RESENHA: LUCIANA SOUZA – STORYTELLERS

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Há duas principais forças na música de Luciana Souza, evidentes em “Storytellers”. Por um lado, ela relê clássicos como se fossem canções compostas por ela mesma. Ela não difere a interpretação da criação, todo cantar é um gesto inaugural. Souza conta com os excelentes arranjos de Vince Mendoza pra alimentar sua sensibilidade de leitura. Então, Souza utiliza seus cantos para potencializar alegria e sofrimento, partindo da mesma força motriz, vendo em paisagens derradeiras uma chance de salvação ou um incômodo persistente em locais ensolarados. Suas peças cruzam fronteiras servis e se ancoram na música enquanto portal de experiência entre culturas que pareceriam distantes ou inóspitas.

Por outro lado, é uma homenagem explícita às culturas que caracterizam o indivíduo. Cantar as velhas canções tem o peso de afirmação não apenas dos homenageados, mas também de quem realiza tal homenagem. São canções de Antonio Carlos Jobim, Chico Pinheiro, Edu Lobo, Chico Buarque, Guinga, Djavan, Ivan Lins e Gilberto Gil.

Comparações podem ser mortais, mas é muito difícil não vir à mente o disco lançado por Caetano Veloso há pouco. Jobim criou “Matita Perê”, que é um tributo à beleza natural do Brasil. As peças de Souza miram não somente na celebração natural através dos olhos e ouvidos de Jobim, mas também na escolha de canções que são uma biografia musical das vitórias e tragédias do homem.

A técnica de Souza passa pela curadoria pra montar um painel que possa expressar a dor e ternura que canções como “Beatriz” (poema de Chico Buarque) conseguem inferir.

Todas as faixas aqui soam como uma recuperação, a partir de voz e arranjos poderosos, do desejo de capturar tais perspectivas como auxiliares do tempo em que se vive. Tudo aqui é apoiado na força positiva da cultura, ainda que as peças individuais sejam questionadoras, negativas, desoladoras. Os cânticos dos sopros que reverberam em “Choro #3”, com sua constante rapidez, assolam tanto quanto as letras melancólicas. É nessa união que reimaginar uma obra já canônica pode oferecer um ponto importante pro presente.

Souza clama, em seu Bandcamp, que Storytellers é “a experiência de solidão e melancolia (…) Amor e luxúria… Essas foram as histórias que escolhemos examinar em forma de música”.

Este não é o lugar para discutir se ela está falando de suas ambições, desejos mais profundos etc. Igualmente, seria impossível não impor sua perspectiva ainda que as canções já estejam profundamente arraigadas na memória musical constituinte do Brasil. Talvez seja menos uma experiência de sensações, perturbadoras ou alegres, mas a prova de que ainda há jeitos afirmativos ao se relacionar com uma cultura vasta, problemática, adoecida, mas ainda viva.

01. Varanda
02. Matita Perê
03. Se Acontecer
04. Beatriz
05. Choro #3
06. Meu Pai
07. Baião A Tempo
08. Chora Coração
09. Mar De Copacabana
10. Sim Ou Não

NOTA: 8,0
Lançamento: 27 de março de 2020
Duração: 59 minutos e 19 segundos
Selo: Sunnyside Records
Produção: Vince Mendoza

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