RESENHA: ORANSSI PAZUZU – MESTARIN KYNSI

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“Mestarin Kynsi’ é um problema que se estabelece logo em seus primeiros acordes: é um disco de revelação, cujo enunciado carrega consigo o ímpeto de evidenciar algo.

O álbum pode se estabelecer numa continuidade obscura, cujos sintetizadores, urros e guitarras estão sempre ansiando por algo, como se toda a construção musical se desse na espera. A influência do Nachtmystium pode ser ouvida como uma relação de reverência, mas também de subversão com as próprias estruturas arcaicas do black metal ou do rock psicodélico: há uma ponte sonora que estica tais gêneros até eles serem outra coisa.

É significativo ouvir o “Mestarin Kynsi” como uma dissimulação dos elementos que tenta representar, uma espécie de vazio místico ao tempo em que a revelação se torna todo o processo e o objeto a ser explicitado é sumariamente esquecido.

A proposta do álbum é refletir sobre os processos circulatórios (por isso as canções longas e repetitivas). Tal reflexão se torna mais importante quando se percebe que a banda tem se esforçado pra instituir uma espécie de história da música extrema/experimental finlandesa (não à toa o split com o Candy Cane), abrigando desde elementos folclóricos ao paganismo antigo pra formular sua própria fenomenologia da música em sua terra natal.

Afinal, o Oranssi Pazuzu distribui esforços persistentes e contínuos nos elementos que atravessam o metal tradicional, evidenciando como tal gênero dissimula um relação de tradição, ao mesmo tempo em que recorre às convenções estabelecidas pra fazer sua espécie de ritual da terra. Já esse elemento essencialmente terrestre destaca que por mais técnica e progressiva que uma música pode ser, ela jamais estaria livre das amarras associativas que a formularam.

A aliança entre ruptura e cultivação dos elementos musicais não abdica de o Oranssi Pazuzu espelhar, também no campo semântico, uma nova espécie de totalitarismo essencialmente tecnocrata. Pra banda, o novo domínio continuaria a ser uma réplica de um mal ancestral, tão sagrado quanto diabólico em seu enraizamento no planeta Terra.

Pra manutenção de tal espécie de maldade, são necessários os rituais de sangue, os sacrifícios de um mundo predisposto à carnificina. A questão que se coloca é a seguinte: não há como construir essa espécie de homenagem à determinada história musical sem revelar as linhas vermelhas que construíram a História. A música jamais estaria desamarrada da terra contaminada em que ela se enraiza.

É ouvindo essa extensão do que bandas como Candy Cane fizeram que o Oranssi Pazuzu chamou atenção lá por 2009. O disco trata de uma temática que é a preocupação central não apenas da banda, mas uma continuação conceitual do que tem sido feito no metal finlandês na última década. Meu interesse é de como um universo social de morte e violência parece estar entranhado na própria estrutura musical, sem perder a reverência e uma beleza extremas, talvez justamente por não abdicar da brutalidade.

Seguindo uma linha contemporânea de expressões em camadas, há sempre algo subjacente ao tema instrumental (em primeiro plano há os rifes; em segundo, retalhos sonoros microscópicos que se reconstituem). O processo de deambulação é a atividade de revelação citada no começo; quando os sintetizadores ganham predominância, você sente que eles sempre estiveram lá, esperando a oportunidade de tomar conta da música, constituindo momentos verdadeiramente bonitos, eminentes em sua transformação.

Pra depois serem destroçados.

Pretende-se evidenciar como essa simbiose construída é o próprio ciclo da vida, da catástrofe e da morte. A mencionada simbiose e consequente espetacularização dos processos ritualísticos permitem uma continuidade perturbada e fragmentada. O império de espectros é espantoso. Reafirmando a gênese da Kuolleet Intiaanit (banda da qual Oranssi Pazuzu foi derivada), a agressividade do disco é justamente reconhecer que é na relação com o símbolo cultuado que a perversidade se origina.

1. Ilmestys
2. Tyhjyyden Sakramentti
3. Uusi Teknokratia
4. Oikeamielisten Sali
5. Kuulen Ääniä Maan Alta
6. Taivaan Portti

NOTA: 8,5
Lançamento: 17 de abril de 2020
Duração: 51 minutos e 29 segundos
Selo: Nuclear Blast
Produção: Julius Mauranen e Oranssi Pazuzu

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