estava fora da ‘convenção do rudimento’. Uma tecnicalidade desconhecida por nós. Porém, gostamos da ‘virada’, tanto que ela permaneceu intacta na gravação caseira da bateria. Perdemos uma grana ao descartar a bateria, mas pelo menos ganhamos um belo nome para o EP: ‘Monkey Rudiments’. As guitarras dessa música marcam a minha tímida incursão no uso de acordes com alavanca. Pretendo aprimorar a minha técnica rasteira com o passar do tempo”.

Ouça “Peaceful Sleep”:

Essa honestidade é algo que pouco se detecta hoje em dia. É todo mundo metido a besta na música brasileira, é todo mundo metido a artista. Werlang vai terminar logo seu doutorado em Física, por exemplo. Não é artista. Ninguém no Looking For Jenny é.

E a música da banda é música. E parece Pavement. E parece Sonic Youth. E parece Built To Spill. O quarteto, ao menos e mesmo com suas aclamadas limitações, conseguiu transparecer as referências como queriam.

Os temas, tal como em “Random Walk”, ainda são as experiências de Werlang – as letras em português é que sumiram de vez. Em “New Building”, relata um apuro médico que passou em Cuiabá. “Car Crash”, que o Floga-se já gravou ao vivo, conta a experiência de uma mulher que sofreu um acidente de carro. Werlang leu sobre o caso dessa e de “Just Like You” numa reportagem sobre ansiedade.

Ah, então, o disco é sobre ansiedade. Ok, mas isso não importa. O disco, pra mim, é sobre o mais precioso na música: o talento e a vontade de criar. Mesmo que seja por um momento, pra satisfazer um desejo próprio, sem se importar com a recepção, mesmo que seja mais na vontade do que na técnica, mesmo que seja do seu jeito mais rudimentar.

NOTA: 6,5
Lançamento: 3 de maio de 2012
Duração: 15 minutos e 37 segundos
Selo: Transfusão Noise Records
Produção: Thiago Werlang
Download gratuito: clique aqui

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