RESENHA: MEDITATE – ALBUM

Aborrecimentos. É assim que os dias se prolongam: uma sucessão deles. Mesmo quando eles inexistem, os espectros de suas possibilidades emergem e assombram. A maneira que isso ronda sua cabeça é estranha; eles rastejam sobrepostos e, mesmo quando presentes, não conseguem caracterizar uma realidade: são semimortos que bloqueiam a percepção real. Com isso em mente, é impossível seguir em frente – mais parece que alguém está sempre tomando o caminho dos desvios, que o destino já está completamente fora de mão. Conviva com isso, tente não ficar deprimido e/ou paranoico apesar de tudo, busque ajuda, faça amigos, saia de casa e coisa e tal.

Não apenas balbuciam como forjam realidades através de armadilhas conhecidas como subjetividade, “o problema são os outros” e coisa e tal. Algumas confusões surgem do fato de não haver motivo algum pra emaranhamentos: tão preso a si que encarar a própria complexidade interna se mostra uma tarefa ingrata. É esse o caminho que Meditate (que é Mario Alencar) traça no decorrer de “Album”. É uma massa sonora estruturada de modo tradicional, mas que não cai nas “armadilhas” que os gêneros descritos no Bandcamp do disco podem criar.

Há uma tendência de não abusar dos efeitos da guitarra, lembrando o post-punk, fazendo com que as letras tenham uma carga significativa considerável, pois são facilmente compreendidas. É como se a liberdade esbarrasse numa espécie de monotonia maior sobre a qual o disco trata. As músicas do compositor possuem um efeito de constante minúcia, como se ele se debruçasse sobre momentos específicos e os destrinchasse tentando captar algo pra não os deixar mortos.

Por mais deslumbrantes que alguns efeitos possam ser, as abordagens aqui preferem uma ambientação centrada que impõe à audição um tempo próprio. Enquanto o disco arrasta o ouvinte em seu lento prosseguimento, as temáticas de encarceramento ganham corpo e se estabelecem. O minimalismo do disco é imposto por instrumentos em versos simples que ecoam contra uma voz grave – aparentemente desgastada, repetindo palavras – pra descrever um mundo de confiança quebrada apresentando-se à sua frente. É como se as importantes influências do músico se reunissem, mas não conseguissem ocupar afetivamente o distanciamento daquele com o mundo. Luzes apagadas e tímidos esboços de luz tremulando na parede oposta. Sem abertura no quarto, os sons abafam o ambiente e misturam-se, convergindo em um aborrecimento que insinua tomar o controle.

Sugerindo um nome pouco específico pro álbum, a contradição de Mario Alencar se dá justamente por apresentar um trabalho praticamente conceitual, em que as músicas somam na fragmentação de alguém em imagens narradas que se dissolvem aos poucos. Há definitivamente um eixo grave e denso que origina locomoções quase lúgubres. Sua abordagem é confiar que essa indefinição seja capaz de espelhar suas paixões com acessos que ainda podem ser abertos. Se não dá pra entrar no quarto, pelo menos que os ecos abafados ressoem como uma espécie de convite. O que também significa dizer que talvez o disco nunca se evidencie por completo.

Felizmente, “Album” passa o sentimento de que se está envolto em tal desmantelamento. É uma audição que repousa na confiança de que o ouvinte também habite um potencial aborrecimento. Não somente sugere uma camaradagem desse espaço turvo, como reconhece nele uma existência legítima. Essa orientação determina os mesmos lugares de saída e partida, é um reconhecimento dos espaços obtusos e não uma tentativa de abandoná-los.

“Soldier”, a primeira faixa, é tão hostil de uma maneira que representa, em poucas variação e palavras, um ambiente que já é introduzido como pouco amigável. Uma grande parte da circulação no arcabouço, que é uma maneira carinhosa de chamar o disco, é encontrada: frases curtas e descritivas, ecos da guitarra, voz angustiante. Vale mencionar que a voz se mantém confiante na maior parte do tempo, o que contraria as letras que versam sobre quem já está caído e testemunha a partir da distância vertical. Mário Alencar soa fixado em memórias da queda e testemunho do isolamento como mesmas matérias-primas.

É a incompletude que configura um caráter obsessivo a “Album”. É uma abordagem vibrante sobre descrever a distância. É menos como uma definição e mais como um aroma meio azedo que parece perdurar constantemente.

1. Soldier
2. Trust
3. Silver Moon
4. Depression
5. The Winter
6. Deadly Sin
7. Fields (com Sebage)
8. In Eternal Sleep

NOTA: 6,5
Lançamento: 25 de junho de 2018
Duração: 39 minutos e 23 segundos
Selo: Crooked Tree Records
Produção: Estúdio Lofizêra

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