RESENHA: LUCRECIA DALT – NO ERA SÓLIDA

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“Lucrecia Dalt se dissolve no som em ‘No Era Sólida’, uma ilusão auditiva suspensa guiada por murmúrios inconscientes, oscilações cósmicas e percussão imprevisível”

A autoapresentação da colombiana (baseada em Berlim) explica quase tudo sobre seu oitavo disco. Sem ouvir, parece uma engenhosa composição de palavras pra nos vender que estamos diante de algo além do pop comercial, uma obra de arte experimental. Ou seja, quer atingir nichos específicos.

Mas “No Era Sólida” é de fato uma dissolução. Um derretimento. Uma experiência sensorial enigmática. As músicas quase não possuem estrutura, são sons esparsos, com batidas bissextas, vocais imperceptíveis, nuances que se tornam bases.

O disco “é um ponto de encontro entre os mundos fenomenal e numenal e incentiva o ouvinte, como Lucrecia, a abraçar as possibilidades da posse”.

A realidade como ela é, de forma independente da perspectiva necessariamente parcial em que se dá todo o conhecimento humano, não é a realidade pessoal. Existe a minha verdade, a sua verdade e a verdade verdadeira, que ainda assim é interpretativa.

Dalt derrete tudo isso, essas compreensões, parecendo que o enigma nunca será desvendado, porque a realidade é o enigma em si.

Enquanto a The Quietus diz que sua música é “semelhante em amplitude e conteúdo a nomes como Laurie Anderson, Cosey Fanni Tutti ou Björk”, com cada lançamento “composto de componentes eletrônicos intrincados, muitas vezes incorporando elementos de palavra falada e pop alternativo”, o ouvinte ficará se perguntando onde está a palavra e onde está o pop.

Não há um e não há outro. Dalt simplesmente elimina o que seria possível.

É perceptível que, por mais que você procure, mais difícil se torna descrever o que se ouve.

Isso é uma clara vantagem em obras de arte. A verdade está na interpretação de cada um. Há quem diga que isso facilita um tanto pro artista – as pessoas que se virem pra entender – mas nem sempre é possível tomar todos pelas mãos e explicar. Não há explicação.

Por outro lado, a colombiana não está simplesmente jogando sons no ar. Ela estudou, leu, refletiu. Cada nota é intencional e “No Era Sólido” se desmancha na sua frente, como caminhar em solo arenoso, como se dragado por um turbilhão e se afogar. Não parece palpável.

É como se tornar outra pessoa. É como ser absorvido pelo tempo. É como se fosse outro mundo. A linguagem, inclusive, é outra. Não é inglês, não é espanhol. Uma glossolalia, um troço em transe. É como estar em transe.

“Ser Boca” mostra sons com a boca indecifráveis. É como se gravassem o som de alguém dormindo. É como. É como. É como. É como. O disco pode ser tantas coisas, tantas verdade e interpretações, tantos devaneios, que fica difícil não exaltar a possibilidade de que ela conseguiu seu intento.

Dalt dissolveu a realidade e ofereceu ao ouvinte um mundo só dele.

01. Disuelta
02. Seca
03. Coatlicue S.
04. Ser Boca
05. Espesa
06. Di
07. Suprema
08. Revuelta
09. Endiendo
10. No Era Sólida

NOTA: 9,0
Lançamento: 11 de setembro de 2020
Duração: 40 minutos e 01 segundos
Selo: RVNG Intl.
Produção: Lucrecia Dalt

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